Entrevista-Moara-Sacilotti-Revista-Moto-Adventure-junho-247
Moara Sacilotti é a entrevistada de nossa seção Por Elas de junho

Ela começou no motocross em 1987 e desde então, nunca mais parou de competir e agora, prepara-se para alinhar pela 21a numa largada do Rally dos Sertões – sempre com muita alegria, paixão e beleza!

Em geral, carreiras esportivas costumam ser curtas, afinal, as exigências físicas que elas demandam, assim como a dura disciplina que exigem, geralmente provocam um desgaste físico e psicológico tão acentuado que levam os atletas a serem obrigados a deixarem de lado este modo de viver.

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Onde tudo começou…. Foto: Arquivo Pessoal

Mas toda regra tem suas exceções e uma delas atende pelo nome de Moara Sacilotti.

Aos 41 anos de idade, Moara começou a competir em 1987, quando tinha apenas 7 anos de idade. Desde então, nunca mais parou e hoje prepara-se para alinhar pela 21a vez em uma largada do Rally dos Sertões.

Filha de um ex-piloto de motocross e irmão de um piloto de motocross e rally, Moara é a mais perfeita tradução da paixão pelo motociclismo e do que é ter um estilo de vida totalmente voltado e moldado pela motocicleta, afinal, além da longevidade esportiva, a relação de Moara com a moto também tornou-se o seu ganha-pão: junto ao marido – o fotógrafo Rodolfo Bazzetto – ela capitaneia a Caminhos das Serras, empresa que organiza passeios off-road pelas estradinhas vicinais das serras da Mantiqueira e do Mar, não por coincidência, os mesmos locais que percorria em sua infância, quando o pai, com a mãe na garupa, levava os dois filhos para passear nos finais de semana.

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Os passeios de moto em família são uma lembrança que Moara guarda em um lugar especial do coração. Foto: Arquivo Pessoal

Nesta entrevista concedida ao nosso editor, André Ramos, Moara fala sobre seu início nas competições, seus maiores desafios, alegrias e dores, e mostra que o sorriso fácil não deve ser confundido com fraqueza ou por um desejo infantil de querer agradar – que o diga um incauto repórter que lhe fez uma pergunta infeliz em uma madrugada pré-largada do Rally dos Sertões.

A gente publicou um perfil dela em nossa edição de junho (#247) e agora, você tem a oportunidade de ler a entrevista na íntegra, a seguir.

Boa leitura.

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Ao lado do irmão, Ramon – que também é piloto – e dos pais, Moara se sente realizada e pronta para encarar mais uma largada de Sertões. Foto: Gustavo Epifanio

Moto Adventure – Como foi que você envolveu-se com o mundo da motocicleta e como foi que o rally surgiu?

Moara Sacilotti – Costumo dizer que eu nasci andando de moto. Meu pai, Gilberto, competia de motocross, minha mãe, Regina, sempre o apoiou muito e por isso eu e meu irmão, Ramon, crescemos nas pistas. Aos sete anos de idade comecei a competir também (ainda ouço o locutor dizendo “número 41 a primeira gatinha, a Moara”, isso foi em 1987!“) e o Ramon começou pouco tempo depois. Era muito gostoso estar em família praticando nosso esporte, nos desafiando e fazendo amizades!

Quando eu era adolescente, meu pai participava do Rally dos Sertões de moto pela equipe técnica. Eu já gostava de rally, acompanhava o Dakar e ia em todos os eventos do Sertões com meu pai. Aliás eu sempre fui fascinada pela idéia de pilotar por lugares desconhecidos fora de estrada, desde muito criança! Então quando fiz 18 anos, tirei minha CNH-A e me inscrevi no Sertões.

Além das competições, a motocicleta sempre esteve presente em nossas vidas como lazer, sempre fizemos passeios fora de estrada pelas serras da Mantiqueira e do Mar, com as motinhos de competição 50cc e 60cc – minha mãe sempre na garupa do meu pai. E para completar, era comum eles nos levarem para a escola de moto!

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O primeiro Sertões em 1998: uma experiência que jamais sairá de suas lembranças. Foto: Arquivo Pessoal

Moto Adventure – Conte-nos como foi sua primeira participação em uma prova de rally.

Moara Sacilotti – Foi super difícil! Rally é difícil pra todo mundo, mas aquela primeira vez foi demais. Eu corria de motocross, estava acostumada a pilotar motos muito leves e nunca havia navegado… Mas o rally começou muito antes disso, na busca por patrocinadores e na necessidade de provar que eu era capaz de enfrentar um desafio tão grande, antes mesmo da competição começar.

