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O piloto que virou cineasta

Em sua juventude, André Luís Camargo nutria duas paixões: o motocross e o cinema. Hoje, aos 46 anos de idade, ele está prestes a dar vida ao sonho de unir ambas em um projeto que promete levar muita adrenalina às telonas.

Texto: André Ramos

Fotos: Arquivo Pessoal

Nos últimos 20 anos, Velozes e Furiosos tornou-se um grande sucesso de bilheteria na história do cinema mundial, com cada um de seus 9 episódios faturando algo em torno de US$ 1 bilhão. Sem preocupações com discursos políticos ou com uma estética sofisticada e tendo como objetivo somente entreter, Velozes e Furiosos conquistou diferentes gerações com suas cenas de pegas e perseguições, associadas a tramas onde os carros desempenham um papel tão importante quanto dos atores.

Apesar de ser um veículo tão ou ainda mais popular que os carros, as motocicletas até hoje não ganharam um filme nos mesmos moldes, mesmo que em alguns, elas tenham desempenhado um papel relevante, como foi no caso de “Motoqueiros Selvagens” (2007), “Desafiando os Limites” (2005), “Diários de Motocicleta” (2004) e o brasileiro “Motorrad – Na Trilha da Morte” (2017). Sim, ela também ganhou o épico documentário “On Any Sunday” (1971) mas nunca um filme que pudesse ser classificado de maneira próxima à franquia da Universal Pictures.

Mas o filme “Tração” pode reescrever esta história. Dirigido por André Luís Camargo, um ex-piloto de motocross de Americana (SP), a película vai mostrar o mundo das competições em duas rodas, em um roteiro recheado de humor e suspense.

Para saber mais sobre a história do cineasta e do filme, a gente bateu um papo com ele por email, afinal, a pandemia do novo coronavírus impediu que déssemos um rolê de moto com ele, como gostaríamos.

André Luís Camargo comanda as gravações de “Tração”. Foto: Talles Rodrigues

Moto Adventure – André, muito obrigado por atender a reportagem da Revista Moto Adventure. Quero começar pedindo para que você fale sobre sua fase piloto de motocross. Conte um pouco sobre sua história nas pistas: como e quando começou, por influência de quem e siga em frente até o momento em que a coisa arrefeceu.


André Luís Camargo – Eu que agradeço a oportunidade para contar sobre minha trajetória no motocross e sobre o filme “Tração”, um projeto inovador no cinema brasileiro. 

Comecei a acompanhar o motocross pela televisão, logo depois que ganhei uma Mobyllete do meu pai. Andava pelas ruas de Americana, interior de São Paulo, minha cidade-natal, me achando um piloto. Logo, já estava empinando e “ralando” o pára-lama traseiro no chão, dando “RL”.

Atormentei meu pai, porque precisava de algo mais. Acabei ganhando uma (Yamaha) DT 180, que depenei inteira e troquei o tanque por um de plástico. Mesmo sem todos o equipamentos – tinha apenas calça, luva e capacete – andava de tênis e uma camisa de manga comprida de frio. Costumava ir com a moto até a Pista do Zanaga, onde havia assistido ao vivo pela primeira vez uma prova de motocross. Treinei algumas vezes nessa pista e comecei a perceber que precisa mais, me equipar e trocar de moto. 

Minha primeira prova de motocross foi na cidade de Limeira, em 1990. Eu já estava com uma nacional Agrale WXT. Lembro até hoje o cheiro do óleo M50 que pairava no ar. Depois, minha moto foi uma CR 125, que confesso que deixei no meu quarto até colocá-la na pista. Nunca esquecerei a sensação de ver aquela moto vermelha ao lado cama. Era um sonho começando a se tornar realidade.

Foi uma década toda competindo no Paulista, Brasileiro e até na Califórnia. Passei cinco meses lá, pois havia sido classificado para o Mundial em Campos do Jordão (SP). Em 2002, fiz minha última prova, na minha cidade-natal. Só abandonei o esporte por questões da vida, tive que vender a moto.

Moto AdventureQuando o audiovisual entrou na sua vida e de que maneira isso aconteceu?


