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O diretor comercial da maior fabricante de motos do Brasil revela como a companhia está enfrentando os desafios provocados pela pandemia e faz uma reflexão sobre o que espera para o mercado daqui em diante.

Texto: André Ramos (*)

Fotos: Divulgação Honda

Moto Adventure – Como tem sido a experiência de estar à frente do departamento comercial de uma empresa tão grande – e com tantas demandas, funcionários, etc. –, em meio a esta crise tão grande.

Alexandre Cury – Agradeço à revista Moto Adventure por esta oportunidade. Sem dúvidas, fazer parte do time da maior fabricante de motocicletas do Brasil é um grande desafio em especial nesse momento tão delicado que o mundo atravessa.

Enfrentamos a crise econômica entre os anos de 2012 e 2017 que impactou severamente a indústria de motocicletas nacional. Essa experiência nos fez acumular aprendizados importantes para o enfrentamento da crise atual.  Em primeiro lugar, é fundamental manter a serenidade para uma avaliação objetiva do cenário que conduza às melhores decisões. Outro fator importante é a flexibilidade e velocidade para promover as mudanças necessárias na rota previamente estabelecida. O novo cenário exige adaptações na estratégia com foco sempre no cliente. Por fim, é fundamental manter a relação de confiança e a comunicação estreita com a nossa sólida rede de concessionárias, com os fornecedores e, claro, com o nosso time de colaboradores. Juntos somos capazes de superar as adversidades e desafios que a pandemia impõe ao negócio.

Estamos a cada momento revisando as nossas ações, priorizando a saúde e segurança das pessoas e conciliando essa preocupação com a sustentabilidade do negócio e sua ampla cadeia composta por cerca de 130 fornecedores diretos, centenas de prestadores de serviços e mais de 1.100 pontos de venda.

Moto Adventure – Como ficou a questão da paralisação das atividades da planta de Manaus (AM)? Quando as operações foram suspensas e quando foram reativadas?

Alexandre Cury – A parada de produção da Moto Honda em Manaus teve início em 27 de março. As atividades foram retomadas no último dia 25 de maio, de forma gradual e inicialmente em ritmo reduzido, a fim de permitir a adequação às novas medidas de saúde e segurança. Os colaboradores cujas atividades permitirem atuação à distância, permanecem em regime de home office.

Alexandre Cury explica que a Honda está seguindo mais de 200 medidas para preservar a saúde dos funcionários da empresa e adequá-la às novas exigências sanitárias.

Moto Adventure – Como a fábrica está se preparando (ou já se preparou) para atender aos protocolos de distanciamento social e sanitário?

Alexandre Cury – A fábrica adotou novos protocolos de saúde e segurança, que foram estabelecidos tendo como referência as melhores práticas adotadas globalmente pela marca. As medidas levam em consideração diversas situações vivenciadas pelos colaboradores dentro e fora da empresa, desde o momento em que saem de sua residência, no ônibus fretado, até o retorno para casa.

Ao todo, são 27 protocolos que detalham cerca de 200 medidas, entre elas avaliação de saúde com medição de temperatura no acesso à fábrica; horários diferenciados e intercalados para evitar aglomerações; reorganização de espaços, limitação do número de pessoas e adoção de critérios de distanciamento mínimo em locais como ônibus fretados, linhas de produção, refeitórios e salas de reunião; novos critérios de higienização, limpeza e sanitização bem como a adoção de máscaras.

A fábrica também está intensificando treinamentos e comunicados orientativos às equipes, a fim de conscientizar os colaboradores sobre cuidados e métodos de prevenção, bem como apoiar a adaptação aos novos procedimentos. Além disso, o departamento de serviço médico está preparado para o acompanhamento e orientação durante todo o processo.

Moto Adventure – Qual o balanço que o senhor faz referente às perdas provocadas por esta paralisação e qual o impacto que o senhor estima que será provocado no balanço da companhia?

Alexandre Cury – A suspensão da produção e consequentemente do faturamento de motos à rede de concessionários tem um reflexo relevante no resultado da companhia.

Ainda é prematuro estimar o impacto financeiro consolidado ao negócio, pois isso depende de quanto tempo a situação irá perdurar. O fator positivo é que estamos conseguindo gradualmente retornar a produção, assim como o fornecimento para as concessionárias, com uma demanda de clientes aguardando pelas nossas motocicletas.

“Ainda é cedo para estimarmos o impacto no volume final do ano fiscal”, revela o executivo, em relação às perdas sofridas pela empresa por conta da crise.

Moto Adventure – Segundo o último relatório da Abraciclo, em abril as indústrias de moto sediadas no PIM sofreram uma queda de 98% em sua produção e um bom percentual disso, certamente ocorreu em virtude da paralisação da Honda. Qual foi a perda na produção observada nas plantas da Honda? O senhor hoje consegue traçar uma estimativa sobre quando isso será possível de ser alcançado?

Alexandre Cury – O segmento de motocicletas vinha em um cenário de boa recuperação. No entanto, com a suspensão da produção por 2 meses, em uma conta simples, já perdemos cerca de 17% do volume previsto. Ainda é cedo para estimarmos o impacto no volume final do ano fiscal. Isto depende da nossa capacidade de recuperar a produção e principalmente da dinâmica de retomada da demanda.

Moto Adventure – Qual o impacto que isso já está provocando nos empregos e o que vai provocar daqui em diante? O senhor já tem alguns cenários econômicos sobre os quais estão trabalhando para efetuar projeções?

