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Natureza incrível, história forte e o prazer de pilotar pelo país das motos

Texto e fotos: Marcelo Leite

Nós tínhamos acabado de atravessar o continente africano e queríamos seguir nossa Expedição 5 Continentes pela Austrália. Despachamos a moto por navio. Um trajeto de uns 40 dias. Nesse período de espera, não queríamos ficar parados e a Beth, minha mulher, teve a ideia de irmos para o Vietnã, aproveitando um estoque de milhas aéreas que ainda tínhamos.

Eu já tinha um bom contato em Hanói, a capital, que entre outras coisas tinha algumas motos para alugar. Então lá fomos nós!

O país das motos!

Todo mundo já ouviu falar do Vietnã, nem que seja nos filmes de guerra, mas o que pouca gente sabe é que esse é o ´´País das motos´´! Todo mundo vai de moto. Fala-se em 40 milhões delas! Nas cidades ou nos vilarejos há uma infinidade de pequenas oficinas de motos, borracharias de motos e lava-rápido de motos. Tem até posto de gasolina só para motos. Em todas as casas, lojas e hotéis há sempre uma pequena rampa para colocar a moto para dentro. Capacetes, capas e acessórios de motos são vendidos nas calçadas e nos mercados. Homens, mulheres, adolescentes e velhas senhoras, todo mundo vive o mundo das 2 rodas!

Quando chegamos, a imprensa local anunciava o investimento da Honda em uma fábrica dedicada à fabricação de motos de pequena cilindrada. Falava-se em alguns milhões de unidades por ano, um absurdo para nossas referências!

O primeiro dia pelas ruas de Hanói foi uma doidera total. Raríssimos carros e um oceano de scooters e pequenas motos em todas as direções. Quase um formigueiro! À primeira vista parece um caos e não dá para entender nada do que acontece, mas aos poucos vamos vendo que todo mundo se entende, negociando cada milímetro de chão. E acredite, não vimos nenhum acidente apesar da confusão toda.

Fomos direto ver o que teríamos de moto: uma Honda XR250! Muito parecida com as nossas Tornados. Me senti em casa.

Nossas botas, jaquetas e capacetes tinham embarcado na mesma caixa com nossa moto para a Austrália. Pegamos então dois capacetes emprestados, bem ruinzinhos; compramos capas de chuva no mercado e na falta de botas adotamos o velho truque das sacolas plásticas por dentro e fora dos tênis.

Nada de GPS. Ficamos algum tempo rabiscando mapas e depois de algumas cervejas, já tínhamos nossa rota. Iriamos subir pelas montanhas ao norte até a fronteira da China e depois desceríamos basicamente pelo litoral até a cidade de Ho Chi Minh (ex-Saigon), nosso destino final.

Pegamos algumas peças, ferramentas e alguns tirantes feitos de câmara de ar. A moto tinha uns alforjes bem funcionais e robustos apesar do gosto duvidoso. E claro, nossa inseparável DryBag.

Ganhamos um par de máscaras de tecido xadrez. No país todo mundo usa, tanto para proteção da poluição (apesar de bem melhor que em São Paulo) e doenças respiratórias. Entramos na onda também.

Montanhas ao norte

Na manhã seguinte saímos em direção a Lao Cai, ao norte. Debaixo de uma chuvinha fina, a XR não tinha medo de nada.

De Lao Cai a Há Giang foi um período de estradinhas incríveis cortando montanhas, vilarejos e conhecendo os povos das ditas “minorias étnicas” cada qual com sua própria língua e vestuário colorido.

Para seguir para Dong Van tivemos que tirar uma autorização especial no posto de polícia, porque é uma área de acesso restrito por ter um histórico de conflitos de fronteira com a China. Apesar do trabalho, valeu a pena! O lugar é simplesmente deslumbrante. Seguindo a dica de um garoto pegamos um atalho que cortava 30 km de montanha. Trilha de pura pedra e água. Com garupa tudo ficou um pouco mais divertido!

