Viajar rumo ao coração do Brasil e chegar de moto a um lugar cercado de belezas naturais, misticismo e gente boa é algo para lá de mágico
Texto e fotos: Rodrigo Tristão
Planalto Central
Sem dúvida, o Planalto Central brasileiro tem uma energia só dele, um silêncio arrebatador e uma tranquilidade indescritível. Nessa região do estado de Goiás, entre Cristalina até Cavalcante, cintila uma gigantesca superfície de cristal de quartzo. Segundo relatos, essa superfície reluzente é visível do espaço sideral, registrável por fotos de satélites.
Em viagens anteriores eu já tinha feito os principais passeios e trilhas da região da Chapada dos Veadeiros, dentro e fora do Parque Nacional. Já tinha acampado em alguns lugares e me hospedado na pequena Vila de São Jorge. Desta vez, para mudar a perspectiva, decidi curtir as belezas limítrofes à simpática cidade de Alto Paraíso.
UNIVERSO DISTINTO
As ruas dessa pequenina cidade, com menos de 10 mil habitantes, conduzem a um universo distinto, vertido ao culto da natureza, do autoconhecimento e do espírito. Os nomes dos estabelecimentos indicam a vocação esotérica, mas qualquer um pode visitar a região, que receberá hospitaleiramente os amantes da beleza natural e da diversão saudável, independentemente de suas crenças.
No meu roteiro não havia trajetórias mirabolantes, trilhas difíceis, estradas selvagens ou riscos insólitos. Eu queria a paz da contemplação, a quietude sublime dos minutos das mudanças das luzes e o tempo de sobra para ficar nos poucos lugares escolhidos pelo período que desejasse.
Assim, saí de Descalvado, cidade do interior do Estado de São Paulo onde moro, e viajei cerca de 700 km até Cristalina, no estado de Goiás. Aproveitei um dia em Cristalina para conhecer a reserva natural Linda Serra dos Topázios, pertencente a Jaime Sautchuk, jornalista e escritor que mora na própria reserva e atuou em relevantes meios de imprensa. Em conversa com ele, contou que não era um lugar procurado por turistas tradicionais, mas apenas por aqueles que tinham um elo diferenciado com a natureza.
A preservação do local é excelente, justamente porque não é tão visitado pelo público interessado numa diversão mais estruturada e com mais conforto. Fiz uma trilha simples até uma cachoeira, onde permaneci por algumas horas nadando e lanchando. Depois conversei um pouco com Jayme e retornei a Cristalina para dormir.
No outro dia parti rumo a Alto Paraíso de Goiás. A distância era curta, apenas 340 km. Logo ao sair de Cristalina, pouco depois do pedágio, há uma bifurcação à direita para a estrada que leva a Planaltina. Adoro esse trecho. É uma estrada remansosa, com uma quietude que sempre me provocou bem-estar. De brinde, dá para curtir alguns trechos com muitos buracos, no estilo bem aventureiro de queijo suíço. Nesses trechos, os carros preferem andar pelo acostamento, onde não há asfalto, porque a superfície é mais homogênea. Ali é possível sentir-se num verdadeiro parque de diversões.
Cheguei a Alto Paraíso à tarde e fui almoçar em um restaurante vegetariano com uma comida excepcional. Nesse dia a chuva não deu trégua.
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ESPETÁCULO NATURAL
No dia seguinte acordei às 4h30 e rumei para a estrada que liga Alto Paraíso de Goiás a São Jorge. Essa estrada é divina. Permeada por relevos bucólicos, vegetação do cerrado e luzes cinematográficas, o amanhecer em suas curvas proporciona um espetáculo de encher os olhos! A névoa rasteira, mais frequente quando se inicia o período frio, assume feições róseas e amareladas quando os raios de sol começam a se mostrar.
Fiquei boquiaberto com o show de cores e a paz gigantesca que acompanha a alvorada na Chapada. Mas logo depois do nascer do sol, o céu se encheu de nuvens e as cores das paisagens perderam aquele brilho singular. Eram 9h00 quando retornei à pousada para tomar o café da manhã.
Minha meta era conhecer as belezas próximas da cidade. Nesse dia, depois do café da manhã, fui visitar três cachoeiras, São Bento, Almécegas I e Almécegas II, todas situadas na Fazenda São Bento, propriedade particular distante 8 km de Alto Paraíso. Dentro da propriedade, é preciso percorrer cerca de 5 km em estrada de terra em boas condições para chegar à queda d’água mais distante. Achei o lugar maravilhoso e acabei passando o dia inteiro nas cachoeiras.
Voltei para Alto Paraíso apenas depois do pôr do sol e fui jantar. Há inúmeras opções gastronômicas na cidade. Se você gosta de carne, tem boas opções, se é vegetariano, vai ter escolhas deliciosas, e se for vegano, vai ter lanches igualmente saborosos. A rua principal da cidade é margeada por lojinhas de artesanato, pedras, roupas, restaurantes, lancheterias, etc. É um astral gostoso, apreciado por viajantes que buscam serenidade e querem aproveitar a natureza e a atmosfera zen da região. Se você quiser bater papo e ouvir as histórias de vida dos lojistas que escolheram esse recanto de morada, vai ter assuntos que despertam boas ponderações sobre os motivos que levam cada um a traçar seu destino.
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NOVOS RUMOS
Saí antes do amanhecer para a estrada, que já havia se tornado minha amiga. Fui curtindo o nascer do sol por cerca de 20 km, até chegar ao Jardim de Maytrea. Esse é um lugar fenomenal! Tem uma paz sublime, magnetizante, que reverbera na paisagem e se propaga nas montanhas!
