O emocionante relato de um casal de 60 e 58 anos, que durante sua viagem pela América do Sul é surpreendido pela pandemia que foi fechando hotéis, restaurantes e fronteiras.
Texto e Fotos: Marcio e Cibele Tralci
O ano de 2020 era um marco para nós e tínhamos em nossos planos um sonho a ser realizado que,mesmo com alguns percalços, conseguimos concretizar. Batizado de “Atacama 60”, previa cruzar a América do Sul de motocicleta, saindo de São Paulo até Antofagasta (Chile), onde nos encontraríamos com o Oceano Pacífico, passando por termas, chacos, oásis, vulcões, desertos, cordilheiras, vinícolas, ao longo de 35 dias e 10,8 mil quilômetros… só não contávamos encontrar-nos também com uma pandemia…
O planejamento era rodar três dias seguidos para aproveitarmos no quarto, e assim o foi.
Saímos da capital de São Paulo em 23/02/2020, com destino ao sul do Brasil via Ponta Grossa, Passo Fundo e Santana do Livramento. Fizemos a fronteira Quarai(BR) –Artigas(UR)e ficamos em Termas Del Dayman para relaxar.
De Dayman, cruzamos a fronteira Salto(UR) – Concórdia(AR) e atravessamos as províncias de Entre Rios e Santa Fé, pousando na agradável cidade de Rafaela. Seguimos pelo Chaco Argentino sob um calor quase insuportável, até Santiago del Estero. Para fechar mais um trecho, seguimos adiante e chegamos a Salta, onde ficamos três dias, desfrutando e comprovando o gracioso apelido de “La Linda”, com suas igrejas, museus, teleférico e as deliciosas empanadas saltenhas.
Depois de merecido descanso, partimos rumo ao ponto de maior altitude do trajeto em Susques (4.250m), passando por San Salvador de Jujuy, pelo colorido povoado de Purmamarca, a magnífica Cuesta de Lipan, as grandiosas Salinas Grandes e pernoitando em Pastos Chicos para nos adaptarmos à altitude. Vale ressaltar que este deslocamento talvez tenha sido o trecho com as paisagens mais marcantes e indescritíveis.
Chile e seus encantos
Pela manhã, recuperados de uma dor de cabeça e muito frio provocados pela altitude da região, chegamos à fronteira Argentina-Chile pelo PasoJama, e seguimos com muitos visuais deslumbrantes como a Reserva Nacional los Flamencos e o vulcão Lincancabur,este último seguiu-nos como paisagem constante até a chegada em San Pedro, um verdadeiro oásis na região desértica do Atacama.
Ficamos cinco dias em San Pedro de Atacama visitando algumas das muitas opções de passeios na região: Lagunas Escondidas de Baltinache, Valles de La Luna, de La Muerte e Arcoiris, Lagunas Altiplânicas, GeiserdelTatio e Poblado Machuca.
Curtimos muito a cidade aproveitando as sua peculiaridades, como as ruas de terra, construções em adobe (semelhante ao nosso pau à pique), sorvetes com frutos e ervas regionais (rica-rica o melhor), restaurantes simples de comidas típicas e as gigantescas empanadas atacamenhas.
Continuando nossa jornada transpusemos mais duas cordilheiras (de La Sal e Domeyko) até chegarmos ao Deserto do Atacama na realidade, região bem inóspita, de muitas mineradoras, tendo o cobre como o produto mais explorado,e só então chegarmos ao Oceano Pacífico,em Antofagasta, onde tomamos um revigorante banho de mar, num balneário municipal.
A pandemia nos alcançou
No outro dia seguimos rumo ao sul pela Ruta Panamericana e, claro demos uma parada na Meca dos motociclistas:a “Mano del Desierto”e a emoção tomou conta de nossos corações.
Continuamos pelo litoral conhecendo vários balneários chilenos como Caldera, La Serena e em Cochimbo, resolvemos mudar os planos devido aos rumores de fechamento de fronteiras no Mercosul devido à pandemia.
Fomos em direção a Los Andes, caminho mais perto para a travessia da fronteira Chile-Argentina, via Caracoles (Paso de los Libertadores) e conseguimos fazer a entrada na Argentina no último dia possível. Descemos a Cordilheira dos Andes e fizemos uma parada para uma caminhada no Parque Provincial de Aconcágua e na Puente del Inca, chegando à encantadora Mendoza com suas vinícolas, montanhas, canais e ruas planejadas e arborizadas.
Passeamos pela cidade no dia seguinte e foi quando começamos a ter notícias de quarentena na Argentina. Passeios às vinícolas cancelados e funcionários de nosso hotel e restaurantes avisando que tudo poderia ser fechado, inclusive para turistas!
Se no início, achávamos que era uma aventura sairmos para uma viagem de 10.000km ao deserto do Atacama com uma moto BMW G650 GS ano 2011, sem nenhuma reserva, com orçamento de R$ 1,00 por km rodado, sozinhos (um casal de 60 e 58 anos), no final, a aventura da história real se apresentou de verdade.
Na Argentina foi difícil achar algum hotel. Cidades bloqueadas. Nas estradas os postos possuíam combustível, porém nas lojas de conveniência não podíamos permanecer;era permitida a entrada de apenas uma pessoa de cada vez para comprar e sair. Diversas barreiras policiais com agentes de saúde, ambos com máscaras e luvas, mediam nossa temperatura e nos faziam responder questionários com detalhes e sintomas.
Inicialmente voltaríamos pelo Uruguai, fazendo um tour até o Oceano Atlântico, mas a fronteira estava fechada. Tivemos que rodar pela Argentina até a fronteira entre Paso de Los Libres (UR) e Uruguaiana (BR) para retornar pelo interior do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, onde tivemos muitos problemas de hospedagem e para comer, já que a maioria dos estabelecimentos estava fechada.
Finalmente chegamos em casa, após 28 dias e 9.850 quilômetros percorridos, onde permanecemos até o presente momento, recolhidos e colaborando com a nossa parte no distanciamento social, sem poder compartilhar pessoalmente esta experiência com as pessoas que amamos, mas agora, esperamos que a nossa história possa chegar até eles e a todos os leitores da Moto Adventure.
Por enquanto fiquem em casa, saúde a todos e nunca deixem de realizar seus sonhos.