Sozinho, em uma Honda Biz 125, paulistano partiu de Manaus (AM) seguiu até Macapá pelo Arco Norte da América do Sul e atravessou Guiana, Suriname e Guiana Francesa antes de retornar ao Brasil. Confira essa aventura!

Texto e fotos: Rodrigo Coelho de Souza

O motociclista paulistano Rodrigo Coelho de Souza tem 52 anos, é engenheiro e atualmente reside em Campos do Jordão (SP). Em busca de uma verdadeira aventura, Rodrigo traçou uma viagem solo com partida em Manaus (AM), cruzando Guiana, Suriname e Guiana Francesa, retornando ao Brasil por Macapá. Sozinho, o motociclista enfrentou vários desafios e vivenciou incríveis experiências. Leia abaixo o relato de Rodrigo sobre essa aventura.

“Vivenciar uma grande aventura sempre foi um desejo meu, independente da quilometragem a ser percorrida ou do tipo ou marca da moto a ser usada. Assim, depois de traçar os planos dessa viagem, escolhi a Honda Biz por ser uma moto econômica, confiável e leve. E como eu estaria sozinho, caso surgisse algum problema eu teria mais facilidade para arrumar uma carona com ela sendo transportada em uma van ou no bagageiro de um ônibus.

Mas, por outro lado, surgiam também fatores negativos, como a baixa velocidade de cruzeiro e a falta de uma suspensão mais adequada para os trechos de terra, lama e buracos.

Antes da partida, minha fiel companheira de estrada estava com menos de 4 mil km rodados, revisada e toda original. De acessórios extras instalei uma tomada 12 Volts, um baú traseiro de 37 litros e dois suportes traseiros laterais, que serviam para levar um galão de 5 litros de gasolina reserva e alguns apetrechos para camping. No lugar do garupa ia minha bolsa estanque e, debaixo do banco, algumas peças de reposição e ferramentas: cerca de 20 kg de bagagem no total.

A VIAGEM

Para realizar essa viagem escolhi a segunda quinzena de agosto, época em que as chuvas já estão parando na região e o calor ainda não é tão forte.

Como moro em São Paulo e não tinha muito tempo para fazer tudo por estrada despachei a Biz até Manaus (AM) e de lá comecei a viagem até Presidente Figueiredo (AM), pilotando então 130 km. Presidente Figueiredo é uma cidade conhecida pelo grande número de cachoeiras e opções de passeios pela mata.

Depois segui 360 km rumo a Rorainópolis (RR) onde no trajeto existe a reserva indígena Waimiri-Atroari. Essa estrada cruza a reserva por 130 km, parte no Amazonas e parte em Roraima.

No outro dia rodei cerca de 320 km e cheguei à capital, Boa Vista, cidade planejada, com avenidas largas. Importante, em Boa Vista, é ir ao Consulado da Guiana para pegar a permissão para entrada da moto, pois sem ela não se entra legalmente no país vizinho. Depois disso segui viagem por mais 120 km e cheguei a Bonfim, última cidade brasileira antes de entrar em Lethem, primeira cidade da Guiana.

E aqui vai mais uma dica importante: em Lethem é necessário ir ao Guyana Bank for Trade & Industry e pagar o seguro da moto. O seguro é obrigatório para entrar tanto na Guiana quanto em Suriname. Dica: Passe pela aduana, vá primeiramente ao banco e só depois volte para fazer a entrada oficial.

APÓS A FRONTEIRA

Até então, tanto no Amazonas quanto em Roraima, eu havia encarado asfalto bom e a viagem estava bem tranquila. No entanto, a partir da fronteira, o bicho pega: são 565 km até Georgetown, capital da Guiana, sendo 460 km de terra até Linden, que pode ser “ruim ou muito pior”, dependendo das chuvas.

Nesse trecho demorei dois dias e meio devido às condições da estrada, que muitas vezes me obrigavam a fazer uma média de 20 km/h e também pela dificuldade para atravessar o rio Essequibo (que fica na metade do caminho), já que a balsa não atravessa somente com motos. É necessário esperar, às vezes muito tempo, aparecer um carro ou caminhão. Um lembrete importante: uns 100 km após a travessia do rio Essequibo, no vilarejo de Mabura, não passe direto, procure por uma casinha da polícia, onde eles vão registrar a passagem da moto em um livro.

