Realizado pela Touratech, o “United People of Adventure” reuniu representantes dos seis continentes para dividirem a paixão pelo motociclismo de aventura como companheiros em uma viagem para Madagascar. O resultado foi muito além do que se pode imaginar

Texto: Rosa Freitag
Fotos: Divulgação

DESAFIOS SEM FIM

Em quatro dias, andamos 52 km ao todo. Não sabíamos que havia um ciclone se aproximando no oceano e ele era dos grandes.

No início da tarde, chegamos a um vilarejo em uma bifurcação na estrada. Resolvemos continuar, chegamos a um morro bem íngreme e no topo a lama parecia um gelo. A descida tinha uns 50 metros. Desligamos as motos e fomos usando a embreagem, descendo meio metro por vez. Lá embaixo, cruzamos uma ponte quebrada e o solo se tornou uma areia muito funda e todos atolaram. Eu, Benjamin, Kurt Yeager e um dos guias, Kassim, resolvemos seguir adiante. Os outros disseram que iriam ficar e fazer um almoço de comida desidratada (cada um tinha três pacotes na moto). Então fomos a um restaurante do outro lado de um rio, mas isso levou mais cerca de duas horas, pois fomos consertando as pontes ao longo do caminho. Uma delas levamos quase uma hora para arrumar, para os que viessem depois conseguissem passar mais rápido. Para atravessar o rio, as balsas eram feitas com grandes barris de plástico e tábuas amarradas para levar quatro motos por vez.

Chegamos ao restaurante, casinhas de palha, razoavelmente limpo, e a dona estava lavando as louças em uma bacia de água de chuva. Os clientes chegavam e lavavam as mãos nessa mesma bacia. O cardápio era arroz e galinha ou peixe. Deram-me um prato de sopa cheio de arroz e um pratinho pequeno com uma cabeça de peixe frito, frio. Kassim recebeu o rabo do peixe e os outros dois receberam uma parte misteriosa da galinha.

Esperamos mais uma hora e meia e quando o resto do pessoal chegou já estava anoitecendo. Não poderíamos continuar e resolvemos acampar naquela aldeia. Chovia forte e seria impossível cada um montar sua barraca sozinho. Fizemos um mutirão, onde todos ajudavam.

No sexto dia de viagem vimos que não estávamos rodando tanto quando deveríamos, então teríamos de acordar às 5h00, desmontar tudo e sair às 5h30. Estava chovendo e escuro. Estávamos em Ampanavoana e a meta era ir até Fampotabe, no sul da península, onde pegaríamos um barco para atravessar uma baía. Mas o barqueiro informou que a lama estava tão ruim que seria melhor esperar, ou então poderíamos ir até outra aldeia e chegar de balsa até o barco.

Então, eu, Jon, Benjamin e Kurt saímos com o guia para ver as condições da estrada, e voltaríamos para reportar. Logo no começo, encontramos uns morrinhos intimidadores e um lamaçal desgraçado sob chuva torrencial, em trilhas onde só entra o pneu da moto. Demorávamos meia hora para atravessar cada ponte e consertamos sete pontes. As que ainda não estavam quebradas, poderiam se partir quando passássemos. Empurrávamos as motos bem devagarinho. Desafios eram intensos mas sabíamos que experimentávamos experiências únicas na vida. Depois chegamos a uma praia bonita, num vilarejo, e para celebrar cada um tomou um litro de Fanta laranja. Então Jon e o guia voltaram para chamar o pessoal. Disseram que iriam trazer o jantar, com uma opção vegetariana e outra de peixe. Ramona, que viajou a vida inteira, me confidenciou o seguinte: se você comer o que alguém e sua família comem todos os dias, você não ficará doente (só que ela é vegetariana). Mas chegou um arroz delicioso e um peixe frito fabuloso, muito fresco, e dali em diante me converti para a comida local. Eu, Kurt e Benjamin encontramos pedras para fazer fogueira, madeiras grandes para sentar, e preparamos um ambiente bacana. Quando todos chegaram, disseram que o barqueiro estaria lá no dia seguinte às 15h00 para levar as motos e atravessarmos a baía.