Alexandre Cury – Durante o período de suspensão, a Honda aderiu aos termos da Medida Provisória 936/2020, criada com o objetivo de assegurar proteção aos empregos. Com a retomada das atividades, a empresa encerrou antecipadamente o período de suspensão temporária do contrato de trabalho.

Em nosso processo de planejamento utilizamos diferentes cenários, mais otimistas ou pessimistas, mas o cenário-base é de retração na economia, em linha com as projeções do mercado divulgadas no Boletim Focus (Banco Central).

Os funcionários começaram a voltar ao trabalho a partir do dia 25 de maio, após estarem afastados desde o dia 27 de março. (A foto foi tirada antes da paralisação e é meramente ilustrativa)

Moto Adventure – Alguns dirigentes de concessionários acreditam que, no cenário mais otimista, a pandemia vai reforçar o interesse das pessoas pelo uso da motocicleta, por ser barata, ágil e possibilitar o transporte individual. Até que ponto o senhor concorda com esta possiblidade?

Alexandre Cury – Faz sentido, porém, ainda é muito cedo para afirmar. Dada a circunstância atual e a possibilidade de que ainda iremos conviver com o risco de contaminação por um período prolongado, é possível que as pessoas priorizem meios de transporte que proporcionem menor exposição à contaminação, evitando aglomerações. A motocicleta é uma alternativa de mobilidade, econômica e conveniente, que pode ser ainda mais valorizada neste momento. Além disso, existe uma demanda maior pela motocicleta como ferramenta de trabalho, tendo em vista o crescimento dos serviços de entrega. Por outro lado, é esperada uma recessão econômica e ainda é bastante incerto o cenário à frente em relação ao emprego, renda, crédito e isso tudo impacta o consumo.

“É possível que as pessoas priorizem meios de transporte que proporcionem menor exposição à contaminação, evitando aglomerações”, raciocina o executivo

Moto Adventure – O Banco Honda está preparado para oxigenar o crédito a potenciais interessados e a ajudar a movimentar as vendas da empresa? Existem negociações que estejam sendo desenvolvidas para fomentar o crédito ao consumidor?

Alexandre Cury – O Banco Honda nasceu com o objetivo de facilitar o acesso aos produtos da marca e possui grande atuação no varejo de motocicletas, sendo o principal parceiro de financiamento da empresa. Atualmente representa 14% das vendas financiadas de motocicletas 0km da marca.

Moto Adventure – Como a Honda pretende incentivar o brasileiro a comprar uma moto? Nos Anos 90, a marca realizou campanhas icônicas que promoveram muito impacto no imaginário das pessoas (eu mesmo me recordo de uma onde um cara aparecia com a cabeça fora da janela de um carro, sentindo o vento, enquanto o locutor dizia algo do tipo: é esta a sensação que você vai sentir ao pilotar uma Honda”). Se compramos pela emoção e justificamos com a razão, campanhas assim fariam sentido para a Honda neste momento?

Alexandre Cury – Sem dúvidas, a emoção é fator importante na decisão de compra da motocicleta. A diversão e sensação de prazer na pilotagem está no DNA da Honda e isso está representado no conceito da marca que é “Asas da Liberdade”. Em nossa comunicação esse aspecto estará sempre presente. No entanto, cada campanha é focada em um produto e deve enfatizar o valor principal que irá sensibilizar aquele perfil de consumidor. As grandes campanhas do passado com enorme abrangência e alcance cumpriram um papel importante na divulgação da motocicleta no Brasil, contudo esse formato vem sendo substituído por uma comunicação segmentada e personalizada para cada perfil de cliente. Por exemplo, no segmento de scooter temos enfatizado a praticidade, conveniência e economia, sem abrir mão do estilo e design diferenciado, transmitindo essa nova tendência de mobilidade urbana. O cidadão moderno está preocupado em sair do trânsito, ganhar tempo para aproveitar a vida e é esse desejo que queremos acessar.

Unidade da Honda, em Manaus (AM)

Moto Adventure – A marca pretende voltar a veicular anúncios na televisão em 2020?

Alexandre Cury – Na nossa estratégia de comunicação avaliamos os diversos canais de mídia e as decisões de alocação dos recursos são tomadas considerando o perfil do público e o objetivo da mensagem a ser transmitida. A televisão é uma das opções e segue relevante em função do grande alcance.

Nessa área, a principal mudança dos últimos anos foi o crescimento da participação dos canais digitais. Por meio das ferramentas de análise de dados, esses canais permitem uma comunicação efetiva que atinge o cliente certo, com a mensagem certa, no momento certo. Agora, com a pandemia, essa tendência ganha ainda mais relevância. As plataformas, além de garantir uma comunicação eficaz, possibilita ao cliente de forma conveniente e segura, pesquisar as características do produto, escolher a melhor opção, ser atendido pela concessionária, realizar a compra e acompanhar o pedido, tudo à distância, sem sair de casa. Esse é um caminho sem volta e que foi intensificado por conta dos desafios que estamos atravessando.

Para Alexandre Cury, 2020 não será um ano perdido para a Honda

Moto Adventure – 2020 foi um ano perdido ou ainda restam esperanças para o mercado de motos, na visão do senhor?

Alexandre Cury – Estamos lidando com uma situação sem precedentes e isso, de fato, carrega consigo enormes desafios de adaptação, principalmente sobre o novo comportamento das pessoas perante o consumo. Mas, de forma alguma, acredito que “2020 seja um ano perdido”. A recuperação dos negócios acontecerá provavelmente de forma gradual e seguimos extremamente empenhados para trazer ao mercado de duas rodas produtos e serviços que contribuam com a vida das pessoas.