Já durante a prova, foi extremamente desafiador e desgastante. 5 mil quilômetros, entre São Paulo e Natal, por estradas de terra destruídas, esburacadas, as vezes com muitas pedras, as vezes com areia pesada e sempre muita poeira. Mas eu não me abalava com nada disso, só seguia minha planilha e mantinha o foco na pilotagem. Em uma das etapas pilotamos por 14 horas seguidas, chegamos em Paranã/TO cerca de 9h da noite! No dia seguinte eu quase dormi na moto. Mas meu pai estava sempre por perto e atento, na moto dele logo atras de mim. A presença dele foi uma fortaleza para mim! Até que eu caí em uma ponte quebrada, lá no sertão do Piauí, fraturei a escápula. Mas faltava tão pouco que eu pilotei no dia seguinte com dor mesmo e completei meu primeiro Sertões!

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O Rally dos Sertões é, sem dúvida, a grande paixão de Moara dentro do motociclismo esportivo. Foto: Vinícius Branca

Moto Adventure – Quantas vezes você já competiu no Sertões? E quantas vezes venceu?

Moara Sacilotti – Corri 20 Sertões, completei 17 mas ainda não venci. Quero dizer, entre as mulheres venci muitas vezes, mas não considero, pois não existe categoria feminina no Brasil, embora exista no Mundial e venci nesta algumas vezes (não sei quantas). Confuso, eu sei! Fui Vice-Campeã Mundial de Rally em 2013. Mas quero vencer entre os homens! Já ganhei etapas (na categoria Marathon em 2001), mas está faltando o troféu de Campeã do Sertões em alguma categoria entre os homens, na minha estante. Sou 3 vezes Campeã Brasileira de Rally (entre os homens).

Moto Adventure – Qual foi a prova mais legal que participou e qual a mais casca grossa? E por quê?

Moara Sacilotti – Que pergunta legal! Obrigada!!! Todos só querem saber qual foi a pior…

O mais legal foi o Rally RN1500 de 2012. Venci uma prova com cerca de mil quilômetros nos últimos dez! Na primeira etapa fiquei em segundo lugar, com pouca diferença do vencedor da categoria. No dia seguinte, ataquei e venci, mas dessa vez ele ficou menos de um minuto atrás de mim. Assim, na terceira etapa ele acelerou até me alcançar e passou o dia todo andando colado em mim, sem precisar navegar administrando a vantagem dele. No último dia eu estava brava! Em segundo lugar, cerca de um minuto atrás dele no acumulado, mas largando dois minutos depois. Faltando cerca de 30km para o fim da prova, consegui alcançá-lo e pensei em ficar ali sem que ele me visse, administrando a minha vantagem… Mas ele me viu e dali para o fim fomos “batendo guidões” até o último radar, onde ele deu uma erradinha e eu consegui abrir uma distância mais confortável. Foi a melhor disputa da minha vida, até hoje, e sou extremamente grata a esse outro piloto por isso!

A mais casca grossa é difícil saber porque foram muitas. Mas ter competido sozinha em Portugal quando eu não tinha nem celular foi dose! A corrida foi muito boa, venci entre as mulheres, mas a logística foi dureza. Valeu a pena! Fui bicampeã do Baja Portalegre (2003 e 2004).

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Encarar as dificuldades como qualquer outro piloto faz de Moara ainda mais forte. “Rally é difícil para todo mundo”. Foto: Victor Eleutério

Moto Adventure – Você já se sentiu discriminada por ser mulher em uma competição? Como lidou com a situação e como lida com ela quando acontece?

Moara Sacilotti – O pior é que ainda acontece! Em 2018, era 5h30 da manhã quando um repórter de televisão me perguntou: “O que uma mulherzinha está fazendo aqui entre os homens?”. Eu respondi: “Mulherzinha é o caralho”. Mas lá no passado eu não sabia como reagir (na real não sei se minha reação em 2018 foi adequada, mas era o que eu tinha para as 5h30 da manhã largando em uma etapa do Sertões), então quando era bem mais jovem, eu me calava e fazia meu trabalho em cima da moto. Triste mesmo foi uma senhora me chamar para uma reunião e me dizer que se eu fosse homem ela me patrocinaria, na ocasião, aos 18 anos, eu fiquei muda.

Essas situações desagradáveis sempre vem de pessoas que não são do meio esportivo, que não conhecem a realidade do motociclismo em geral.