No sétimo dia, de manhã, recebemos a mensagem de que o barco que vinha nos buscar foi ordenado a voltar porque o ciclone estava se aproximando. Conversamos sobre gasolina. Duas motos estavam com o tanque quase vazio. Mesmo tendo rodado poucos quilômetros, as motos ligadas consumiam gasolina e, com a chegada do ciclone, não haveria abastecimento por vários dias, pois naquela região o combustível chega pelo mar. Sentamos para tomar uma decisão. Poderíamos continuar indo para o sul, mas só encontraríamos aldeias muito pequenas, sem poder montar as barracas, e os ventos poderiam chegar a 220 km/h. Se fôssemos para o norte, poderíamos tentar pegar um barco ou uma estrada de volta para Antananarivo. Fizemos uma votação e defendi a ideia de ir para o norte, por oferecer mais opções. Robert e Gudmundur também. No sul, tudo o que as aldeias recebem vem pelo mar, e poderia levar duas semanas para tudo voltar ao normal. Além de uma inconveniência, isso seria um risco de vida. Mas outros, inclusive Ramona e Andrea, falaram para irmos para o sul, porque isso seria uma aventura. Elas não demonstravam medo de nada. Assim, no oitavo dia começamos a voltar pela mesma rota. Ramona estava muito desapontada de voltar, porque para ela era muito importante chegar à próxima meta. Mas, para mim, aquilo já era pura aventura. Chegamos ao nosso próprio limite, que foi estabelecido pela natureza. O ciclone chegou e foi um dos maiores em muitos anos. As chuvas estavam chegando, o mar estava muito agitado. Voltamos para Antalaha e vimos que a largura do ciclone era de 25% do continente africano.

Mas o desafio continuava e pouco depois começou a fazer muito calor, todos ficaram desidratados, mas esse retorno foi muito mais rápido. O que tínhamos rodado em dois dias, fizemos em um dia, porque nos acostumamos com a lama. Rodamos por 12 horas, passando pelas mesmas pontes. Chegamos à praia onde acampamos no primeiro dia quando já estava escuro. Choveu de novo à noite e muitos estavam com fungos no pé, rugas de ficar com os pés molhados o tempo todo e tudo começava a doer, rachar a sola do pé. Kurt Yaeger, com toda a sua experiência de viagens, sabia da importância de levar mais meias e cuecas do que camisetas.

ÚLTIMOS DIAS

No nono dia saímos às 6h30 e chegamos ao Ocean Momo às 15h00. O cansaço de dias se abateu sobre todos. Foi mais desgastante fisicamente do que todos imaginavam. Wolfgang e Jan Peter, que são da equipe de filmagem desde 2003, disseram que foi a viagem mais extrema e fisicamente desgastante que já fizeram. Faltou aquela sensação de alegria de andar de moto. Mas nesse dia descansamos e comemos lagosta. Os guias sentaram junto conosco e sentimos que éramos um time unido. No 10º dia foi sugerido por Herbert e Ramona pegamos uma estrada para o oeste, pelas montanhas. Sugeriram essa rota para chegarmos em Antananarivo em dois dias. Nesse dia. bem cedo, rodamos uns 100 km pelo asfalto. Fomos parados por um comando policial e não deixaram que prosseguíssemos por essa estrada, que estava fechada devido à chuva. Voltamos para Ocean Momo e ficamos sem opções. Na manhã seguinte, um voo sairia de Sambava para Antananarivo, o último vôo permitido antes do ciclone. O limite de peso era de 20 kg e com o peso das roupas encharcadas, deixei as botas lá. Demos os equipamentos de camping para os guias, nos despedimos das motos e fomos de van para o aeroporto em Sambava. Ficamos dois dias passeando em Antananarivo. Em Madagascar se usa muita baunilha e deixei minhas roupas para lavar com umas senhoras que lavam a mão; ficaram com um aroma delicioso. Eu pensei que seria uma aventura de moto, mas foi uma experiência que forçou os limites do que você é capaz de fazer, sempre com pensamento positivo.

Se você gosta de aventuras, fique atento: de 10 a 12 de junho acontecerá o Travel Event da Touratech, no vilarejo de Niedereschach, nos arredores da fábrica, onde são esperadas 15 mil pessoas acampando, e toda a equipe, finalistas e vencedores, se reencontrará para apresentar a première do filme sobre a aventura em Madagascar”.

Confira a Parte 1 da aventura.

*Matéria publicada na edição #187 da revista Moto Adventure.