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Após 4 anos afastado da marca, Waldyr Ferreira retornou em outubro passado à Harley-Davidson, desta vez, para comandá-la e agora, tem diante de si um dos maiores desafios da história da marca.

Texto: André Ramos (*)

Fotos: Divulgação Harley-Davidson

Moto Adventure – Caro Waldyr, muito obrigado por atender a reportagem da Revista Moto Adventure. Quero começar perguntando como a Harley-Davidson está atravessando este período de distanciamento social e incertezas?

Fábrica da Harley, em Manaus. Foto: Divulgação


Waldyr Ferreira – Desde o final de janeiro, a Harley-Davidson do Brasil avalia a situação do Coronavírus (COVID-19) e toma medidas proativas no interesse da saúde e segurança de nossos colaboradores, concessionários e clientes. Desde o dia 17 de março todos os colaboradores do escritório de São Paulo encontram-se trabalhando de suas casas, praticando o Home Office. A empresa paralisou a produção na fábrica de Manaus (AM) em 30 de março de 2020, retomando as atividades em 27 de abril de 2020. A Harley-Davidson do Brasil continua monitorando a situação de perto e fará ajustes adicionais conforme necessário, de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e das autoridades locais de saúde. Com o fechamento temporário das lojas em função das determinações governamentais locais, as concessionárias em todo o país estão adotando alguma forma de manter os canais de vendas e serviços por meio remoto, com atendimento via telefone e meios digitais, como website, WhatsApp, Facebook e Instagram, por exemplo. Mesmo com a permissão da reabertura, sabemos que esses canais de atendimento e vendas à distância permanecerão relevantes, uma vez que os clientes buscam seguir práticas de distanciamento social. Unidos temos mais força para atravessarmos este período, sempre mantendo o otimismo e a positividade.


Moto Adventure – Como a Harley-Davidson analisa o cenário pós-pandemia? Como você acredita que estará o mercado logo após este período?


Waldyr Ferreira – A Harley-Davidson, entende a importância do mercado brasileiro para a economia mundial; acreditamos que o mundo todo deve sofrer os efeitos econômicos deixados pela pandemia, seja no Brasil ou no mundo, e estaremos prontos a responder, alinhados com a evolução do mercado brasileiro.

Ao longo dos últimos 117 anos, a Harley-Davidson enfrentou diversos momentos de crise e sabemos que não podemos subestimar os impactos da atual pandemia na economia e no ambiente de negócios em geral. Por outro lado, também sabemos da importância do mercado brasileiro e da relevância do nosso propósito de realizar sonhos de liberdade individual nesse momento pós-pandemia. Nossa rede de concessionárias e nossa fábrica em Manaus estarão prontos para responder à essa demanda.

Acredito que só quando pudermos retomar as atividades cotidianas todos teremos condições de medir o que estamos chamando de “new normal” e como isso terá afetado cada setor da economia.

Ao mesmo tempo esperamos que possa ocorrer uma mudança no comportamento do consumidor, valorizando os pequenos momentos da vida, o ócio e atividades que proporcionem bem-estar de um modo mais amplo, e aí poderemos ter uma oportunidade com mais clientes buscando prazer e diversão em passeios de moto.

Moto Adventure – Quanto estimam que será o volume de perdas em termos percentuais que a Harley-Davidson do Brasil irá sofrer em 2020 por causa do novo coronavírus?

Waldyr Ferreira – Ainda é muito cedo para termos uma projeção mais precisa. Precisamos entender quando poderemos voltar a operar na plenitude de nossa capacidade de produção e de atendimento em nossa rede de concessionárias. E também vamos precisar dos Detrans/Denatrans funcionando em todos os estados (neste momento alguns não estão operando) para que tenhamos as estatísticas em mãos, que nos permitirão medir os impactos da crise no mercado e a partir daí medirmos os reais impactos em nossos volumes bem como ajustarmos nossas projeções de vendas futuras.

