Veredas do Sertão: Uma jornada inesquecível por uma região rica em belezas e contrastes

Texto e fotos: Rodrigo Octávio Tristão de Almeida

“Quando o sol brota, aqui fica cheio de bicho!”, disse-me o guia, Jacinto, quando cruzávamos um areião ao lado de vários arbustos, nas imediações do Parque Nacional Grande Sertão Veredas. Percebi que aquele mundo era distinto. Sua cultura, linguagem, matizes e costumes eram um universo que se mostrava aos poucos, timidamente. No sertão, o sol não nasce – ele “brota”. Jacinto não me acompanhava pelas veredas: ele ia “mais eu”. O jeito de falar, às vezes, remetia a outro idioma, único de uma região legendária e imersa em um mar de verde que se perdia nos horizontes do cerrado.

RUMO AO SERTÃO

Para viver a experiência do Sertão, saí de Descalvado, no interior de São Paulo, às 6h30 de um sábado, no início de setembro. Percorri quase 700 km até a cidade de Cristalina, em Goiás. Eu e minha fiel companheira, uma Yamaha XTZ Teneré 250. A moto me deixava bastante tranquilo, pois já viajara com ela algumas vezes, sem enfrentar qualquer problema. Adotei uma velocidade de cruzeiro, entre 110 e 115 km/h. O consumo de combustível ficou em torno de 25 km/litro. No fim da tarde de sábado, atingi o primeiro destino, Cristalina, onde conheceria algumas cachoeiras e a famosa pedra “Chapéu do Sol”. O nome da cidade decorre da geologia local. Ela fica sobre uma das maiores superfícies de cristal do planeta. Há várias lojas vendendo todos os tipos de pedra, incluindo cristais.

“PEDRA CHAPÉU DO SOL”

Domingo cedo, parti por uma estrada de terra de aproximadamente 14 km, sem sinalização, rumo à Cachoeira do Arrojado. O caminho era bonito, especialmente colorido pelas luzes brandas do início da manhã. Uma ou outra bifurcação gerava dúvida sobre a rota, mas tive sorte nas escolhas.

Encontrei uma clareira de onde saía uma trilha. Estacionei a moto e retirei o equipamento fotográfico. Em poucos metros, enxerguei a queda d’água despencando em uma piscina natural de notável transparência. Era uma delícia estar ali sozinho, ouvindo o barulho da água, sentindo o cheiro das plantas molhadas e captando imagens que pudessem dar uma ideia de toda aquela beleza.

Fiquei no local por umas três horas e depois voltei a Cristalina. Na hora do almoço, decidi ir ao “Balneário das Lajes”, onde me disseram que havia um restaurante ao lado de um rio. Foram mais 14 km em estrada de terra. Paguei R$ 10,00 para entrar no balneário. Imaginei que seria ótimo almoçar ao lado das corredeiras, sobre uma terra dominada pela energia dos cristais, ao som de pássaros e da água do rio batendo nas pedras.

“Chupa, chupa, chupa que é de uva!” Esta era a frase de uma música que saía ruidosamente de um carro estacionado ao lado do restaurante. Em certos grupos urbanos, o som potente do carro é um estandarte de glória social. Naquele balneário, isto ficou evidente. Exercitei a paciência e tentei comer em paz. Foi um alívio quando o dono do carro “se mandou”. Então, a melodia dos passarinhos, do vento e das águas começou a tocar. Caminhava à margem do rio, perto de estruturas de concreto para recreação, quando me deparei com uma cachoeira esplendorosa.  Por volta das 16h00, voltei à cidade e segui para a “Pedra Chapéu do Sol”. Percorri aproximadamente outros 12 km em outra estrada de terra e cheguei ao Parque das Pedras. A “Pedra Chapéu do Sol” tem 45 toneladas, que se apoiam em uma base de aproximadamente 40 cm. É difícil entender como isto acontece, mas a pedra está perfeitamente equilibrada.

VEREDAS

As veredas são o caminho das águas. Os burutis, semelhantes a coqueiros gigantes, sinalizam a vida úmida da tórrida região sertaneja. Por incrível que pareça, há muita água nos arredores. Animais como o lobo-guará, tamanduá bandeira, veado campeiro, emas e seriemas perambulam no cerrado nas horas mais frescas. À margem das águas, sucuris espreitam os bichos desavisados e se enlaçam em seus corpos, em abraços mortais.

Entrei neste novo mundo após sair de Cristalina, passar perto de Brasília e seguir na direção nordeste, para a divisa entre os estados de Minas Gerais e Bahia. Os ventos poderosos do planalto central desafiavam a força da moto, que, em alguns momentos, não passava de 100 km/h. Foi então que percebi como seria diferente se estivesse com uma moto de maior potência e mais robusta.

Aproximadamente às 14h00, alcancei a simpática cidade de Arinos, última antes do meu destino, onde almocei. Restavam cerca de 100 km para alcançar Chapada Gaúcha, a cidade que dá acesso ao Parque Nacional.

A estrada para Chapada Gaúcha, recentemente asfaltada, é um percurso inusitado, com verde por todos os lados em 360 graus do horizonte. É a entrada definitiva para o universo sertanejo.

Confira a Parte 2 do roteiro.

*Matéria publicada na edição #156 da revista Moto Adventure.