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Celebrando 82 anos em 2020, o Ace Cafe foi o palco do surgimento da cultura café racer e da contracultura, movimentos que se espalhariam pelo mundo como um dos símbolos da juventude.

Texto: André Ramos

Com a construção do Anel Circular Viário (North Circular Road) no entorno de Londres em meados dos Anos 30, surgiria em 1938 um pequeno restaurante chamado Ace Cafe. Funcionando 24 horas, seu objetivo era atender principalmente os motoristas de caminhão que por ali passavam e não tinham onde se alimentar ou mesmo tomar uma dose da bebida para continuarem suas jornadas noite adentro, mas justamente por seu caráter notívago, passou aos poucos, a virar o point da juventude londrina.

Como o negócio passou a prosperar, no ano seguinte seus donos decidiram instalar oito bombas de combustível e também, um amplo box para lavagem de veículos. Mas em 1940, com a eclosão da II Guerra Mundial, o Ace Cafe acabou sendo bombardeado. O lugar ficou severamente destruído e tão logo foi possível, voltou a funcionar em um local provisório, próximo de onde ficava.

Seu renascimento, entretanto, ocorreria somente em 1949, quatro anos depois do fim do conflito. Este foi o início de um novo período de prosperidade ao local, que novamente passou a receber levas de jovens motociclistas; era um período de euforia, no qual os jovens proletários começavam a receber bons salários, a indústria britânica de motos recuperava sua força e o rock and roll e a cultura norte-americana começavam a ditar tendências.

Contracultura, Ton Up Boys e o 59 Club

Por falar em rock, as juke box do Ace Café eram os únicos lugares onde se podia escutar o gênero musical, já que as rádios da época se recusavam a tocar este tipo de música. Foi então que o Ace Cafe viu surgir um dos mais relevantes movimentos da contracultura. Pilotando motos depenadas e preparadas para pegas, usando jaquetas de couro repletas de pins e bottoms, cabelos cobertos de brilhantina, calças jeans ensebadas e botas de cano alto ou coturnos, estes jovens reuniam-se no Ace Cafe, que era visto como uma espécie de templo da rebeldia juvenil.

Ali era o palco de diversos pegas que, segundo reza a lenda, aconteciam da seguinte forma: uma música era colocada para tocar na juke box e os desafiantes tinham de ir e voltar até determinado ponto antes que ela acabasse. A marca das 100 milhas por hora era conhecida como “The Ton” e aqueles que a alcançavam passaram a ser chamados de “Ton Up Boys”, apelido que passou a ser conferido a todos que pilotavam café racers, as tais motos depenadas.

Entre os Anos 50 e 60 o Ace Cafe consagrou-se como o fervo da cena jovem não apenas londrina, já que sua fama havia se espalhado por toda a Inglaterra. Sua popularidade fez com que seu palco passasse a ser frequentado por bandas consagradas e também, por estreantes em busca de um lugar ao sol, mas não eram raras as batidas policiais ao local, acionadas por ligações telefônicas de moradores incomodados com a energia juvenil que circulava pelo lugar onde “gente de bem não frequentava”.

Foi nesta época que passou a aparecer por lá o padre Bill Shergold que também motociclista e passou a convidar os jovens a frequentarem suas missas. Ele já comandava uma igreja desde 1959 e em 1962, uma seção destinada aos motociclistas foi criada em Hackney Wick, o que fez surgir o 59 Club, que rapidamente se tornaria o maior clube de motociclistas do mundo à sua época, permanecendo até hoje como um dos maiores e mais relevantes do mundo das duas rodas em função de sua história.

Mas em 1969, as mudanças na economia britânica e o avanço da indústria automotiva, fizeram com que as motos passassem a ficar caras em comparação aos carros, e isso fez o Ace Cafe entrar em decadência, até que ele fechou suas portas.

Renascimento e glória

Em 1993, Mark Wilsmore, um ex-frequentador do lugar, decidiu convidar clubes e grupos de motociclistas para celebrarem a memória do antigo Ace Cafe. Ele decidiu que faria um documentário e um livro sobre o lugar, com o objetivo de fazer com que ele voltasse à vida.

Para marcar os 25 anos do fim de suas atividades, Mark e alguns amigos começaram a se mobilizar para fazer com que uma grande marcha de motociclistas rumasse para o antigo lugar do Ace Cafe e definiram uma data: 4 de setembro de 1994. Contando com apoio de vários clubes e também da mídia britânica, nada menos que 12.000 motociclistas compareceram para louvar o lugar e clamar por sua reabertura.

A partir de então, todos os anos a parada se repetiu. Batizada de “Ace Day”, passou a acontecer não mais em frente ao Ace Cafe, pois o número de motociclistas só aumentou, mas sim, no Madeira Drive, o píer de Brighton Beach, outro lugar histórico, que em 1964 foi palco da histórica briga entre rockers (motociclistas, em boa parte frequentadores do Ace Cafe e oriundos do proletariado) e mods (almofadinhas que curtiam scooters e eram oriundos da burguesia).

Mas apesar de toda a movimentação e furor em prol da reabertura do lugar, o Ace Cafe só veio a ser reaberto em seu lugar original no dia 7 de dezembro de 1997, quando uma parte do antigo lugar passou a funcionar, mas somente às sextas, sábados e domingos, além de feriados e na primeira quarta-feira de cada mês.

Era o que os motociclistas esperavam e rapidamente o lugar passou a ser palco para encontros onde as notícias e as fofocas sobre o mundo das duas rodas aconteciam.

Mas em 6 de março de 1999, o rompimento de uma adutora que passava sob o estacionamento do Ace Cafe provocou uma nova destruição do lugar. Somente em 2001, finalmente o Ace Cafe reabriria suas portas, dando início a um novo período de glórias. Agora, os antigos rockers dos 60´s eram comportados tiozões que reencontravam-se para celebrar a eterna juventude, a cultura rocker e o estilo de vida café racer, relembrando  velhas histórias vividas ali mesmo, décadas atrás, naquele lugar.

Sob a batuta de Mark Wilsmore, o Ace Cafe abriu filiais em Lahti  (2011), Lucerna e Pequim (2015), Barcelona e Orlando (2017) expandindo para outros pontos do globo a aura de uma época e de uma cultura que jamais acabarão.