Ele é o primeiro representante brasileiro no Mundial de Superbike desde Alex Barros e nesta entrevista, Eric nos fala tudo a respeito de sua estreia, das dificuldades – incluindo a infecção gastrointestinal na Indonésia, motivação e os bastidores da categoria.
Moto Adventure – Eric, muito obrigado por atender a nossa reportagem e por ser sempre tão gentil conosco e com nossos leitores. Cara, e aí, como você analisa este início de temporada no WSBK?
Eric Granado – Olá, pessoal da Moto Adventure, é sempre um prazer falar com vocês. Bom, tive um início de temporada no Mundial de Superbike bem difícil, óbvio que a gente já esperava que essa primeira metade do campeonato seria bem complicada. Principalmente porque as primeiras corridas foram em pistas bem difíceis, técnicas e que eu não conhecia muito bem – principalmente a da Austrália, que fazia muitos anos que eu não ia, e a da Indonésia, que eu nunca tinha ido. A pista de Assen (na Holanda) também é bem técnica, então foram provas que não foram fáceis, mas eu consegui usar isso como preparação para a temporada. Afinal de contas, eu não consegui fazer muita pré-temporada com a moto, o campeonato começa muito cedo. Eu fiz um teste em Portimão, depois fui para a Austrália, para os testes que aconteceram lá, e foi menos tempo de preparação que eu gostaria. Acredito que isso já era esperado, a gente está agora com base e set up mais sólidos, eu estou mais à vontade com a moto, e é questão de tempo para eu conseguir ir evoluindo a cada prova. O início, obviamente, foi muito difícil, mas dentro do esperado.
Moto Adventure – Como foi encarar a estreia? Deu frio na barriga? Você teve dificuldade para dormir em algum dia daquela semana que antecedeu a etapa da Austrália?
Eric Granado – Olha, eu não tive frio na barriga nem ansiedade, afinal de contas é algo que venho trabalhando bastante há muito anos com a Honda Brasil. Eu me preparei muito para esse momento, sempre senti que tinha espaço nesse campeonato e que tinha possibilidade de um dia chegar lá. A gente conseguiu finalmente entrar, o que não é fácil, tem muitos outros pilotos no mundo inteiro que gostariam de estar onde eu estou, então realmente eu sou muito grato pela oportunidade. Eu me vejo capaz de ter resultados, de ter performance nessa categoria. Então eu estava mais com vontade de subir na moto, pilotar e performar, do que nervoso ou ansioso por ser a primeira corrida. Há muito tempo eu quero isso, então eu estava mais motivado do que talvez ansioso ou um pouco tenso para começar. Acho que em relação a isso eu estava realmente é com muita vontade de começar o trabalho, aprender e evoluir para chegar no alto nível do Mundial de Superbike.
Moto Adventure – E falando em Austrália, acredito que foi a primeira vez que esteve por lá. O que achou do país? Teve a oportunidade e tempo de dar um rolê por lá?
Eric Granado – Eu já tinha corrido na Austrália duas vezes de Moto3 e fazia muitos anos que não ia para lá, a última vez foi em 2014. Eu já conhecia a região e a pista, mas, claro, há quase 10 anos. A Austrália é demais, eu sempre gostei muito do país e a pista é incrível, uma das mais legais do calendário. Eu sempre gostei muito do traçado, é uma pista muito rápida e técnica, e o clima lá muda muito – durante o final de semana faz sol, chuva, vento e frio, uma loucura. A pista é muito difícil e técnica, com a 1000, principalmente, foi difícil eu me adaptar por ter muito vento e um traçado muito rápido, tanto a pilotagem quanto a parte física são extremamente exigidas. Realmente, para começar a temporada, foi uma pista bem difícil, e o teste na semana anterior foi bem importante para eu conseguir me adaptar. Foi legal também porque eu cheguei 10 dias antes, então fiquei duas semanas na Austrália, que é um país incrível. Essa época que eu fui estava um pouco mais calor, então pude ir na praia, pedalar, enfim, foram duas semanas bem legais. Aproveitei bastante dentro e fora da pista, são oportunidades que o esporte dá que são impagáveis, poder viajar o mundo e conhecer lugares assim tão diferentes.
Moto Adventure – Cara, depois você foi à Indonésia mas acabou não podendo competir… conte essa história melhor, para nós… O que você comeu que acabou no trono?