André Luís Camargo – Para responder isso, preciso contar minha primeira experiência em uma sala de cinema. Foi aos sete anos de idade, assistindo ao filme “Se meu Fusca falasse”. Quando entrei naquele ambiente escuro, me sentei e o filme começou, eu não era mais eu, era parte daquela história naquela janela gigante. Depois que saí da sala, demorei para entender o que havia acontecido. Me apaixonei por aquilo. Na adolescência, lembro que na volta da escola parava na locadora, pegava uns cinco filmes, assistia a todos e repetia o ciclo no dia seguinte.

Pouco antes de parar de correr de motocross, havia começado um curso de ator no Macunaíma, que não consegui terminar. Me dediquei à consultoria, uma empresa familiar. Só dez anos depois, resolvi me empenhar no cinema. Fiz vários workshops, coaching e em 2012 já estava protagonizando meu primeiro longa metragem, “Ódio”. Desde então, fiz várias participações em televisão, cinema e teatro e em 2015, comecei a produzir e dirigir. Hoje assino a produção de cinco curtas e dois longas-metragens, caminhando para o terceiro.

O cinema, assim como as motos, são uma paixão de infância do diretor, que agora, une as duas em sua mais nova produção. Foto: Talles Rodrigues

Moto Adventure – Fale um pouco sobre sua trajetória no cinema.

André Luís Camargo – Em 2012, como ator, protagonizei o longa-metragem, “Ódio”. Em 2015, dirigi e produzi o curta-metragem “Júlia”, que passou em mais de 15 festivais nacionais e internacionais. Em 2018, produzi e dirigi os curtas “Que gente é essa?” e “LUX”. 


No início de 2019, produzi e dirigi meu primeiro longa, o suspense psicológico “Máscaras”, com lançamento previsto para junho deste ano (2020). E no mesmo ano de 2019, produzi e dirigi o longa “Amor, confuso amor”, atualmente em montagem, com lançamento previsto para novembro deste ano (2020). Hoje, estou em pré-produção do longa-metragem “Tração”.

André Luís Camargo e o ator Marcos Pasquim, um dos integrantes do elenco, durante a fase de preparação do filme. Foto: Marc Riachi

Moto Adventure – Quais são tuas referências? Fale um pouco sobre o que lhe inspira em cada uma delas.

André Luís Camargo – Sou muito fã do gênero de suspense. Adoro os thrillers psicológicos. Minha maior referência sempre foi Stanley Kubrick, me identifico muito com sua linguagem. Uma vez ouvi de um entrevistador da área do audiovisual: “Você tem um olhar para suspense. Você consegue filmar um cinzeiro de uma forma, que parece que algo vai acontecer ali”. E realmente tenho essa tendência.

No meu último longa, “Amor, confuso amor”, através da forma e da linguagem, transformei uma comédia romântica em um drama cômico, com uma profundidade poética, única e exclusivamente no ritmo e olhar. Sou um formalista, para mim a forma interfere diretamente no conteúdo.

Moto Adventure – Depois de ter dirigido dois outros longas (Máscaras e Amor, confuso amor), você optou por seguir em um caminho diferente com o filme Tração, que tem uma linha diferente da seguida pelos outros dois. Por que esta escolha? Você mencionou em uma outra entrevista que a ideia é que este filme torne-se uma franquia, seguindo os moldes de Velozes e Furiosos. Como pretende fazer isso e do que depende para que isso ocorra?

André Luís Camargo – Primeiramente, estou tendo uma oportunidade de unir minhas duas paixões na vida; motos e cinema. Segundo, eu vi ali um nicho nunca explorado no cinema brasileiro, e também por isso, queremos muito que se torne uma franquia.

Nós estamos produzindo um filme de ação, com alívios cômicos, drama e com uma mensagem de união e empoderamento feminino. Não é apenas entretenimento. Com o “Tração”, pretendemos agradar não apenas o grande público e amantes das motocicletas, mas também o público cinéfilo, que tem um conhecimento mais apurado da linguagem. 

Vi um filme recentemente que fez isso com maestria: “Ford vs Ferrari”. Sem prepotência de comparações, mas nosso filme tem uma semelhança na proposta estética e linguagem. Não usaremos efeitos especiais, apenas efeitos práticos, o que o espectador ver na tela, foi feito.

