Visitar o Atacama sempre mexe com as emoções dos motociclistas. Confira o relato de nosso leitor, que saiu de Curitiba e viveu essa experiência ao lado de pessoas especiais
TEXTO E FOTOS: CARLOS HENRIQUE LEMOS CIRINO
Em fevereiro do ano passado, estávamos sentados na sala do meu amigo Luiz Alberto e conversando sobre o que fazer no feriado de Carnaval – afinal, dois malucos por viagem de moto, quando estão juntos, só pensam naquilo: viajar! Nesta “vibe”, comentamos a possibilidade de conhecer o deserto do Atacama, mas em razão da distância (quase 2.500 km), estávamos descartando a hipótese. Por brincadeira, falei que dava para fazer em dez dias. Sendo assim, fomos à Internet e pesquisamos sobre hotéis.
Analisamos as possibilidades, conversei com a minha esposa, Beth, e ela falou: “Vamos!” Assim, a dez dias do feriado, a base estava formada. Luiz Alberto, de Ducati Multistrada 1200, enquanto eu e a Beth iríamos de BMW GS 1200. Convidamos mais alguns amigos para participar da nossa loucura, mas somente Beto, com outra Ducati Multistrada 1200, aceitou.
Começamos os preparativos, conversamos com amigos que foram recentemente para lá, pegamos dicas do roteiro, fomos reservar os hotéis, contratar seguros (moto e pessoal) – imprescindível neste tipo de aventura –, ver e preparar todas as licenças e documentos necessários para cruzarmos as fronteiras (afinal, viajaríamos por três países), preparar as motos com revisão geral, troca de fluídos e pneus etc.
Dia 01: não preciso dizer, que com o pouco tempo que tínhamos, alguma coisa não daria certo. No dia de sair, alguns documentos da moto de Luiz não estavam prontos. Saímos perto das 12h e ao final do dia, chegamos à Foz do Iguaçu. Atravessamos a fronteira para a Argentina, abastecemos as motos e fomos para o hotel em Puerto Iguazu. Tomamos um banho rápido e saímos para jantar a pé, em uma churrascaria na avenida principal, cujo proprietário também era motociclista. Assim, ficamos até meia-noite batendo papo.
Dia 02: após carregarmos as motocicletas, tomamos café da manhã e partimos para a estrada. Nossa meta era chegar a Resistencia, no Chaco Argentino, 650 km aproximadamente. Este dia foi basicamente de estrada, tempo bom, quente e seco, três paradas para abastecer e se hidratar – foi tudo tranquilo. Chegamos a Resistência ao final da tarde, abastecemos e fomos para o hotel Gala Hotel & Cassino. Jantamos e nos acomodamos. As instalações eram boas – quarto grande, confortável, com tudo novo, café da manhã muito bom, somente o cassino deixou a desejar, por ser muito pequeno. Ali, perdermos 100 pesos argentinos e demos algumas risadas.
Dia 03: tomamos café, ajeitamos nossas motos, conversamos com outros motociclistas do Mato Grosso e São Paulo que estavam voltando do Atacama e se hospedaram no mesmo hotel, fechamos a conta e percorremos mais um trecho de 700 km, sob um calor de 47º. Chegamos novamente no fim da tarde, e nossa primeira providência foi conhecer o autódromo onde são realizadas as corridas de MotoGP na Argentina. Para nossa surpresa, na área do museu, junto às homenagens a Juan Manuel Fangio, havia uma grande citação ao nosso querido Ayrton Senna da Silva.
Saímos do autódromo e fomos para o hotel, bem no centro, de frente à praça principal. Ao entrarmos e nos identificarmos na portaria, houve confusão nas reservas e tivemos que esperar os ajustes. Neste meio tempo, vimos diversas pessoas reclamando que não havia água fria nos chuveiros, somente água quente, e com o calor que fazia a situação estava complicada. Isso nos assustou um pouco e até pensamos em buscar uma alternativa. Mas estávamos em uma estância termal, e é natural que a água tenha uma temperatura mais elevada.
Uma vez instalados, colocamos nossas roupas de banho e fomos para a piscina. Uma delícia – relaxamento garantido após um dia desgastante. Energias repostas, fomos jantar, saímos do hotel e o “Carnaval” da cidade era na rua, em frente ao hotel, muito pitoresco – parecia até o Carnaval de Curitiba. Fomos jantar em um cassino, com boa comida, bom vinho e serviço razoável, e voltamos para o hotel.
Dia 04: eram 09h30 e já estávamos no posto abastecendo as motos. Nosso trecho era curto, 400 km até Salta. Tempo bom, estrada lisa e limpa e pouco movimento. Isso fez com que chegássemos cedo ao hotel no centro, muito pequeno, mas bem montado e confortável. Guardamos as motocicletas na garagem, descansamos um pouco e fomos comer alguma coisa e comprar algumas lembranças na subida da Cordilheira dos Andes.
Dia 05: arrumamos a bagagem, pagamos a conta e saímos cedo, às 07h, afinal, seria o dia mais puxado, com 600 km subindo as cordilheiras. Baseamo-nos na informação do GPS e fomos conduzidos à Ruta 9, a famosa “Cornilha”, muito linda, mas uma estrada perigosa e sem acostamento, com filetes de água atravessando a pista, além de animais soltos (em sua maioria, vacas e burros). Adiante, a estrada se tornou confortável e o visual da natureza foi um espetáculo à parte.
Chegamos ao primeiro posto, abastecemos, pegamos água e partimos para Tilcara e, depois, para Purmamarca. Comemos, tirarmos fotos, compramos lembranças e deu para conhecer um pouco o lugar. Aí, iniciamos a subida da cordilheira, um trecho maravilhoso da estrada! Muitas curvas, um lindo visual, um espetáculo da natureza. A parada programada era em Susques, onde há um posto com duas bombas. Luiz e Beto foram mais rápidos e acharam o posto sem problemas, pararam e abasteceram as motos. Já eu ia mais devagar, afinal, era o único com garupa e carga para duas pessoas.