Nesses 460 km de terra, com mata fechada por todo lado, atravessa-se a Floresta Equatorial da Guiana, onde há relatos frequentes e verdadeiros de encontros com onças atravessando a estrada e inúmeros outros animais selvagens.

Dormi a primeira noite na beira do rio Essequibo no Iwokrama International Centre, um tipo de um centro de pesquisas, no meio da selva, que, apesar de ser bem grande, me pareceu abrigar pouquíssimas pessoas. Aquela noite choveu, e muito.

No dia seguinte, quase caí algumas dezenas de vezes, derrapando na lama com os pneus originais da Biz. Fui até um posto/restaurante na beira da estrada, logo após Mabura, chamado “58 Miles”, e para passar a noite, amarrei minha rede num barracão junto com vários garimpeiros, madeireiros, caçadores e outros “ilegais”, que conversavam em um inglês de difícil compreensão.

“O QUE ESTOU FAZENDO AQUI?”

No dia seguinte, até Linden, surgiram meus últimos 120 km por estrada de terra. No entanto, estes seriam intermináveis e bem ruins. Pelo caminho eu via que a selva não é para qualquer um e que a grande maioria das “pessoas normais” não ia querer estar lá. O lugar é isolado, úmido, quente, tem seus perigos e você acaba por se perguntar : ‘O que estou fazendo aqui ?”. Por sorte enxergava tudo como um desafio pessoal e até gostava da coisa. Cheguei a Linden cansado pelo calor, baixa velocidade, lama, várias escorregadas (nenhum tombo). Mas a cidade não me animou muito e decidi tocar mais 110 km através de asfalto bom até Georgetown.

A capital da Guiana, relativamente insegura, não tem grandes atrativos. É uma mistura de povos interessante e possui a bela St. George’s Cathedral, a mais alta igreja de madeira do mundo.

NOVAS FRONTEIRAS

De Georgetown, após percorrer cerca de 200 km, chega-se a Corriverton, a última cidade da Guiana, na fronteira com o Suriname. Dormi por ali e no dia seguinte saí cedo, depois de uma demorada burocracia na saída da Guiana. Peguei uma balsa e depois percorri 250 km até chegar a Paramaribo, capital do Suriname. O inglês estranho falado na Guiana ficou prá trás. Agora a língua oficial era o holandês (lá alguns também falam inglês e muitos o táki-táki).

Tive a impressão de que o Suriname é mais seguro do que a Guiana, mas não dava para marcar bobeira. A cidade de Paramaribo também não possui grandes atrativos, tem muitas construções de madeira, mas o destaque fica para a bela Saint Peter and Paul Cathedral. Agora, se você gosta de arriscar um pouco a sorte existem vários cassinos, uma mania nacional por lá.

De Paramaribo segui por mais uns 150 km até Albina, já na fronteira com a Guiana Francesa.

As estradas no Suriname estão boas, a única coisa que incomoda é o costume dos motoristas. Quando vão ultrapassar, não têm a preocupação de ir para a outra pista e ultrapassam quase raspando na moto.

Depois de atravessar a balsa para entrar na Guiana Francesa, logo na primeira cidade, Saint-Laurent-du-Maroni, já se nota a diferença. A língua agora é o francês, a moeda é o euro, e os preços bem salgados (não que na Guiana e no Suriname sejam baratos). Vale lembrar que a Guiana Francesa é uma extensão da França, na verdade um território ultramarino francês, e brasileiros necessitam de visto, tirado com antecedência em algum consulado francês.

De Saint-Laurent-du-Maroni, percorri cerca de 200 km de estrada boa e cheguei a Kourou. Achei a cidade pouco interessante, mas ela é a segunda mais importante da Guiana Francesa, por ter uma base de lançamento de foguetes que pode ser visitada e, dizem, ser interessante (Centre Spatial Guyanais). Tem também as Iles Du Salut, ilhas próximas da costa que possuem uma história de prisões, etc.