Maytrea significa amistosidade, ou seja, o que é propenso à amizade, à convivência pacífica. Em outras palavras, pode-se dizer que se trata do Jardim da Paz. O nome é adequado. A paz que se sente quando se fica lá sozinho, admirando a quietude e apreciando os contornos da Chapada, é hipnotizante.
Fiz algumas caminhadas no meio da mata, observando a imponência de verdadeiros templos naturais que se elevam no horizonte com uma magia peculiar. É o caso do Morro da Baleia, rodeado por belíssimas plantas do cerrado, praticamente um símbolo da Chapada dos Veadeiros.
Depois de captar algumas imagens, voltei para a pousada para tomar café da manhã. Depois fui visitar um conjunto de cachoeiras que fica a apenas 4 km da cidade. Talvez por isso não lhe deem tanto valor como as cachoeiras mais distantes. É o complexo da cachoeira “Loquinhas”, situada na fazenda de mesmo nome. Pensei que ficaria por ali umas duas horas, para descansar e nadar um pouco, mas acabei passando o dia inteiro na propriedade. Não é uma cachoeira, como eu tinha pensado, mas dezenas de cachoeiras, poços e trechos de rio.
A propriedade, isoladamente, poderia ser considerada um parque natural. O proprietário é muito cuidadoso. Há placas indicativas na trilha, que se estende por passarelas de madeira. Foi construída para evitar o deterioramento da vegetação nativa pelos andarilhos. A cor da água nos poços, que tradicionalmente pende para o verde esmeralda, desta vez estava mais escura, em razão da quantidade de chuva daqueles dias.
Fui me divertindo, contemplando uma cachoeira, depois outra, nadando num poço ou outro, e assim sucessivamente. Aguardei a luz ficar mais bonita. Tirei algumas fotos e segui pela trilha ao lado da qual as quedas d’água pareciam não ter fim. Sinceramente não dá para dizer, entre tantas cachoeiras, qual é a mais bonita. Gostei muito das cachoeiras Loquinhas e Esmeralda, que ficam no fim das duas trilhas principais.
Retornei a Alto Paraíso com o pôr do sol e a sensação de ter aproveitado bem o dia. O contato com a água e o barulho das cachoeiras, durante tantas horas, provoca um relaxamento especial. Depois do jantar fui para a pousada, pensando em acordar novamente bem cedo para assistir ao nascer do sol no meio da Chapada.
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UM NOVO DIA
O despertador apitou às 5h00. Estava chovendo. No fundo achei gostoso poder dormir até mais tarde. Meu corpo pedia um pouco de descanso. Depois dei um trato na moto e segui por aproximadamente 24 km em direção à Vila de São Jorge. Há uma entrada de terra à esquerda que conduz ao Vale da Lua. Entrei ali e comecei a filmar e fotografar. As formações pedregosas, esculpidas pelo capricho do Rio São Miguel, remontam, como o nome indica, a formações lunares. A cor esverdeada do rio serpenteia entre curvas e fendas de rochas cinzas que abrigam cachoeiras e piscinas naturais. Caí numa das piscinas naturais e me diverti no meio daquela imensidão. De repente começaram a estrondar alguns trovões e a chuva não tardou a cair. Eu já estava molhado mesmo, então percorrer a trilha de volta no meio da chuva foi rejuvenescedor.
Ao fim da trilha, fiquei na pequena estrutura da entrada do vale, onde há um barzinho e banheiros, e esperei por uma meia hora a chuva passar.
A seguir rumei para a vila de São Jorge. A vila foi criada por garimpeiros e tem mais ou menos 500 habitantes. Adentrei suas ruelas de terra, fui tomar um açaí e na última vez que visitei a Chapada. Depois de encontrar o lugar, me sentei e fiquei ali curtindo a mansidão da vilinha.
Quase ao fim do dia voltei para Alto Paraíso e passei novamente no Jardim de Maytrea. Ali fiquei observando o entardecer até o surgimento da lua e das estrelas. Nesse momento entrei numa espécie de hipnose, totalmente imerso na contemplação. As luzes rosadas do entardecer começavam a ir embora, enquanto a lua se erguia majestosa acima do Morro da Baleia, dando boas-vindas às estrelas. Olhei para minha moto, que me permitiu chegar até esse lugar maravilhoso, e senti grande alegria por saber que o espírito aventureiro de motociclista me proporcionava viver momentos com tanta beleza e sensação de liberdade.
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VOLTA PARA CASA
Na manhã seguinte comecei a trajetória de volta. Troquei ideia com um lojista de chamado Roger, que contou um pouco da sua história até chegar a Alto Paraíso, e depois rumei para Cristalina, onde passei a noite. Por fim, voltei a Descalvado com a sensação de ter vivido dias muito especiais. Tive a convicção de que pretendo voltar muitas vezes para a Chapada dos Veadeiros. Cada vez que vou a esse lugar, percebo que tenho uma ligação muito forte com a região. Isso significa que a moto ainda vai rodar muito por aquelas bandas!
Moto utilizada: Yamaha Ténéré 660
Performance: de 20 km/l a 120 km/h
Quilometragem total: 2.300 km
Duração: 8 dias
Valores:
Gasolina: R$ 400,00
Hospedagem: R$ 80,00 por noite em Alto Paraíso e R$ 120,00 por noite em Cristalina
Refeição: Calcule R$ 35,00 para uma refeição farta em Alto Paraíso
Cachoeiras: calcule cerca de R$ 30,00 de entrada para o complexo da Fazenda São Bento (cachoeiras Almécegas), R$ 20,00 para Loquinhas e R$ 20,00 para o Vale da Lua
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