Moto Adventure – A planta de Manaus também foi paralisada? Qual o volume de postos de trabalho que foram afetados? Quantos trabalhadores precisaram ser desligados em Manaus?


Waldyr Ferreira – Conforme citado na primeira questão, a Harley-Davidson do Brasil paralisou a produção na fábrica de Manaus (AM) em 30 de março de 2020, retomando as atividades em 27 de abril de 2020. Nenhum funcionário foi desligado por conta da suspensão temporária. A Harley-Davidson do Brasil continua monitorando a situação de perto e fará ajustes adicionais conforme necessário, de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e das autoridades locais de saúde.

Moto Adventure – Como é liderar pessoas e times nesta fase tão complicada? O que o senhor tem procurado fazer para motivar as pessoas internamente?

A planta ficou parada entre 27 de março e 30 de abril. Foto: Divulgação


Waldyr Ferreira –
Esses tempos que estamos vivendo durante a pandemia do Coronavírus têm sido de muitas incertezas e indefinições. Mas o que é certo é que teremos muito aprendizado e isso vale para 100% da população.

Nós que trabalhamos no mundo corporativo teremos uma série de lições a tirar com o afastamento do tradicional espaço físico, com escritórios inteiros trabalhando de casa, fazendo videochamadas e contatando as pessoas digitalmente enquanto precisamos praticar o afastamento social indicado pelas autoridades.

Eu, como gestor, vejo que, apesar do afastamento social e da digitalização do contato entre as pessoas, temos uma enorme chance de humanizar nossas conexões e ganhamos tempo para poder perguntar para as pessoas se elas estão bem, como que elas estão conseguindo tocar suas vidas em frente, de dentro de casa (para quem pode ficar em casa neste momento), seja em grandes famílias ou quem mora sozinho.

Eu acredito que essa é a chance que temos de poder nos aproximar de nossas equipes. De poder nos fazer presentes de maneira mais humana, levando em consideração que nunca antes os nossos lados pessoal e profissional andaram tão juntos.

“Na crise, crie”, uma frase tão comum no mundo dos negócios nunca fez tanto sentido como agora. Que possamos criar novas conexões e reforçar nossos valores e princípios pensando sempre no próximo. Dessa maneira nós conseguiremos engajar nossos times e teremos ainda mais força para continuar acelerando em frente.


Moto Adventure – Em um recente artigo escrito pelo senhor e postado no teu perfil do Linkedin, o senhor fala sobre tirar um tempo do dia para fazer videochamadas com a equipe. O senhor está cumprindo com esta orientação? E como tem sido trabalhar remotamente? Como o senhor avalia estes resultados?


Waldyr Ferreira –
O trabalho remoto tem sido um desafio tremendo e acredito que esta resposta talvez beire a unanimidade, caso faça uma pesquisa mais ampla. Posso lhe dizer que nunca estive tão próximo das pessoas das mais diversas áreas da empresa ao longo dos últimos 42 dias. Arrisco a dizer que tenho uma média de 10 reuniões por videochamadas diariamente, para discutirmos todos os assuntos da empresa e temos tido o cuidado, não apenas eu, mas todo o grupo de liderança da empresa, de contatarmos os membros das equipes individualmente além de termos mantido uma prática de reunir 100% da equipe dos escritórios de São Paulo e do México, todas as sextas-feiras para atualizarmos os assuntos mais relevantes da semana mas, principalmente, para mantermos a conexão humana, a motivação e o engajamento da equipe. Para algumas pessoas é um momento especial da semana onde estamos completamente fora de nossa rotina.

Fat Bob. Foto: Divulgação


Moto Adventure – Como ficam os planos da marca para 2020 no Brasil? Refiro-me a eventos, lançamentos, etc.


Waldyr Ferreira –
Mais do que nunca, as escolhas que fazemos hoje têm uma importância enorme sobre a saúde e segurança de toda a família H-D. Por isso, temos agido conforme a situação da pandemia se desdobra e mantemos as informações atualizadas em nossos canais de comunicação.

