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Natureza brutal, cultura milenar e o prazer de pilotar nas alturas até o Everest

Além dos filmes ambientados por lá, o Tibet é também lembrado por sua cultura milenar e pela intensidade, sempre presente, dos Monges Budistas, e claro, do Dalai Lama, o líder máximo religioso. O Tibet consegue ser extraordinário pela sua natureza brutal, pela intensidade de sua história e pela sua cultura milenar. Por tudo isso, tornou-se um destino desejado por uma legião de turistas mundo afora.

Complexidade

Um verdadeiro sonho para muitos motociclistas e uma quase euforia nos últimos anos, principalmente pelos europeus, mas não é nada fácil conseguir rodar por lá.

Desde os anos 1950, o Tibet é uma região administrativa autônoma da China. Todo o dinamismo econômico chinês batendo na porta de uma região apegada a seu passado e suas tradições milenares.

Esse cenário administrativo e político tem implicações práticas. Não é nada trivial conseguir uma autorização para entrar no Tibet. Um estrangeiro não pode circular pela região sem ser acompanhado por um guia credenciado. Ele será responsável pelo visitante do começo ao fim de sua estada. Para alugar uma moto e circular por lá é preciso seguir uma série de exigências que são praticamente impossíveis de atender sem ter bons contatos locais. Toda essa complexidade desanima muita gente.

Durante nossa Expedição 5 Continentes(2011-12) eu tentei atravessar o Tibet e não consegui, mas acabei fazendo vários contatos que me serviram mais recentemente. Há uns quatro anos eu comecei a estudar e estruturar uma viagem pelo Tibet e demorei quase um ano para equacionar tudo.

É complicado, não impossível, mas tem uma questão financeira. Primeiro você é obrigado a pagar um guia credenciado e todas as suas despesas. Ele precisa de um carro, logo de um chofer. As raríssimas agências que alugam motos condicionam um volume mínimo, um guia deles e um mecânico por conta de toda a complexidade em rodar pelo interior. Somando tudo isso fica uma conta inviável para pagar sozinho. O caminho foi montar um grupo para dividir a conta.

Lhasa

Depois de tudo acertado, chegamos a Lhasa, a famosa capital tibetana. A altura judia da gente. Alguns sentem um pouco mais. Precisamos de dois dias para estar em condições físicas para rodar com as motos, o prazo certinho para finalizar a papelada e conhecer essa cidade toda linda, com sua arquitetura, lojas e praças. Logo de início vamos nos acostumando com o jeitão dos tibetanos. Eles são brincalhões, sempre de bem com a vida e não pensam duas vezes em nos ajudar no que for preciso.

E tem o Palácio Potala. Eu nunca vi nada tão impressionante. É gigante, em cima de uma montanha, imponente e realmente lindo. Ele foi a sede religiosa e política do Tibet por séculos. Ali moravam os Dalai Lama e lá estão sepultados os últimos 14 deles. O palácio foi sendo construído por vários anexos durante séculos. Simplesmente imperdível!

Campos e montanhas

Pegamos as motos. Trailzinhas chinesas de 400cc. Suspensão alta, rodas 21/18, boa posição e claro, carburadas. Passamos pelas primeiras estradinhas atravessando uma área rural. A paisagem é de filme. As famílias com suas roupas coloridas trabalhando juntas no campo, as casinhas de pedra, os pequenos vilarejos. Um mundo todo diferente, mas acolhedor. O contato com o pessoal local é sempre extremamente caloroso.

Todo final de dia chegamos a pequenas cidades relativamente bem estruturadas, o que nos permitiu sempre ficar em hotéis simples, mas confortáveis.

Nos dias seguintes seguimos cortando por estradinhas deliciosas pelas montanhas e pelos campos. Paramos em diversos monastérios, um mais incrível que o outro. Tivemos sorte de presenciar algumas procissões com os monges tibetanos. O ambiente de fé e mistério é indescritível. Cantos, cores, fumaça e devoção total. É impossível não se envolver, não se emocionar. Nos sentimos pequenos diante de tanta grandiosidade. O monastério de Sakya, em particular, está agora entre meus lugares prediletos. É preciso viver isso tudo.

À medida que vamos subindo, vamos encontrando cada vez mais rebanhos de iaques, alguns disputando as estradas conosco, outros vagando em toda paz pelos vales tibetanos. Eles parecem búfalos com pelagem longa. É do leite de iaque que são feitas a manteiga e queijo tibetanos. Muito gostoso e diferente. A carne é das melhores e faz parte da culinária local.

Os lagos não parecem reais. Espremidos por paredões de montanha, exibem suas águas azul-turquesa como em nenhum lugar.

Everest

Chegamos ao portal do Parque Nacional do Everest. Estamos a 5.000m. Com as nuvens desfilando em nosso nível e o vento uivando, o majestoso Everest se exibe bem à nossa frente por pouco tempo, como se fosse um convite, uma provocação para seguirmos adiante.

E assim fizemos. Descemos em zigue-zagues infinitos. Subimos de novo passando a 5.300m. Sem ninguém, tudo só pra gente; a melhor parte do Himalaia, com picos acima de 8.000m como o Everest e o Anapurna como pano de fundo. Curvas longas, curtas, com certeza as melhores do mundo. Paramos. Cada um querendo falar mais que o outro. Ansiedade, felicidade, excitação. Não há o que falar, estamos todos de boca aberta, precisando compartilhar com os outros para ter certeza que isso é mesmo real.

Adrenalina a mil!

Chegamos ao final da estradinha do parque. Do lado esquerdo, o Monastério de Rongbuk, o mais alto do mundo; do lado direito, a hospedagem oferecida pelos monges. Alguns metros adiante, uma área aberta, paredes de montanhas nas laterais, e bem em frente, na nossa cara… O Everest ao vivo. Só pra gente. Pico branco de 8.848 metros. O cume do mundo. Nosso! Estamos a 5.200 m. Deixamos as motos.

Caminhamos com dificuldade. Falta oxigênio. Sobra adrenalina. Ouvimos nossa própria respiração a cada passo. Venta. Chegamos à pedra que marca o Campo Base 1. É daqui que saem os que vão escalar a mais alta montanha do mundo. É aqui que eles acampam para se aclimatar. Mas estamos em outra temporada e tudo isso agora é nosso. Nos olhamos uns aos outros, incrédulos. A adrenalina explode. Nos abraçamos, uns gritam, uns pulam, enlouquecidos. Chegamos. Um marco em nossa história pessoal. Emoção a mil. Indescritível. Um dos melhores dias da minha vida!