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Consideradas durante décadas como as rainhas das estradas, as motos custom foram perdendo terreno para as big trails ao longo dos anos. Mas será que elas estão com os dias contados?

Texto: André Ramos

Fotos: Arquivo Pessoal

Até a década de 90, quando se falava em “moto estradeira” – pelo menos aqui no Brasil – nosso imaginário invariavelmente traria à nossa mente a imagem de uma motocicleta custom, e isso tem algumas prováveis explicações.

Naquela época, a maior parte das motos destinadas a encarar estradas eram voltadas a este estilo, tanto que além da Harley-Davidson, as grandes marcas japonesas aqui presentes (Honda, Yamaha, Kawasaki, Suzuki) também tinham modelos voltados a este segmento, dada a demanda que estas motocicletas tinham por quem gostava de viajar de moto.

Além disso, estava enraizado em nosso imaginário imagens de filmes como Easy Rider (traduzido para “Sem Destino” aqui no Brasil), que nos faziam literalmente, viajar com os amigos Wyatt (Peter Fonda) e Billy (Dennis Hopper) em suas motocas de estilo custom. Consequentemente, naquela época era muito mais comum vermos nas estradas grupos de amigos e moto clubes nos quais, quem reinava, eram as motos custom.

Masa partir de meados dos Anos 80, um novo estilo de motos começava a chamar a atenção dos motociclistas: as trail e suas irmãs mais parrudas, batizadas de big trails. Herdeiras das motos disputavam provas como o então Rally Paris Dakar, eram motos que apresentavam tanques com grande capacidade – e consequentemente, longa autonomia – mecânica simples, suspensões de longo curso, rodas raiadas com a dianteira geralmente medindo 21 polegadas – um conjunto voltado para absorver buracos – e por fim, posição de pilotagem confortável, onde o piloto ficava com as costas eretas e os joelhos flexionados, contribuindo para minimizar as pancadas dos buracos e ajudar no trabalho das suspensões.

E por fim, tais motos ainda apresentavam mais espaço e facilidade para fixar as bagagens.

Todas estas características, associadas à uma robustez cada vez mais confirmada por seus proprietários, abriam a possibilidade para que estas motos levassem seus condutores a locais inimagináveis de se chegar com uma custom, o que passou não somente a atrair quem tinha um espírito mais aventureiro, como também, fez surgir o mototurismo de aventura.

E talvez o ponto que despertou de vez o interesse pelas big trails e mostrou de fato o que eram capazes de fazer surgiu em 2005, quando o documentário Long Way Round surgiu no mundo mostrando a incrível viagem dos amigos Ewan McGregor e Charley Boorman. O filme mostrava a incrível epopeia da dupla, que a bordo de duas motocicletas BMW R 1150GS, saiu de Londres com o objetivo de chegar a Nova York, o que aconteceu 30.396 km e 4 meses e meio depois.

Desde então, enquanto as vendas das big trails disparava em todo o mundo, a das customs passava a seguir na direção contrária; à exceção de algumas grandes marcas globais – incluídas aí Harley-Davidson, Indian, Royal Enfield – praticamente todas as demais passaram a desenvolver as suas big trails, com o objetivo de atrair um consumidor disposto a investir um bom dinheiro em uma motocicleta aventureira.

Passando a rasteira

Ok, o avanço tecnológico beneficiou todas as motocicletas, desde as pequenas cubs até as grandes big trails e customs, mas parece que isso tem ajudado as big trails a ampliar sua liderança frente às customs ao longo dos anos. Vamos aos números.

Segundo dados da Fenabrave, em 2005 foram emplacadas 1.026.944 motocicletas, sendo que destas, 4.217 eram customs (a mais vendida era a Yamaha Drag Star XVS 650) e 3.421 big trails, ou maxi trails, na terminologia da entidade (a mais vendida era a Yamaha XT 660R). Uma vantagem de 23,27% para as customs.

Avancemos 15 anos e vamos ver o que houve. Em ano de pandemia, o mercado deu uma severa freada e terminou com apenas 915.502 motos emplacadas, sendo que destas, 6.497 eram customs (a que mais vendeu foi a Kawasaki Vulcan 900), enquanto que 14.191 eram big trails (a mais vendida foi a BMW R 1250 GS), uma diferença de 118,42% em favor das motos aventureiras.

E na Inglaterra, a preferência pelas big trails parece que é ainda mais sólida. Segundo o site bennets.co.uk, quem lidera as vendas entre todos os estilos de motos por lá também é a BMW R 1250GS.

Em crise

Talvez um dos símbolos desta perda de terreno das customs para as big trails seja a Harley-Davidson. Mais icônica e importante representante do segmento em todo o mundo, a H-D tornou-se não apenas uma fabricante de motocicletas mas sim, um símbolo da contra-cultura e da liberdade, oferecendo aos que retornavam da II Guerra Mundial e aos baby boomers muito mais que um meio de transporte, mas sim, um elemento de expressão para um estilo de vida pautado pela liberdade e atitude rebelde.

A marca de Milwaukee veio numa crescente desde meados dos Anos 40 até 2007, quando então, a crise financeira de 2008 deu uma trombada na empresa, fazendo o ano fiscal de 2009 terminar com um prejuízo de US% 55 milhões. Mas um plano bem estruturado de recuperação da empresa baseado em novos e mais tecnológicos modelos fez a empresa se recuperar até atingir um sólido lucro de US$ 814 milhões em 2014, mas nem mesmo isso foi capaz de afastar os fantasmas que passaram a assombrar a empresa: o do envelhecimento de seus fãs e o alto preço de seus produtos.

Em 1985 a média de idade dos proprietários da marca era de 27 anos; em 2018, ela subiu para 50 – dados para os Estados Unidos, onde a H-D mais barata custa US$ 9.499. Aqui no Brasil, com o fim da família Sportster, a moto mais barata da marca passou a ser a Fat Bob, custando R$ 82.900 na tabela, mas chegando a R$ 90 mil na loja.

Recentemente a Harley-Davidson deu novo e ousado passo para tentar reverter este jogo. Após muitos rumores se seria ou não lançada, em janeiro deste ano, a marca apresentou oficialmente a Pan-America 1250, a primeira big trail em 117 anos de história. Se a aposta dará certo ou não, só o tempo nos dirá.

Mas independentemente deste movimento que estamos observando, o fato é que as customs jamais morrerão: elas sempre terão fãs fieis ao seu estilo e à sua grande possibilidade de customização. Do outro lado, as big trails continuarão atraindo um número cada vez maior de fãs, graças à todas as possibilidades que oferecem.

Nesta batalha, não há vencedores e nem vencidos, afinal, o mais importante não é a moto, mas sim, o espírito de união que deve existir entre todos os motociclistas.