Estimulamos nossos clientes a se manter seguros em casa, de acordo com as orientações governamentais. Nossas concessionárias estão atendendo remotamente para que o cliente não precise sair de casa, mesmo nos casos onde os governos locais permitem a abertura das lojas. Com relação aos eventos, decidimos não participar ou promover nenhum tipo de atividade que envolva encontro físico no primeiro semestre e avaliaremos periodicamente sobre novas atualizações. 

Moto Adventure – Conte-nos um pouco sobre tua trajetória profissional.


Waldyr Ferreira – Sou carioca, tenho 44 anos, sou formado em Administração de Empresas pela Universidade de Brasília e possuo dois MBAs, um em marketing pela FGV e um em Gestão de Concessionárias pelo IBMEC/Insper. Possuo 23 anos de atuação no setor automotivo, tanto em montadoras de automóveis, como a General Motors, a Toyota e o grupo PSA Peugeot/Citroen, quanto em montadoras de motocicletas, como a Triumph e a própria Harley-Davidson do Brasil, onde atuei de 2013 a 2015 como Gerente de Desenvolvimento de Rede e Gerente de Operações de Mercado. Retornei à Harley-Davidson, agora no mais alto posto de comando da operação da marca norte-americana para toda a região da América Latina.

Moto Adventure – O senhor tomou posse no cargo de diretor-geral da Harley-Davidson em outubro do ano passado. Como avalia a tua trajetória até este momento?


Waldyr Ferreira – É um grande desafio que enxergo como grande oportunidade para a minha carreira. Vivo um momento histórico junto com a marca, com a ampliação da presença da Harley-Davidson em novos segmentos, o que foi fruto de pesquisas com clientes e de profundas avaliações de mercado. Há uma grande expectativa. Somos muito fortes onde autamos e esperamos o mesmo, nos tornarmos referência, nos novos segmentos onde passaremos a atuar. Temos que nos preparar de maneira muito adequada para atender aos motociclistas que hoje não possuem uma H-D pois não temos em nosso line-up um produto dentro das características que ele busca, mas sem dúvida muito em breve poderemos sim ser considerados uma forte opção e é para isso que estamos dedicando todos os nossos esforços.

Heritage Classic. Foto: Divulgação


Moto Adventure – O que o senhor pode falar a respeito dos planos da marca para o Brasil, baseado no programa “More Roads to Harley-Davidson”?


Waldyr Ferreira –
Temos um plano muito robusto para criar a nova geração de pilotos em todo o mundo – o “More Roads to Harley-Davidson” –, que é a resposta concreta para a retomada do crescimento da Harley-Davidson globalmente.

Apresentado em 2018 e fundamentado em quatro pilares (novos produtos, acesso mais amplo, concessionárias mais fortes, amplificação da marca), o More Roads segue como o norte do nosso trabalho diário, independente de mudanças na estrutura da empresa e de ajustes requeridos pelo cenário global.

CVO Limited. Foto: Divulgação

Moto Adventure – Um dos grandes dilemas da indústria automotiva e de motocicletas em todo o mundo é descobrir como atrair e cativar as novas gerações, que não são tão afeitas a veículos e ao modelo de posse de produtos. O que a Harley-Davidson pretende fazer ou já está fazendo para tentar contornar isso lá fora? E aqui, existe alguma iniciativa?