De Kourou segui para Cayenne, a 70 km dali. Cayenne, capital da Guiana Francesa, tem seus atrativos, poucos, mas lá, como trata-se de território francês , é possível comer muito bem. Os custos por lá são altos e a gasolina, por exemplo, custa R$ 7,00 o litro.

VOLTA

Depois de Cayenne já estava na hora de voltar ao Brasil e eu então enfrentei 190 km até Saint-Georges, na divisa com o Oiapoque.

Nesse trecho recomenda-se cuidado e viajar, de preferência, durante o dia.

Cheguei ao Amapá, via Oiapoque, a cidade brasileira mais ao norte. A partir dali eu teria mais cerca de 600 km e estaria então em Macapá, capital do estado.

Saindo de Oiapoque, rodei 50 km por asfalto bom e então 130 km de estrada ruim, cheia de buracos, barro e poeira. Depois de Oiapoque, a primeira cidade que surgiu foi Calçoene (220 km de distância, incluindo esses 130 km de terra). Dica: se necessário, em Calçoene dá para arrumar uma pousadinha para passar a noite. Depois de Calçoene percorri mais 250 km até Ferreira Gomes, também um bom lugar para se descansar, com pousadinhas agradáveis e o rio Araguari, que forma algumas praias ótimas para mergulho.

Depois de Ferreira Gomes, restavam apenas 130 km e cheguei à capital do Amapá, uma cidade grande, agradável, na beira do rio Amazonas. No entanto, dali, para mim, só seria possível sair de barco ou avião.

Para mim foi o fim da viagem. Vendi a Biz sem nenhuma dificuldade (em menos de duas horas) e no dia seguinte peguei um vôo de volta para casa.

E aqui vai outra dica: caso o viajante queira continuar a viagem, o barco até Belém leva aproximadamente 24 horas e é bem legal fazer esse trecho para se conhecer um pouco mais a cultura dos que vivem nas beiras dos rios.

IMPERDÍVEL

Ao longo da viagem surgiram agradáveis surpresas. Em Manaus (AM) vá conhecer o Restaurante Tambaqui de Banda e Quiosque Tacacá da Gisela. Os dois ficam na praça do Teatro Amazonas.

Em Presidente Figueiredo, fiquei na Pousada das Pedras. Fernando Pimenta, o proprietário, é uma figura e conhece as redondezas como ninguém. Além disso, também é motociclista.

Para aliviar o forte calor de toda a região siga até um dos balneários rústicos que surgem pelo caminho, tanto no Amazonas quanto em Roraima e alguns no Amapá.

Em Boa Vista, conheça o Restaurante Recanto da Peixada, tipo boteco e que serve ótimos peixes.

Barraca de camping nem sempre será útil, mas é importante levar uma rede.

Em Paramaribo, no Suriname, é possível assistir a um bom show de jazz nos barzinhos. E se achar que está com sorte, não deixe de ir a algum cassino se divertir. Mesmo que você perca, pelo menos irá comer e beber de graça.

Na Guiana Francesa não deixe de ir a algum supermercado e delicie-se com os produtos franceses, no mínimo um lanchinho de baguette com queijo brie ou um croissant.

Em Cayenne, Guiana Francesa vá até o Restaurante Bar Les Palmites, na Av. General De Gaulle.

Em Macapá, os bares na beira do rio Amazonas sempre têm uma boa música ao vivo e bons petiscos.

AVENTURA

Essa viagem foi feita em 17 dias e percorridos 3.400 km. Não tive nenhum problema com a Biz, nem sequer um pneu furado. A gasolina extra só precisei mesmo usar uma única vez, já que com os 5,5 litros do tanque da Biz eu tinha perto de 200 km de autonomia. Mas vale lembrar: numa viagem como essa, você tem que ter paciência, já que os trâmites de algumas fronteiras podem ser bem demorados e existem alguns rios para serem atravessados. Isso pode demorar bastante e atrasar a viagem.

Finalizando, se alguém quiser mais detalhes e dicas estou à disposição. E, se algum motociclista quiser dar volta pela região, dependendo da data, topo ir junto. Meu email: rodrigocs11@hotmail.com

*Matéria publicada na edição #180 da revista Moto Adventure.