Já entre os pilotos, lógico que no começo eles não acreditavam na minha capacidade, como eu disse, rally é difícil pra todo mundo. Mas isso pra mim veio mais como um desafio, e sou grata a eles por isso! Foi porque eles me desafiaram que eu me fortaleci. No mundo do rally todos me tratam com muito respeito e carinho.

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“Foi porque eles me desafiaram que eu me fortaleci”. Foto: Doni Castllho

Moto Adventure – Qual foi sua maior alegria no mundo das competições? E qual foi sua maior tristeza ou decpeção?

Moara Sacilotti – Cada dia em cima da moto é uma nova alegria. O primeiro Sertões, o vice Mundial, o vigésimo Sertões, aquele RN1500 de 2012… Não posso dizer “quero me sentir feliz como naquele dia”, porque sempre tem um novo desafio e uma nova conquista. Pilotar me faz feliz, mesmo quando não estou competindo. Mas a medalha no peito após minha primeira corrida em 1987, ainda criancinha, essa é insuperável!

Já a maior tristeza foi quando o Ramon quebrou o femur no Sertões 2005, toda a situação foi muito dolorosa. Mas superamos e depois disso vencemos bastante.

A maior decepção prefiro não comentar porque envolve autoridades.

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Treinando ao lado do pai e do irmão: memórias que jamais se apagarão. Foto: Arquivo Pessoal

Moto Adventure – O que o motociclismo e o mundo das competições te ensinaram?

Moara Sacilotti – Tudo que eu sei aprendi com a moto, já que cresci em cima dela (aliás ainda tenho muito a aprender). Respeitar meus limites – e empurrá-los pouco a pouco. Para vencer uma vez é preciso perder muitas. Meus concorrentes não são meus inimigos – pelo contrário, somos amigos quando os motores desligam. Não sou ninguém sem minha família. Milhares de outras coisas que nem sei como descrever, mas para mim a vida é igual rally – as vezes faz muito calor, as vezes faz frio, ou chove, ou tem poeira, cansa, dá sede… mas existem incontáveis belezas pelo caminho, alias o caminho é o que realmente importa, não a chegada. E ao final de cada etapa, poder compartilhar as alegrias e as dificuldades do dia com as pessoas que eu amo, sou feliz todos os dias!  

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“Para mim a vida é igual rally – às vezes faz muito calor, às vezes faz frio, ou chove, ou tem poeira, cansa, dá sede… Mas existem incontáveis belezas pelo caminho, aliás o caminho é o que realmente importa, não a chegada”. Foto: Vinícius Branca

Moto Adventure – O que te motiva continuar competindo? O que ainda falta?

Moara Sacilotti – Eu já pensei em parar e até desacelerei bastante no anos de 2017 a 2019, quando passei a treinar menos e não ir em todos os rallies. Na época passei a usar a moto como lazer apenas; corri dois Sertões só pela aventura. Acho que foi uma pausa necessária naquele momento, mas ao final de 2019 percebi que minhas grandes realizações pessoais – talvez possa até chamar de missão – estão nas competições. Desafiar a mim mesma, ter objetivos muito claros e me preparar para eles, são parte da minha rotina da vida toda e sem isso eu fiquei sem graça. Então decidi nunca mais pensar em parar! Pode ser que isso tudo perca o sentido em algum momento, mas não penso mais nisso; sigo fazendo o que gosto porque essa é minha vida.

Falta vencer o Sertões em qualquer categoria masculina, mas isso não é uma obsessão. É um objetivo que se eu não atingir, não vou sofrer porque saberei que fiz o melhor que pude. Mas se pensar bem, em tudo que já conquistei com a motocicleta, acho que não falta nada! Mesmo assim sigo acelerando.

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Apesar da longevidade esportiva, Moara não pensa em parar. Quer vencer ainda algum Sertões entre os homens, mas se não conseguir, não vai ficar grilada. Foto: Brumel Neto

Moto Adventure – Até quando você acredita que continuará competindo?

Moara Sacilotti – Pretendo competir enquanto meu corpo aguentar. Sei que aos 41 anos de idade, a tendência é ficar menos competitiva a cada ano, mas continuarei porque é o que eu gosto de fazer. E depois, quando não der mais, passar para as 4 rodas (UTV ou carro), mas isso ainda vai demorar uns 20 anos ou mais, eu espero!

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Agora, também como empresária, Moara continua voando… Foto: Vinícius Branca

Moto Adventure – Você agora está tocando o seu negócio, o seu empreendimento. Como está sendo esta experiência. Conte-nos um pouco sobre ele e sobre os aprendizados que está te trazendo.