Sobre a possibilidade de tornar o “Tração” uma franquia, está diretamente ligada ao sucesso que este primeiro terá. Estamos muito confiantes nesse sentido.

Moto Adventure – O que os espectadores vão encontrar em Tração?

André Luís Camargo – Um filme para toda a família, que fala sobre união, paixão pelas motos e todo universo que elas trazem consigo. Muita adrenalina, ação e risos são garantidos, mas também quero imprimir minha identidade, gosto de incomodar o espectador, seja com suspense ou com a tensão.

Moto Adventure – Você mencionou nesta citada entrevista que este filme não foi inscrito em nenhuma lei de incentivo à cultura. Por quê? E como você está fazendo para bancar os seus custos de produção? Você conta com investidores? E qual é o seu orçamento para esta produção?

André Luís Camargo faz a leitura do roteiro junto com o elenco. Foto: Marc Riachi

André Luís Camargo – Estou trabalhando nesta produção há mais de um ano. Não quero entrar em questões políticas e no que elas comprometem a produção audiovisual no Brasil, mas quando você tem várias limitações para se conseguir produzir com apoio governamental, você precisa dar seus passos. Não posso dizer que inventamos um jeito de fazer cinema, mas o formato crowdsourcing (financiamento coletivo via internet) nos ajudou muito, uma vez que todos são sócios do projeto. Ainda assim, é um projeto ambicioso, de fato, uma superprodução. Serão mais de 40 diárias de gravações, entre cenas em competições e urbanas. Nossa equipe hoje conta com mais de 80 pessoas, entre técnicos, elenco e pilotos. Nosso orçamento já passou de R$ 2 milhões e não conseguiríamos realizar o filme se não fossem nossos patrocinadores e parceiros. 

Moto Adventure – As gravações estavam previstas para começarem agora em março e imagino que essa crise esteja atrapalhando teu cronograma. Agora, como ficou? Quando pretende finalizá-las? E quando acredita que o filme estará pronto para fazer sua estreia?

André Luís Camargo – Estamos vivenciando um momento ímpar de âmbito mundial. Nossa primeira diária estava programada para 19 de março deste ano, mas tivemos que adiar. Estamos trabalhando na pré-produção, no sentido de adequar o cronograma dos atores, assim como das competições. Vamos inverter nosso planejamento, ao invés de filmarmos primeiro as competições, depois as cenas de ação, faremos o contrário.

Estamos esperançosos para que tudo isso passe o mais rápido possível e, independente disso, vamos trabalhar ao máximo para lançar o filme até final de 2021.

A equipe que estará nas telas e atrás delas no filme “Tração”. Foto: Marc Riachi

Moto Adventure – O filme contará com um elenco que reunirá alguns nomes famosos como Marcos Pasquim, Nelson Freitas, André Ramiro, Paola Rodrigues e Maurício Meirelles, mas em termos de pilotos, algum vai participar do filme, ainda que como dublê?


André Luís Camargo – Sim, alguns pilotos estão no filme já há algum tempo, como o Leandro Mello, e outros estamos fazendo contato agora. Mas garanto, que todos envolvidos são conhecidos do público e atletas profissionais.

Moto Adventure – Desde que parou de andar no MX, você voltou a acelerar novamente, mesmo que seja por brincadeira, ou parou de vez com o lance de moto?
André Luís Camargo – Pois é, eu já estava imaginando que isso ia acontecer. Inicialmente, era apenas um laboratório para o filme, mas no segundo treino, o bicho picou de novo, acho que não tem volta. Quem sabe com o sucesso do filme eu consiga voltar a competir. Seria incrível, até porque eu também faço uma participação como um dos personagens. 

Banner promocional do filme Tração. Divulgação

Box – Edu Appel

Há 16 anos, Edu Appel atua no segmento de marketing focado em duas rodas. Foto: Rodrigo Philipps

Ele é um dos profissionais mais requisitados no mundo das duas rodas quando o assunto é marketing e gestão de marcas e agora, este também ex-piloto catarinense une forças com o diretor André Luís Camargo para contribuir com a realização de Tração.

Moto Adventure – Fala Edu, beleza? Muito obrigado por atender a reportagem da Revista Moto Adventure. Fale um pouco sobre o teu papel na produção deste filme.