Passei do posto e, na tentativa de sair rápido para me avisar, Luiz acabou derrubando a moto, sem grandes consequências. Quando me dei conta, já estava longe. Acreditando que eles estavam na frente, olhei o hodômetro e vi que tinha combustível para chegar ao Paso Jama sem problemas. Então, continuei e deu certo! Abasteci e eles chegaram em seguida. Fizemos os trâmites aduaneiros para sair da Argentina e entrar no Chile e, novamente, eles foram mais rápidos e nos esperaram à frente. Assim, cumprimos o último trecho do dia e chegamos a San Pedro de Atacama. Ficamos em hotéis diferentes. Enquanto Beth e eu fomos ver os “Geysers del Tatio”, Luiz e Beto optaram pelo giro das estrelas. Reencontramo-nos no dia seguinte para o almoço e fomos fazer juntos o Valle Della Luna e o Vale dela Muerte, onde pegamos um pôr do sol fantástico.
Dia 07: com o objetivo de conhecer o Pacífico, levantamos de madrugada, pois teríamos um trecho de 800 km para sair e voltar para San Pedro de Atacama no mesmo dia. Tomamos café no hotel onde Luiz e Beto estavam hospedados e partimos para a estrada, antes do sol nascer. Em poucos minutos, Luiz viu um resto do sol iluminando o topo da montanha e parou. Beth e eu estávamos um pouco atrás e também paramos – que momento mágico! Em pouco mais de 10 minutos, vimos um nascer do sol magnífico, o que nos trouxe muita alegria. Dali até Calama, nos primeiros 100 km, havia muitas retas. Resumo disso: altas velocidades e consumo de combustível compatível. Reabastecemos em Tocopilla e partimos para Antofagasta, trecho da Ruta 01, o mais lindo em que já rodei. Lá, almoço e novo abastecimento, e iniciamos o retorno a San Pedro de Atacama, onde chegamos pouco antes de anoitecer.
Dia 08: iniciamos a volta, mais 800 km, com destino a Cafayate. Céu limpo, sol brilhando e um frio cortante. Na subida da cordilheira, enfrentamos -7º, e não era somente ao amanhecer. Os dedos de Luiz se congelaram nas pontas e eu também sofri um pouco – em alguns momentos, nem sentia minhas pernas. Finalmente chegamos ao Paso Jama para abastecer, comer alguma coisa e tomar um café ou chocolate quente. Seguindo viagem, passamos pela entrada de Salta e rumamos para Cafayate pela Ruta 68. Chegamos às 17h – estrada simples, sem muito movimento e com um posto de gasolina. Paramos, abastecemos, bebemos água, nos informamos sobre a localização do hotel e fomos até lá. O hotel parecia uma estância antiga, com ótimo atendimento, quartos amplos e confortáveis, um restaurante bem arrumado, comida excelente e uma carta de vinhos de qualidade e bons preços.
Dia 09: levantamos, tomamos um bom café, arrumamos as malas nas motos e fomos para a estrada. Trecho longo, com 800 km, e nossa meta era o Hotel Las Curiosas, em Presidência Roque SanPeña, chaco argentino. Iniciamos o dia com tempo nublado, garoa e cerração. Tivemos que pegar uma serra de asfalto ruim e com trechos em que havia pouca visibilidade. Seguimos lentamente até chegarmos a um posto, abastecermos, tomarmos um café para esquentar e pegarmos uma estrada melhor. Quando a noite chegou, pegamos uma pista nova, lisinha, de asfalto perfeito, mas sem nenhuma sinalização.
Admito que foi difícil enfrentar aquele trecho à noite, tendo que andar atrás de caminhões lentos para ter um pouco de referência, sem contar que a entrada do hotel fica quase escondida. Porém, achamos e nos instalamos. O hotel era realmente muito curioso: são cabanas com quatro suítes construídas entre as árvores – um lugar extremamente agradável, com baixo custo e atendimento exemplar. Vale muito a pena esta experiência, desde que se chegue com a luz do dia.
Dia 10: mais 850 km até Dionísio Cerqueira, já no Brasil. Levantamos, arrumamos as máquinas e fomos tomar um bom café. O trecho já era conhecido e andamos bem, chegamos ao final da tarde, nos instalamos e voltamos para a Argentina, para passear na cidade de Bernardo de Irigoyen, comprar vinhos e jantar, celebrando o fechamento da viagem aventureira. Na manhã seguinte, seriam apenas mais 600 km para chegarmos em casa.
No último dia – o décimo primeiro –, saímos por volta das 10h, pois a corrente de transmissão da motocicleta de Luiz estava frouxa e foi necessário encontrar uma oficina para realizar o ajuste. Fora este detalhe, a viagem transcorreu com tranquilidade e chegamos ao final da tarde, cansados, mas realizados.
LIÇÕES APRENDIDAS
Embora seja um pouco mais caro, é preferível reservar os hotéis pouco antes de chegar ao destino, ou no dia, pois isto permite mais mobilidade e não gera tanta preocupação com o lugar onde dormir. Não rodar por muitos quilômetros à noite, pois, além do cansaço, enfrenta-se a falta de luminosidade. Viajar com amigos – mas os de verdade, pois estes estarão sempre com você, em qualquer momento e situação.
Agradecimentos à Beth, minha esposa e eterna companheira, e a Luiz Alberto (meu grande amigo) e Beto, que me surpreendeu pelo companheirismo e bom humor em nossa primeira viagem de grande porte juntos.
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