As montanhas estão todas “recortadas” com os nivelamentos para as plantações, em ´´andares´´. Como se não bastasse, o solo é péssimo, mas os vietnamitas são duros e persistentes. Com muito trabalho, modificaram a natureza e a paisagem para plantarem comida. No campo, nos vilarejos e nas cidades, o que se vê por todo o país é só trabalho. Geralmente em família, todos trabalham duro, muitas vezes dormindo no próprio local. E não tem tempo ruim. Sol ou chuva, 7 dias por semana.

Esses dias pelas montanhas foram lindos e serviram para nos entrosarmos com o povo local de vilarejo em vilarejo. O pessoal não fala inglês, mas a boa vontade é tanta que tudo se resolve. Eles gostam de cuidar da gente e adoram falar de moto. Melhor impossível!

A comida

A culinária é muito boa, mas a comunicação é impossível, então íamos degustando nas panelas e assim conseguíamos decidir pela comida. O prato tradicional é uma sopa bem gostosa conhecida por ´´Phô´´. Sempre leva noodles, legumes e algum tipo de carne em tirinhas. O mais comum é frango ou vaca.

Depois de termos rodado o dia todo, pelas montanhas molhadas e geladas, chegamos a um vilarejo. Entramos no único restaurante, todo de madeira, bem simples, mas bem arrumadinho. Estávamos com fome de leão e comemos com gosto. Frango ou vaca? Só ao sair, em dialogo mímico com a proprietária, percebi que tínhamos comido carne de cachorro! A sensação foi simplesmente horrível! A Beth colocou tudo pra fora…

Descendo pelo litoral

Começamos a esticar para o sul com o objetivo de chegar ao litoral. Linha reta para a famosa Halong Bay, com aquelas montanhas e morros saindo no meio do mar. A névoa constante e os típicos veleiros formam paisagens de cartão postal. Coisa de cinema!

Um dia melhor que o outro, o clima foi esquentando, as estradinhas melhorando e nossa motinho firme e forte.

Descemos pela costa, passamos pela imperial Hue, pela praia de Nha Trang e pela hoje turística Mui Ne.

Todas essas cidades têm boa infra-estrutura, boa hospedagem, boa comida, muito artesanato, alfaiates aos montes e gente acolhedora.

Fomos intercalando caminhos pelo litoral e pela área rural com seus campos de arroz. As distâncias são boas e rodar de moto é simplesmente uma delícia. Pelas estradinhas o transito é bem tranquilo e tem pontos de parada e gasolina o tempo todo.

Marcas da guerra

As marcas de décadas de guerra estão por todos os lados. Nos mutilados, nas terras aniquiladas de tanto napalm americano, nos cemitérios, nas histórias pessoais e nos alertas para que não nos afastássemos das principais vias por causa das minas ainda ativas.

Os vietnamitas parecem não ter medo de nada e já colocaram os chineses para correr; expulsaram os japoneses durante a segunda guerra; humilharam os franceses na guerra da Indochina e foram os únicos que pegaram de frente os Estados Unidos. Nessa última morreram 3 milhões de vietnamitas, a grande maioria na população civil. O país ficou arruinado, mas independente e unido. Com trabalho e incrível determinação, tudo foi reconstruído e o país vive um período de crescimento econômico dos mais altos do mundo.

Cidade de Ho Chi Minh

A cosmopolita Ho Chi Minh é o símbolo dos novos tempos. Uma mistura de prédios modernos, executivos de terno, garotada plugada, painéis das marcas famosas, dragões da antiga tradição, templos budistas, guardas de luvas brancas e o trânsito de uma grande cidade. Mas mesmo aqui, tudo vai em 2 rodas.

Assim terminava nossa jornada de quase 3.000 km com nossa valente Honda XR250. Não tivemos nenhum problema a não ser nossa sopa canina. Rodamos por lugares lindos, aprendemos um monte sobre esse povo guerreiro e tivemos experiências excepcionais quase todo dia. Tudo isso com infraestrutura surpreendente e preços beirando o ridículo de tão baixos. Se vale a pena? Pode pegar seu capacete e arrumar uma mochila que você não vai se arrepender!