Movido pelo desafio
O único brasileiro a competir no TT da Ilha de Man e em Pikes Peak, duas das mais perigosas e exigentes provas do motociclismo mundial, Rafa Paschoalin é o mais claro retrato de alguém que vive moto de maneira intensa e apaixonada, como tudo que faz.
Aqui você acompanha a entrevista completa deste que é um dos mais arrojados, talentosos e rápidos pilotos brasileiros e que em 2021 voltará a disputar a mítica e perigosa Isle of Man TT.
Texto: André Ramos
Fotos: Juliano Capretti
Moto Adventure – Com qual moto você começou a dar suas primeiras aceleradas? Quantos anos tinha?
Rafael Paschoalin – Minha primeira moto foi uma (Yamaha) PW 50, que ganhei quando tinha de 6 para 7 anos. Fazia muita triha, andava no off-road, na chácara que meu avô tinha e tem na região de Embu (SP) . Minha rotina era ir para lá todo final de semana e ficar em cima da moto das 7h às 17h e também nas férias. Se aquela motinho tivesse odômetro ele mostraria uma quilometragem bem alta, pois eu não saía de cima dela por nada.
Moto Adventure – Como é fazer parte de uma família que respira moto e competição?
Rafael Paschoalin – Sempre foi nossa rotina, nossa realidade e não consigo imaginar se fosse diferente disso. Eu não tive uma fase em que não respirei moto; sempre respirei moto desde sempre. Acho ótimo o estilo de vida que levo, morar numa pista, morar num contêiner, ter 11 motos e viver disso. Por mais que não sobre muita grana e não tenha uma aposentadoria legal por enquanto, os 37 anos que vivi até hoje foram perfeitos. Não mudaria nada do que fiz, sou muito abençoado e agradeço a Deus todos os dias por ter a vida que tenho, por ter a família que tenho. É muito bom.
Moto Adventure – Fale um pouco sobre como surgiu o TT da Ilha de Man em tua vida. O que sentiu quando finalmente chegou lá e o que pensa sobre isso, agora, que está novamente com a prova em teu campo de possibilidades?
Rafael Paschoalin – Ilha de Man eu conheci através do You Tube em 2006/2007, na época que eu era piloto de supermoto. Aí foi “all-in” nesse projeto mas até conseguir chegar lá foram 6 anos e quando cheguei a sensação foi indescritível, de missão cumprida. É uma coisa que a gente acha que é simples, mas se fosse simples teriam mais brasileiros lá e a coisa estaria em outro patamar. É bem complicado fazer parte desse círculo de pilotos, mas eu não acho que é uma glória; eu faço isso porque é o que amo fazer e se mais pilotos se interessarem por isso e for realmente isso que queiram fazer, estou à disposição para ajudar e quanto mais gente nesse cenário, melhor; faço isso por amor e não por status, para o nosso motociclismo. No fundo, as pessoas que estão dispostas a correr no TT, correr de verdade, com o coração lá, acho que são pessoas como eu, que gostam mais de uma motocicleta do que tudo e estão dispostas a morrer por isso. Então, quando você começa a entender o processo para correr num lugar desses, andar bem e voltar vivo, é realmente um plano de vida e não uma aventura de férias.
Moto Adventure – Como analisa o período em que trabalhou como jornalista especializado em motos? O que teu conhecimento como piloto e como mecânico te ajudou nesta tarefa?
Rafael Paschoalin – Eu nunca imaginei ter esta função um dia, foi muito por acaso e do nada eu estava sentado na redação da Motociclismo trabalhando com o Carlãozinho (Coachman) e depois com o Raul Fernandes e isso foi fundamental para um amadurecimento de tudo: caráter, profissão, valores de vida, e por mais que eu acredite que tenha tido uma educação old school de educação e valores, essa parte de trabalho foi muito legal. Eu cresci muito nisso e continua sendo uma baita base até hoje para tudo que eu faço. O conhecimento de piloto ajudou porque… por exemplo: um dia antes de entrar na redação eu nunca imaginei que fosse fazer isso, mas depois que eu entrei, me achei e passei a gostar de escrever, de contar histórias… Nunca tive uma veia para descobrir, investigar, mas sempre gostei de contar histórias, então o conhecimento de mecânica – eu mexo nas minhas motos desde que comecei a pilotar – e também a parte de pilotagem contribuíram para que os textos que eu escrevesse fossem mais reais.
Moto Adventure – Como foi participar das edições em que esteve presente em Pikes Peak?
