Imagine percorrer as três chapadas brasileiras, através de pequenas estradas em terra, sempre conhecendo novas pessoas e culturas. Foi o que fez o motociclista Roberto Atobá
Texto: Roberto Atobá/Redação
Fotos: Roberto Atobá
Roberto Atobá, mineiro de nascimento e baiano por opção, tinha 54 anos, sendo 36 de motociclismo, e se dedicava bastante a viagens pelo Brasil, sempre por estradas de terra. Recentemente ele integrou um grupo que cruzou as três principais chapadas do país numa jornada que envolveu três BMW GS800, duas Honda XRE300 e uma Yamaha XT660 Z.
Nesta trip os motociclistas percorreram três das mais famosas chapadas do Brasil: a Diamantina, na Bahia, a dos Veadeiros, em Goiás, e a Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso. Uma viagem de quase 7,5 mil km feita na maior parte em terra, deixando o asfalto para os deslocamentos iniciais e finais.
Dentre tantas, esta foi uma viagem especial para Atobá e seus companheiros. Infelizmente, pouco depois, exatamente na data em que se comemora o Dia do Motociclista, Roberto Atobá sofreu um acidente de trabalho e nos deixou. O amor de Atobá pelo motociclismo sempre foi incontestável. E, pouco antes de partir, ele nos premiou com um belo relato e fotos desta que foi sua última viagem de moto. Acompanhe, em suas próprias palavras.
A VIAGEM
Planejado para meados de setembro, o roteiro desta trip incluía muitas estradinhas precárias de terra e algumas estaduais, que se revelaram o maior desafio de toda a viagem, transformando-a em um teste real de resistência para os pilotos e, principalmente, para as motos. Porém, um compromisso (guiar três noruegueses de moto pela Costa do Descobrimento) me fez adiar os planos, o que colocou a segurança da viagem em risco. O período das chuvas se aproximava e rodar quase 4 mil km de terra, Brasil adentro, beira a insanidade, pois aumenta muito o risco de quebra da moto ou mesmo de ossos do piloto. Mas, mesmo sabendo disso tudo, 30 dias depois do estabelecido, “Medonho” e eu partimos em duas XRE em direção a Mucugê (MA) para lá encontramos “Guto”, vindo de Minas Gerais, Alexandre Piu, de São Paulo (ambos em motos BMW GS800), e “Piraju” com uma Ténéré Yamaha 660 novinha em folha.
Rodamos, nesse trecho inicial, 650 km entre o azul do litoral sul da Bahia e o ocre misturado com o verde da Chapada Diamantina. A “falta de graça” dessa jornada pelo asfalto foi compensada pelo belo visual do caminho, com as imponentes elevações que chegam a quase 1.500 m de altitude. Mucugê funcionou, para o nosso grupo, como um portal para a dimensão da aventura. A histórica cidade baiana, onde começou a mineração de diamante e ouro na região, apresenta muitos atrativos. Além de seus belos casarões, do cemitério bizantino e do museu do garimpo, a cidade tem também várias cachoeiras nos arredores. Mas, devido à grande seca que assolava o interior do Nordeste, acabaram não sendo uma boa opção de passeios.
Seguimos, então, para um dos lugares mais incríveis de toda a Chapada: a mágica Igatu, uma pacata vila com pouco mais de 300 habitantes e antigas casas de pedra que, no auge do garimpo, alojaram mais de 9 mil garimpeiros que foram em busca da perfeição dos diamantes que podiam ser encontrados nas serras da região. Neste cenário, seguimos por uma inacreditável estrada de pedra que nos levou até Andaraí. De Andaraí até Lençóis, a velha “rodagem do garimpo”, histórico caminho por onde muitos sonhos e riquezas atravessaram, passamos por um verdadeiro teste, para motos e pilotos. Além da dificuldade da pilotagem em muita areia, tivemos de atravessar os Rios Roncador e Garapa, onde, no período de chuvas, tal feito se torna impossível.
Como nossa opção era ficar em lugares menores e alternativos, cruzamos direto por Lençóis para chegar na “podes crer” Vale do Capão. Uma simpática vila que por certo se parece com algum lugar da Jamaica. De lá, partem caminhadas para diferentes pontos, com diferentes níveis de dificuldade como, por exemplo, a Cachoeira da Fumaça, considerada caminhada fácil, e o Vale do Paty, que exige pernoite e nível mais complexo. Após um dia de contemplação, saímos de lá margeando o Parque Nacional da Chapada Diamantina e a Serra do Sincorá. Ali ficou uma sensação de despedida, já que há planos para se asfaltar esta bela estrada.
A próxima parada foi na ainda pouco estruturada Ibicoara. Fizemos uma visita à que pode ser considerada a mais bela atração de toda região, a Cachoeira do Buracão, a mais ou menos 30 km da cidade e com uma caminhada leve de 3 km. Imperdível.
SERPENTEANDO
Nosso caminho continuou serpenteando serras, e sempre acima dos mil metros de altitude, por estradas com muitas pedras e areia. Tudo muito seco, quente e pra lá de poeirento. Há muito tempo a chuva só rodeava, mas não chegava. O assombro dos moradores era grande com tamanha estiagem, o que agravava muito o fato, já que por ali, a estiagem não é nenhuma novidade.
A histórica Rio de Contas (de onde Guto e Medonho tomaram o rumo de casa), Livramento, com sua bela cachoeira na beira da estrada, Caetité, com seus modernos moinhos de vento, a maior usina eólica da América do Sul,e Guanambi, completaram o roteiro de um longo dia. Decidimos pernoitar na fronteiriça Carinhanha, para apresentar ao amigo Piu, o “melhor pior” hotel do mundo. O quarto é tão pequeno que, ao entrar, é preciso subir na cama para fechar a porta. Mas, em compensação, localiza-se exatamente “em cima” do Rio São Francisco. E aí, o show de luzes ao amanhecer e entardecer fica garantido. Um delicioso peixe com uma boa pinga “Januária” nos garantiu uma bela noite de sono.
RIO SÃO FRANCISCO
Como todos sabem, o Rio São Francisco é sinônimo de vida, e basta se aproximar dele que o verde e a fartura se apresentam. Pau d’óleos, pequizeiros, aroeiras, barrigudas e angicos deixam tudo menos árido e alivia a dificuldade da tocada com suas belezas. Foi assim que cruzamos a divisa com Minas Gerais, na inflacionada balsa do rio Carinhanha. Continuamos margeando o velho Chico, passando pela cidade de Manga, onde entramos no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu e nas terras dos índios Xacriábas. Mas uma grande vereda com o solo extremamente atoladiço nos fez pegar o rumo de Januária. Lá chegando, tentei atender ao pedido de um parceiro que gostaria de uma refeição mais sofisticada, tipo comida japonesa. Guiei-o até um PF de R$ 4,99 com direito a arroz sem feijão e uma carne assada, já às 3 da tarde. Não dava para saber o que era frango ou boi, mas foi um batismo de fogo no quesito comidas exóticas. Nunca mais se falou em restaurantes sofisticados.
Confira a Parte 2 do roteiro.
*Matéria publicada na edição #167 da revista Moto Adventure.