Moara Sacilotti – O Caminhos das Serras é uma realização incrível! Sou formada em fisioterapia mas trabalhei durante anos na área de segurança patrimonial. Saí da empresa em 2016 e depois me dediquei um pouco à minha joalheria artesanal. Enquanto isso, o Rodolfo administrava a agência de publicidade que tinha, que era um trabalho extremamente estressante para ele. Queríamos trabalhar com algo que fizesse sentido para nós. Então um dia passeando de moto pela Mantiqueira (sempre levando amigos para percorrer entranhas da serra que nós conhecemos tão bem), tivemos a ideia de fazer disso um negócio. Hoje temos uma frota de Yamaha XT250 Lander, equipamentos para todos os tamanhos de clientes, carro de apoio 4×4, rastreamento GPS, seguro de vida para os clientes, conhecimento de todas as rotas possíveis para todos os níveis de pilotagem, facilidade em identificar esses níveis logo nos primeiros quilômetros. E o principal: planos de ação em caso de acidentes – afinal só não cai quem não anda, e quando estamos sobre uma motocicleta não podemos ignorar os riscos. Nossa base é em São José dos Campos (SP); o roteiro básico de um dia tem cerca de 160km, sendo 90% por estradas rurais. Paradas em cachoeira (com café coado na hora), mirante com um lindo visual e um almoço gostoso. Mas também fazemos passeios de dois dias ou mais, com roteiros personalizados pela Mantiqueira e Serra do Mar, pousadas aconchegantes, visitas a cervejarias artesanais… Inúmeras possibilidades! Temos ainda o Personal Ride, onde o cliente pode usar a moto própria e decidimos o roteiro juntos – ãs vezes fazemos até uma trilha leve. Somos certificados pela Yamaha Riding Academy e portanto temos conhecimento técnico para dar dicas de pilotagem durante os passeios, ou ainda, dar cursos específicos para iniciantes ou até pilotos experientes (o Ramon é nosso parceiro nisso e ele tem ótima didática).

Tenho aprendido muito com o Caminhos das Serras, a ser paciente, controlar meu instinto competitivo. Isso é muito bom, sem contar que passo muito mais tempo em cima da moto!

Moto Adventure – E no lado pessoal, você pensa em vir a ter filhos? Como você enxerga a maternidade para uma mulher piloto de rally e empreendedora?

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Moara celebra mais uma vitória junto à Dominic, o sobrinho-afilhado. Foto: Arquivo Pessoal

Moara Sacilotti – Após o Sertões 2016 eu decidi que ia deixar acontecer a mágica de ser mãe. Quase dois anos depois, nada de mágica então descobri que não poderia engravidar naturalmente (idade, treinos intensos desde muito nova e defeitos de fabricação). Eu e o Rodolfo tentamos a fertilização in vitro duas vezes, sem sucesso. Então juntos decidimos que estamos bem sem filhos. Claro que na ocasião foi uma machadada no meu coração, foi realmente difícil. Mas hoje não preciso mais pensar em parar de pilotar para engravidar e estou totalmente focada na moto. Está sendo uma fase maravilhosa da minha vida pessoal e como piloto, que na verdade são uma coisa só, minha vida pessoal é com a moto!

Temos nosso sobrinho-afilhado, o Dominic, filho do Ramon e da Renata: ele supre toda minha necessidade de ter uma criança por perto. E ele adora motos!

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Administra a vaidade em meio às durezas do rally é um outro desafio que Moara tira de letra. Foto: Marcelo Machado de Melo

Moto Adventure – Como você lida com a vaidade? Você curte se produzir, maquiagem e coisa e tal ou isso é algo que não tem tanta importância a você?

Moara Sacilotti – Sou extremamente vaidosa. Quero que meu equipamento combine com a moto, que o adesivo da moto esteja em harmonia de cores e estilos. E que meu cabelo esteja loiro e lindo quando eu tiro o capacete (doce ilusão, está sempre um ninho de passarinhos). No dia-a-dia cuido desse cabelo, da pele, do corpo. Tenho preguiça de salões de beleza mas quero que os pés estejam bem bonitinhos. Acho bobo gastar com roupas e sapatos mas adoro estar bem vestida. Maquiagem na minha idade não é opção, é obrigação (risos). Quero estar sempre magra e forte, o que acaba sendo consequência de tanta dedicação ao esporte, já que preciso ter muito preparo físico para enfrentar os rallies, atividade física super intensa e dieta equilibrada são minha rotina e eu adoro.