Eric Granado – A Indonésia era um lugar que eu tinha muita expectativa de conhecer por dois motivos: a pista é muito legal, sempre assisti vídeos e corridas e achava muito interessante o traçado, e o país em si. Sempre tive muita curiosidade de conhecer a Indonésia pela cultura completamente diferente da nossa, um povo simples e supersimpático, as pessoas são muito queridas. Além de tudo é um paraíso, muito bonito, com águas cristalinas, e eu queria muito conhecer. Infelizmente posso falar que foi uma das piores experiências que eu já tive. O mal-estar começou na quarta-feira anterior à corrida, não sei até agora o que eu comi ou o que me fez mal, e na quinta eu passei muito mal. Vomitei o dia inteiro, tive diarreia e fiquei realmente muito debilitado. Andei na sexta-feira e me desgastei muito, então no sábado acordei pior. Passei pelos médicos e não participei da prova de sábado, realmente eu estava sem condições. No domingo eu estava me sentindo um pouco melhor e passei pelos médicos novamente, mas ainda não havia condições para eu competir. Foi melhor, porque eu estava sem força e me cansava bastante. A umidade lá é bem alta, o que exige demais fisicamente, e por conta de estar perdendo líquido há alguns dias fiquei desidratado. Seria perigoso para mim, então não pude correr, só pude conhecer a pista e fazer alguns treinos, mas longe da performance ideal e do que eu esperava de rendimento pelo fato de não estar bem fisicamente. Enfim, valeu como experiência, é um lugar bem diferente, mas infelizmente acabei passando mal lá. Passei uma semana muito ruim, depois eu voltei para Barcelona, mesmo melhor da barriga, eu ainda fiquei umas duas semanas com indigestão, sem conseguir comer direito. Foi complicado, mas pelo menos ainda conseguia fazer a minha rotina. Lá na Indonésia não saía da cama e nem tinha força para nada.
Moto Adventure – E o que achou da Indonésia?
Eric Granado – A Indonésia é um país muito legal, muito bonito, como eu falei, gostei bastante de lá. A cultura é bem diferente e, infelizmente, tem muita pobreza. A pista é absurdamente incrível, com estrutura incrível: área de escape, asfalto, boxes, tudo muito profissional. Fica no meio do nada, é impressionante como os caras conseguem fazer uma pista tão profissional e nível mundial no meio do paraíso. Só tem o mar cristalino, árvores, plantações e a cidadezinha, com a pista lá no meio. Realmente é muito diferente do costume das pistas europeias, o que me surpreendeu bastante. Gostei muito de lá.
Moto Adventure – Depois de algumas semanas que contribuíram com a tua recuperação, veio a etapa de Assen, na Holanda. Esta era uma pista que você já conhecia, mas você relatou ter sofrido com o arm pump. Fale um pouco sobre este final de semana e sobre este problema.
Eric Granado – Fui para a Holanda, pista que já conhecia, isso foi importante para eu conseguir focar realmente na minha pilotagem e na moto. Fui muito bem na sexta-feira, foi a minha melhor sexta-feira do ano (quando são realizados os treinos) no Mundial, estive mais próximo do que nunca dos primeiros e foi um dia positivo. Fiquei satisfeito com o resultado. Depois, na sexta mesmo, já senti um pouco de cansaço no braço. Assen realmente é uma das pistas que mais exigem dos competidores no calendário, todos os pilotos dizem isso. Então na sexta já senti um pouco de fadiga muscular, mas consegui relevar, porque obviamente nos treinos o número de voltas é menor, então consegui aguentar. No sábado, fiz um ótimo classificatório também, baixei ainda mais meu tempo de sexta-feira, mas à tarde não fiz uma boa prova. Eu não estava com ritmo, não consegui largar bem. No domingo, fiz uma largada razoável, estava com ritmo muito bom até metade da prova, e posso dizer que com um desempenho que me daria a possibilidade de terminar na zona de pontos, porém no meio da prova para frente o meu braço travou. Foi muito difícil manter o controle da moto e ter força para frear, mesmo assim consegui terminar a prova. Pela primeira vez aconteceu isso comigo, foi muito difícil porque não tinha sensibilidade para ser rápido, virava um segundo mais lento por volta, comecei a perder rendimento. O meu único objetivo passou a ser terminar a prova e ir para o box, para não correr riscos. Fui aos médicos depois disso, fiz vários exames e não tem nenhum sinal de síndrome compartimental, que seria um caso cirúrgico, foi realmente uma fadiga acumulada. Agora estou fazendo fisioterapia, recuperando, espero chegar em Barcelona na melhor condição possível e não ter o mesmo problema.
Moto Adventure – Cara… E como é estar na elite da superbike mundial? O que muda? O que é diferente ou passa a ser diferente quando se chega a este nível? Fale sobre como é o tratamento, quais os recursos que você passa a contar, como é que você é recebido nos lugares, como é o assédio e o relacionamento com fãs…
Eric Granado – É algo incrível, é a categoria principal do campeonato, então o tratamento obviamente é diferente por parte dos fãs e da organização do Mundial. A categoria tem muita visibilidade. Foi incrível na Holanda ver tanta gente nas arquibancadas, realmente estava lotado. É muito legal ver o prestígio da galera, independente de quem está brigando na frente ou não, o reconhecimento é muito grande. Muita gente vem tirar foto, fazer perguntas e pedir autógrafos, então é muito legal e bem diferente, claro, do Campeonato Espanhol, que eu participava até o ano passado. A minha maior vontade é poder ser destaque nessa categoria do Mundial também e brigar pelas posições dianteiras, acredito que é onde eu mereço estar. Então meu único foco é utilizar esse campeonato como aprendizado, para que eu evolua cada vez mais como piloto dentro dessa competição, que tem tanta relevância no cenário mundial.