Waldyr Ferreira – Um dos desafios da marca é que o consumidor tradicional envelhece, como todos nós. Por exemplo, ele começa com uma motocicleta Sportster e tem uma evolução, podendo seguir uma sequência natural de modelos e famílias de motocicletas. Mas temos a necessidade de fomentar alternativas para a nova geração. Não sabemos quais serão as melhores alternativas de mobilidade daqui a 20 anos. E este é um desafio não só para a H-D mas para todos do setor, que devemos concentrar cada vez mais esforços na consolidação de uma cultura onde andar de moto é algo legal, que te dá prazer e faz muito bem para sua saúde mental. A Harley-Davidson segue esse caminho, passando pela eletrificação e produtos para crianças, como a bicicleta elétrica infantil. É muito bom poder educar uma criança lhe ensinando que os produtos em duas rodas podem ser uma bela opção de como ela poderá se locomover no futuro. Muito em breve deveremos ver resultados concretos, com as pessoas tendo acesso a inúmeros produtos dentro de um line-up mais amplo da marca Harley-Davidson. A criança poderá virar adolescente sendo fiel à Harley-Davidson e seguindo a tendência de mobilidade.

Street Glide Special. Foto: Divulgação


Moto Adventure – Como a Harley-Davidson está trabalhando a comunicação nestes tempos de redes sociais e comunicação massiva? Quais as estratégias e objetivos da marca para estas plataformas?


Waldyr Ferreira –
As interações entre nossos clientes e suas motocicletas, as histórias sobre a busca da liberdade individual e a fraternidade que existe entre os proprietários da marca sempre foram elementos fundamentais para o crescimento da Harley-Davidson. Costumamos dizer que o H.O.G. (Harley Owners Group) – o grupo de proprietários da marca, criado há 37 anos – é a rede social original, por reunir centenas de milhares de pessoas em todo o mundo em torno de uma paixão única, mesmo antes de existir a internet.

Portanto, as redes sociais têm um papel de extrema importância, tanto para facilitar as interações entre proprietários da marca, como para auxiliar aqueles que ainda não são clientes a compreender esse estilo de vida único que torna a marca icônica.

Além das nossas páginas no Instagram e Facebook, acabamos de lançar a H-D TV (tv.harley-davidson.com), uma plataforma de transmissão de conteúdos de TV por streaming, aberto a qualquer pessoa com uma conexão de internet e com conteúdo que consolida horas de imagens e vídeos do passado e do presente, incluindo raridades produzidas ao longo dos anos sobre variados temas do universo da Harley-Davidson.

Moto Adventure – Muito se fala e debate em relação ao fim do meio impresso, entretanto, muitos players da indústria afirmam que é neste meio onde se encontra a informação relevante e que faz as pessoas se informarem de fato, longe das fake news e das bobagens de ordem variada. A Harley-Davidson ainda aposta no impresso ou vai deixá-lo morrer?


Waldyr Ferreira –
O mundo da comunicação está em grande evolução e acreditamos que há demanda para conteúdos que sejam relevantes e confiáveis, independente do tipo de mídia.

Como existe uma demanda crescente por vídeos e conteúdos interativos, acreditamos que a comunicação deve seguir um processo de evolução e integração entre diversas plataformas físicas e digitais. Vivemos esse processo na produção da Revista H.O.G. – um dos benefícios dos associados do H.O.G. – que atualmente possui edições trimestrais impressas complementadas com edições eletrônicas. Assim, mantemos a tradição do item colecionável e o prazer da leitura no papel, ao mesmo tempo que oferecemos a comunicação constante e interativa.

Moto Adventure – Um tema que é inevitável tocar no assunto são os modelos Street 500 e 750. Eles vêm ou pelo menos têm chance de serem comercializados no Brasil? Em caso afirmativo, quando?


Waldyr Ferreira – Não há previsão da chegada dos modelos Street 500 e Street 750 no mercado brasileiro.

Moto Adventure – O senhor pilota? Qual motocicleta do line up da marca é a tua preferida?


Waldyr Ferreira – Hoje sou um feliz proprietário de uma Harley Davidson Fat Bob™ 107 na cor Performance Orange. Acho que essa moto representa a revolução que a marca passa. Tem um visual agressivo, é arrojada e moderna, com uma posição de pilotagem que me sinto abraçado – sou alto e pesado – e muito confortável. Além de ter um motor muito forte.