Eduardo Appel – Minha colaboração na produção do longa-metragem “Tração” será na coprodução executiva, que basicamente envolve toda a comunicação, identidade visual do projeto e a gestão nas mais diferentes mídias. Também estou à frente das estratégias comerciais para captação de recursos financeiros, já que estamos falando de uma obra que tem um custo elevado de produção. Sou basicamente o responsável pela interlocução do filme com o mercado durante o processo de produção.

Moto Adventure – Como foi que pintou a oportunidade de você participar deste filme?

Eduardo Appel – Foi no início de fevereiro deste ano, eu estava trabalhando na Califórnia e recebi a ligação do André Luis, produtor e idealizador do projeto. Eu não sabia exatamente do que se tratava, mas na medida em que o André foi me explicando, eu não parava de ter ideias para colaborar com o projeto. Como se trata de uma área que me desperta muito interesse, a conversa foi incrível e as ideias fluiam com uma velocidade impressionante. Foi até engraçado, pois parecia que ele estava falando tudo o que eu queria ouvir e eu respondia para ele tudo o que ele também gostaria de ouvir. Houve uma baita sinergia e logo eu já que pude auxiliar o André com informações relevantes para ajudar nas tomadas de decisão. André teve contato muito intenso com o motociclismo na década de 90 e depois se distanciou do esporte, então eu acabei podendo atualizar todas as informações que ele precisava antes mesmo de estabelecermos a parceria. Na semana seguinte eu já estava no Brasil e ele me convidou para coproduzir o filme e, desde então, estamos trabalhando em conjunto.

Edu Appel alivia o estresse entre um trampo e outro acelerando sua KX 250F. Foto: Rodrigo Philipps

Moto Adventure – Para quem não o conhece, conte um pouco da sua história, sem deixar de lado sua face piloto…

Edu Appel – Jamais poderia deixar de lado minha face de piloto! (risos). Fui piloto de motocross desde os 12 anos de idade, competi por mais de dez anos e a moto faz parte da minha vida no meu dia-a-dia. Meu filho já anda no motocross e tive a sorte de poder construir minha carreira profissional neste mesmo segmento, inicialmente prestando serviços de design. Minha área de atuação acabou se tornando muito elástica no mercado motociclístico. Sou um profissional de marketing e comunicação, logo, devo estar aberto a todas as frentes de atuação e me aperfeiçoar em cada uma delas. Em 16 anos dedicados exclusivamente ao motociclismo, tive a oportunidade de gerir o marketing de grandes empresas, líderes em suas áreas, colaborar com projetos e marcas internacionais e, desde 2015, passei a atender clientes no Brasil e nos Estados Unidos, nas áreas de gestão de marketing, design, produção de vídeo, produtos e competições. Mais recentemente, fundei uma nova empresa na área de eventos que atualmente é a gestora do Super Bananalama, o maior evento de motociclismo off-road do mundo. A indústria do cinema sempre me fascinou e era algo que eu não havia tido a oportunidade de me aprofundar ainda. Era uma peça que estava faltando no meu arsenal.

Edu Appel vai levar sua expertise para fortalecer a coprodução do filme. Foto: Rodrigo Philipps

Moto Adventure – Como você está encarando este novo desafio em tua carreira e o que espera colher dele assim que estiver concluído?

Eduardo Appel – Os objetivos com este projeto são outros. O que na verdade me fisgou foi a oportunidade de ajudar a construir um legado para o motociclismo brasileiro através de uma obra de cinema. Honestamente, não foi o resultado financeiro que me motivou, mas sim, a chance de ver o motociclismo e as competições brasileiras tendo um destaque que jamais tiveram, como objeto principal em obra que vai ficar para a eternidade. Temos um elenco de altíssimo nível, somado a uma equipe de profissionais incríveis por trás das câmeras e encaro isso como uma grande oportunidade de aprendizado. O nosso mercado vai enxergar que existem profissionais de alto nível se dedicando muito para elevar o esporte e a cultura do motociclismo brasileiro. Se ao final de todo este trabalho eu me ver ao lado da minha esposa e filhos, com um balde de pipoca nas mãos, assistindo ao filme “Tração” na poltrona de um cinema, então eu terei a certeza de que tudo valeu a pena.