Moto Adventure – Se não me engano, desde o Alex Barros no finalzinho de sua carreira, você é o primeiro brasileiro a andar no WSBK. O pessoal das equipes, os comentaristas, eles falam algo sobre isso?
Eric Granado – Sim, o pessoal comenta muito sobre isso, sobre o último piloto brasileiro no Mundial, que foi o Alex em 2006. Quando eu anunciei a participação no campeonato, foi algo que foi realmente falado. O foco é crescer no campeonato e tentar alcançar pelo menos uma parte do que ele conseguiu – que foram pódios, vitórias. Quero ser o próximo brasileiro a conseguir bons resultados no Mundial de Superbike.
Moto Adventure – Você se sente pressionado de alguma maneira? E como lida com isso? Você realiza algum trabalho para tornar-se cada vez mais forte mentalmente? Como é ter de entrar na pista e encarar caras como Toprak, Rea, Bautista e tantos outros. Dá medo? Como lida com a ansiedade que esta expectativa gera?
Eric Granado – Eu não sinto medo, nem ansiedade, por estar na pista com Toprak, Rea, Bautista e os outros pilotos. Como eu disse no começo da nossa entrevista, eu sempre me vi capaz de estar nesse campeonato e de ser um piloto que se destaca nessa categoria. Então, pelo contrário, eu uso isso como motivação, de estar na pista com eles. Muitos pilotos que estão no campeonato já correram comigo em outras categorias, como o Xavi Vierge e Iker Lecuona, do Team HRC, o Lorenzo Baldassarri, enfim, vários pilotos que estão lá já correram comigo em outros campeonatos. São pilotos que eu conheço de muito tempo e, obviamente, os três primeiros são referências há muitos anos. Eles são pilotos que eu uso como motivação e cada vez que cruzo com eles na pista tento buscar o que posso melhorar e ver as referências deles como uma forma de aprendizado. Isso, de forma alguma, me dá ansiedade ou medo, mas sim motivação e incentivo para evoluir e poder algum dia chegar no mesmo nível que eles estão.
Moto Adventure – E sobre a moto? Ela é muito diferente quando comparada com a que usava aqui no Brasil, por exemplo? O que ela tem de diferente? Poderia nos contar?
Eric Granado – A moto é completamente diferente. A moto do Mundial de Superbike é basicamente um protótipo, a gente tem tudo feito para a pista. A moto é derivada de série, obviamente, mas a gente tem outro chassi, outra balança. O motor é bem mais preparado, outra eletrônica, e as suspensões bem diferentes. Então muda muito, a moto é muito mais potente e tem uma eletrônica mais avançada. O chassi é mais rígido. Por isso é basicamente um protótipo de competição. Tive que me adaptar bastante à moto, porque é bem diferente da que eu estava acostumado a usar, e claro que tenho muito a aprender ainda. Com tanta potência e eletrônica, existem milhões de variáveis que podemos trabalhar para encontrar entrega de potência, freio-motor, controle de tração, enfim, tudo que pode ajudar na pista. Isso é algo que ainda estamos trabalhando bastante, nos acertos ideais.
Moto Adventure – Cara, ano passado você brigou no mesmo nível com o Aegerter na MotoE e quase o superou, mas parece que este ano o cara está mais adaptado à SBK, tanto que ocupa a oitava posição na classificação… Fez um 6/4, quase vai ao pódio em Assen… Como você interpreta isso?
Eric Granado – Bastante gente me pergunta isso, posso dizer que ano passado eu briguei de igual para igual com o Aegerter a temporada inteira. Acho que o nosso nível de pilotagem é bem similar. Porém, no Superbike, a nossa condição é diferente. Espero evoluir durante o ano, crescer, e quem sabe brigar ali na frente junto com ele.
Moto Adventure – E sobre a MotoE, parece que este ano ninguém tira de você…
Eric Granado – Estou em um outro momento na MotoE, esse ano vai ser importante eu estar muito focado e concentrado mentalmente, porque em cada campeonato eu estou numa condição. No Mundial de Superbike, estou sofrendo, aprendendo, evoluindo e desenvolvendo o meu feeling com a moto. Na MotoE estou mais adaptado, o legal de lá é que as motos são iguais para todos os pilotos. Espero que seja mais um ano de muito sucesso e eu consiga ótimos resultados. Só Deus sabe o que vai acontecer, vou dar o meu máximo sempre e no final do ano vamos ver o resultado. Com certeza estou muito motivado e espero que seja um grande ano.