Rafael Paschoalin – Pikes Peak a gente teve como um plano B, quando veio a crise de 2015, mas acabou se tornando o plano A, pois eu pilotava uma moto que era muito comercial (Yamaha MT-07) e isso melhorou muito meu status dentro da fábrica que eu representava e dessa forma eu tive uma notoriedade maior e embora Pikes Peak seja bem menor que o TT, acho que hoje muita gente conhece Pikes Peak por conta do meu trabalho e a gente vê um monte de MT nas pistas, nos track days, nos kartódromos e acho que saí da Yamaha com a sensação de dever cumprido, feliz e de cabeça erguida. Pikes Peak é o lugar mais improvável que se tem para correr de moto. Ilha de Man, ainda que seja mais perigoso e mais rápido, ainda é uma estrada e beleza que a gente passa por meio de vilas e cidades, mas Pikes Peak é uma coisa surreal, porque a gente está no topo de uma montanha, à beira de precipícios, as condições são muito difíceis, muito técnica, asfalto gelado, vento, animais cruzando a pista, então, quando você está lá no topo da montanha você entende que aquele é o lugar mais improvável do mundo para correr.
Moto Adventure – E como é sair de casa deixando para trás um testamento? Você sente medo de dar alguma merda e morrer correndo? Como administra o medo e a ansiedade?
Rafael Paschoalin – Essa parte do testamento é algo muito pessoal e eu nem curto quando isso ganha destaque em algum lugar porque parece uma apelação. Acho que se você tem um caderninho ali, um documento escrito para caso algo dê errado – e as coisas podem dar errado o tempo todo na vida de qualquer pessoa… Claro que lá na Ilha as chances são maiores mas isso é o que me faz ir para lá. Se não tivesse risco algum com certeza absoluta eu não dedicaria minha vida a isso. Eu curto muito essa sensação de ter a vida nas minhas mãos e nas mãos de quem está ali ajustando a minha moto e mexendo no meu equipamento.
Moto Adventure – Quais foram ou qual foi tua maior frustração no mundo da moto e como você lidou ou lida com isso?
Rafael Paschoalin – Cara, estou com 37 anos hoje e bem mais maduro e acho que a gente vai ficando mais velho e talvez um cara de 20 anos que esteja lendo isso não entenda, mas conforme você adquire uma certa experiência, começa a entender como funcionam as coisas, em quem você pode confiar em quem você não pode confiar, mas eu acho que o mundo da moto me deu uma vida maravilhosa; eu fiz escolhas sérias para seguir este caminho, eu dediquei muito tempo da minha vida para o motociclismo e não queredno fama, status ou qualquer coisa. Eu fiz isso porque eu amo fazer isso mas se eu olhar para trás eu vejo que ficou um gap gigante de atenção para a minha família, para os meus pais, para os meus filhos, coisa que é difícil de recuperar, então, a missão para o futuro é equilibrar melhor isso, tratar a moto como projetos especiais mas equilibrar melhor o tempo com família, filhos, esposa, porque não é uma coisa que você recupera, sabe? Então é isso… Mas o motociclismo não tem culpa: foi uma opção minha.
Moto Adventure – Como é ir para a pista com teu filho?
Rafael Paschoalin – O lance de ir para a pista com meu filho é legal ; o Enzo está com 18 anos e o Dudu com 11; o Dudu não curte muito moto, curte futebol e agora estou me esforçando para entender um pouco de futebol – sou muito ruim no futebol – mas estar perto dos meus filhos é a melhor coisa que tem. Claro que é mais fácil com o Enzo, por que como a gente gosta exatamente das mesmas coisas é muito bom, mas por outro lado a gente é muito competitivo, então, mesmo ele sendo meu filho eu sempre tento ganhar dele e ele sempre tenta ganhar de mim, então a rivalidade prevalece e muitas vezes um momento na pista nem sempre é o momento mais sadio, porque a gente é competitivo até o último fio de cabelo e se não fosse assim a gente não teria a vida que tem, a gente teria feito outras escolhas.
Moto Adventure – O Rafa Paschoalin professor é muito diferente do Rafa Paschoalin piloto?
Rafael Paschoalin – A parte de professor é legal. A gente tem a RP 113 Riders Factory, nosso lema é ser a melhor escola de pilotagem e não a maior escola de pilotagem, por isso a gente não trabalha com turmas grandes; boa parte das aulas são particulares, de terra e asfalto, e eu com certeza amo ensinar, adoro ver a evolução dos pilotos, seja para o nível profissional ou simplesmente para pilotar uma motocicleta de forma melhor; é uma sensação muito boa de dever cumprido. A gente aprende com os alunos, a gente ensina os alunos e isso é incrível; é o trabalho fora a vida de piloto que amo fazer.
Moto Adventure – Como é ser agora um piloto da Honda Racing Brasil?
Rafael Paschoalin – Estou muito feliz, muito feliz mesmo com a Honda. É uma relação nova, a gente está ainda se conhecendo mas eu adoro as pessoas com quem tenho contato, me sinto em casa e tem a parte de ser embaixador da Categoria 650… Eu também ajudo a criançada da Junior Cup, tem meus projetos especiais para voltar para o TT ano que vem, é uma agenda bem completa, tem bastante coisa e estou realizado, muito feliz e vou fazer de tudo para seguir na Honda por muito, muito tempo, porque eu me sinto em casa como nunca me senti antes.