Cada vez mais presentes no mundo das duas rodas, as mulheres estão descobrindo o prazer de acelerar (forte) suas motocicletas nas pistas e jogando o preconceito para bem longe.
Texto: André Ramos
O motociclismo sempre foi um meio eminentemente masculino e embora nos últimos anos a mulher tenha conquistado importantes avanços neste universo, no mundo das competições elas ainda são muito pouco presentes. Mas apesar dessa peneira extremamente fechada, há quem tenha – e esteja – conseguido passar pela malha fina e cravando o seu nome na história da moto no Brasil e servindo de inspiração para muita garota.
Moara Sacilotti nasceu em uma família que respira motociclismo e teve na figura do pai e do irmão, suas grandes fontes de incentivo para começar a acelerar nas pistas. Ela começou há 30 anos no motocross, onde o irmão Ramon já competia, mas um dia experimentou o rally e nunca mais quis saber de pista – e lá se vão 22 anos, o que faz dela a mulher com a carreira mais longa no motociclismo competitivo nacional.
Aos 41 anos e casada com o fotógrafo de rally Rodolfo Bazetto, Moara acumula em sua galeria de conquistas um vice-campeonato mundial de rally, dois títulos do RN 1500 e está indo para sua 20a participação no Rally dos Sertões.
“Isso é muito encorajador para quem quer começar, mas no rally acho que ainda vai demorar, porque o buraco é mais embaixo, mas no último RN1500, eu e a Jeniffer Colvero (que correu pela primeira vez), ganhamos uma homenagem especial e acho que isso também é algo incentivador para as novatas”, celebra. “Gosto da frase que roubei da Bruna Wladyka, que diz que a mulher pode pilotar moto, carro, fogão, o que quiser; a mulher tem que pilotar a própria vida!”, orienta.
Circuito oval
O nome de Bruna Wladyka começou a ganhar maior projeção no cenário nacional a partir do ano passado, quando a curitibana passou a mostrar que não era só mais um “rostinho bonito” em cima de uma moto. Nas provas de flat track, Bruna acelera forte e não afina diante das caras feias e tampouco reluta em dividir curvas com homens ao comando de uma moto de mais de 200 kg.
Recentemente, ela tornou-se a primeira brasileira a ser convidada a participar do Flat Out Friday, um dos maiores eventos de flat track dos Estados Unidos e mesmo com o evento sendo cancelado em função da pandemia do coronavírus, Bruna acredita que um importante passo foi dado. “Aceitei para abrir a porta para o motociclismo feminino e para atrair mais mulheres para o flat track”, afirmou Bruna em entrevista publicada em nossa edição 233, acrescentando: “cumpri minha missão”.
Conhecida como “Gringa”, Maiara Basso é outro exemplo de uma menina cuja família onde nasceu foi a fonte de incentivo e inspiração para começar a andar e a competir.
Irmã dos pilotos Lucas e Matheus Basso, hoje, Maiara acumula em seu currículo nada menos que 10 títulos nacionais, 14 gaúchos – sendo dois correndo entre os homens – um título de vice-campeã Latino-Americana, além de mais de 20 títulos regionais no motocross e velocross.
“Nunca liguei para o que falavam e sempre fui em busca de minhas metas e meus desejos, procurando fazer o que gosto, que é andar de moto. No mundo de hoje temos muito menos preconceito e as mulheres estão ganhando cada vez mais seu espaço, unidas, isso é muito legal. Vários campeonatos estão colocando a categoria feminina, e é isso que precisamos”, revelou Maiara em entrevista ao site Show Radical.
“Não gostam de perder”
Apesar de tudo que já evoluímos, é nítido o desconforto que um homem sente quando perde ou chega atrás de uma mulher em uma corrida – e Bárbara Neves teve e tem de administrar isso com frequência em sua carreira.
Seu talento, garra e resultados, chamaram a atenção da equipe Honda Racing, a maior do país, que a convidou para fazer parte de seu time de enduro, o que a tornou a primeira mulher a conquistar este feito. “Normalmente, o preconceito e discriminação vem com uma piadinha machista”, revela. “Os homens não gostam de perder para uma mulher. E não é por ser mulher que você é melhor ou pior”, analisa. “O piloto com chance de maior sucesso e conquistas é quem se dedica e treina mais”, explica Bárbara, que é bicampeã latino-americana de enduro.
Morando há um ano em Portugal, para onde foi em busca de desenvolvimento na carreira e na pilotagem, Janaína Souza já participou – e completou – três edições do Rally dos Sertões e carrega também no currículo o bicampeonato brasileiro de enduro e o tri no Enduro da Independência.
Aos 19 anos participou de sua primeira corrida (no motocross), disputando entre os homens e embora afirme já ter vivido situações preconceituosas, ela sabe muito bem como lidar com isso.
“No início da minha carreira eram mais frequentes as provocações, mas quando mostramos que podemos disputar de igual para igual, as coisas começam a mudar e se torna natural”. Hoje, aos 31 anos e competindo pela equipe francesa Sherco, Janaína sabe que pode estar inspirando outras mulheres a seguirem seus passos. “Muitas mulheres podem se espelhar e querer ter a oportunidade de pilotar uma motocicleta. Isso mostra a capacidade das mulheres em diversos esportes e profissões”.
Ana Lima começou no motocross, mas em 2004 migrou para a motovelocidade, onde, neste mesmo ano, tornou-se a primeira mulher a vencer uma prova da modalidade no Brasil, em uma corrida mista e no ano seguinte, já conquistou seu primeiro título brasileiro.
Apesar de ser minoria no grid, Ana Lima afirma que o preconceito pode até existir, mas que depois que larga, não tem isso de homem ou mulher. “Quando baixamos a viseira do capacete e entramos em pista, não existe uma bandeira levantada por ser mulher. Ali somos todos pilotos, somos iguais e disputamos igualmente pelo mesmo ideal: sermos a cada curva mais rápidos e velozes. Cada décimo, centésimo de segundo que superamos é vitória”, e complementa: “amor por velocidade é indiferente do gênero.
Somos pilotos”.
Ana Paula Faria começou a andar de moto em 2008 e afirma que enquanto somente passeava, nunca enfrentou problemas, mas que isso mudou quando começou a encarar os track days. “Escutei de tudo de várias pessoas (família, amigos e amigas e de estranhos), principalmente, que eu nunca conseguiria aprender a pilotar uma moto. Pensei muitas vezes em desistir; quantas vezes deixei de sair de moto por desânimo de ser piada nos grupos de moto!”, recorda-se, acrescentando que as críticas e zombarias vinham de onde ela menos imaginava: das próprias mulheres!
Hoje, passados 12 anos desde aquele início, ela ainda se surpreende com a situação que encontra nas pistas.
“De quando comecei em 2008, os homens eram mais fechados para aceitarem mulheres no piloto, porém nos dias de hoje, mesmo com tantas mulheres que já pilotam, eu sinto mais isso das mulheres! A maioria que apoia são homens!”, assusta-se.
Mas aos 43 anos de idade, Ana Paula já aprendeu a lidar com isso: “temos que aprender a ouvir, a entender quem está realmente ao nosso lado e quem somente está lá para te colocar para baixo”, finaliza.