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Ele enfrentou sozinho os 53.500 km e 105 dias para ir e voltar do Alasca, de onde retornou não apenas com boas histórias, mas encarando a vida de uma outra – e melhor – maneira.

Texto e Fotos: Marcelo Francia Arco Verde

Após visitar vários países da América do Sul, decidi planejar a viagem ao Alasca! Durante os três anos de preparação, ouvi todos os tipos de “conselhos”, que foram filtrados e guardados (só aqueles que me interessaram, é claro).

Alasca. Essa palavra soa como música aos ouvidos, um lugar cercado de montanhas, com ursos e lobos por todos os lados, onde os ventos insistem em curvar as copas das árvores e os lagos têm um azul indescritível – e muitas vezes tudo isso aparece num só olhar. As distâncias parecem infinitas e a luz do sol é uma constante na época em que estive por lá (16 de junho de 2015, 58 dias depois de ter partido do Brasil, no dia 18 de abril); o céu parece uma pintura e as nuvens se divertem com diferentes formas e cores; lugar inóspito, distante, grandioso e selvagem como nunca havia imaginado, onde a natureza te obriga a parar e contemplar cenários belíssimos!

Para chegar lá é preciso conhecer diferentes culturas e gastronomias, sentir as mudanças de temperatura à medida que aumenta a latitude, assim como os dias que ficam cada vez mais longos até não escurecer mais! Vale cada um dos 53.500 km e dos 105 dias do passeio.

Pilotei uma Kawasaki Versys 1000 e levei uma relação, pastilha de freios, jogo de velas, pneu traseiro, dois reservatórios para combustível; o filtro de ar e o óleo de motor eram trocados a cada 5.000 km, ou seja, praticamente a cada semana! Na bagagem também levei equipamento para camping, úteis nos parques nacionais nos EUA e Canadá, únicos países que exigem vistos de entrada.

Quando se falou sobre segurança na viagem, nove entre dez amigos se assustaram ao saber que eu iria passar pela Colômbia. Foi a quarta vez que viajei pela Colômbia e continuo com aquela boa sensação de segurança; o Exército é presente ao longo da estrada, inclusive com barreiras em praticamente todas as pontes (nos dois lados) e nos vilarejos e povoados.

Imprevistos

Os imprevistos aconteceram e ainda bem! Já imaginou como a viagem seria monótona se tudo saísse como planejado? Os problemas devem ser resolvidos, não lamentados. No Acre passei por um buraco e danifiquei seriamente a roda e o amortecedor traseiros. Consegui reparar a roda em Rio Branco e segui viagem – com o amortecedor estourado mesmo. No Peru, próximo a Cuzco, foi a única vez que o pneu traseiro furou. Quase dois meses depois, já no Alasca, os retentores da suspensão dianteira vazaram e precisei viajar mais de 700 km sem o freio dianteiro para repará-los em Anchorage.

Um momento de preocupação foi a travessia entre a Colômbia e o Panamá, mas após contratar o serviço, com pagamento em espécie, um despachante facilita o processo. Só a dor no bolso que não passa… Gastei US$ 1.200 para o transporte da motocicleta e US$ 400 para a passagem aérea.

Viajar pelas três Américas e por 15 países requer momentos especiais em suas fronteiras, onde cada uma tem sua característica. A que mais gostei foi quando saí dos EUA e entrei no Canadá: rápida, que mais parecia uma cabine de pedágio, com tratamento amistoso e impecável. Nem precisei descer da moto para realizar os trâmites. As fronteiras mais demoradas foram na saída de Belize para o México, porque coincidiu com o feriado do Dia dos Professores; e a outra foi na saída do México e entrada nos EUA por Laredo. Na chegada, após passar horas no deserto, levei um susto ao ver mais de 12 pistas repletas de veículos. Choque da nova realidade! As fronteiras dos países da América Central, ao longo da Rodovia Pan-Americana, também são bem movimentadas, e merecem cautela e paciência.

O urso e a mulher

Como em toda viagem, sempre temos histórias inusitadas para contar. E nesta não foi diferente.  Quando cheguei ao parque Yellowstone (EUA) fui muito bem recebido por um funcionário muito simpático, com seus 70 anos bem vividos, que teve muita paciência em mostrar todas as atrações do parque no mapa. Mas achei duas coisas estranhas: ele me deu um dos últimos lugares do camping, o mais longe, e enfatizou demais o pedido para guardar todas as comidas no depósito localizado próximo da barraca, já que havia um urso grizzly rondando o local com frequência. Fiquei cismado com aquela conversa e durante a madrugada acordo com um forte som do vento, indicando que a tempestade estava cada vez mais perto. Em seguida escuto passos muito próximos da minha barraca. Tento identificar melhor o som mas não consigo. No instante seguinte algo empurra minha cabeça! “Nossa, é o grizzly, é o maldito urso!” Dei um pulo tão grande que caí sentado, tremendo, esperando a pancada… Que não veio. Não sabia mais o que pensar, estava meio acordado, meio dormindo antes de tudo isso acontecer e depois entendi que estava “delirando”.

No norte do Peru, resolvi pilotar por uma hora no escuro, pelo deserto, numa estrada com pouquíssimo movimento. Seguia tranquilo, sem nenhum veículo por perto, até que percebi, do meu lado esquerdo, uma mulher caminhando na minha direção. Antes de conseguir frear, ela se aproximou com passadas largas pela frente da moto. Pude perceber que estava vestindo uma calça jeans e uma blusa preta. Seu ombro praticamente tocou minha mão direita, de tão perto que chegou. Lembro de seu perfil sereno, como se nada demais tivesse acontecido. Aliás não sei como tudo aconteceu e saí ileso! No segundo seguinte eu voltava a ver a escuridão do deserto, com todo meu corpo tremendo sem poder sequer parar…

Uma semana antes do início da viagem, após receber a moto toda revisada, sofri um acidente a 3 km de casa. Ouvi um estrondo e antes de conseguir piscar, fui arremessado para o capô de um carro! Sim, bati de frente! Minha primeira reação foi sair de cima do carro e levantar a moto, mas não consegui; sentia fortes dores no lado direito de minhas costelas, na minha coxa esquerda (que amassou o tanque), e na tíbia esquerda, que tocou o guidão na queda. Naquele momento só queria saber se teria condições de me recuperar e consertar a Kawa para a viagem, nem que tivesse que adiar um pouco minha saída. A equipe da Kawasaki trabalhou com muita eficiência e a moto foi entregue para iniciar a viagem. Eu ainda sentia fortes dores, principalmente nas costelas, mas decidi seguir com a programação.

As dores me acompanharam por um mês. Neste período, quando precisava colocar a moto no descanso central, pedia ajuda pra alguém, que sempre se aproximava para conversar sobre a viagem.

Entendi que fui testado! Minha vontade, meu desejo, meu sonho! Problemas existem para serem resolvidos e não somos nós que decidimos o que exatamente irá acontecer. Nós traçamos o rumo e precisamos nos adaptar e muitas vezes retroceder para atingirmos nossos objetivos!

Viajar ao Alasca foi um sonho realizado, um projeto repleto de experiências que mudaram minha vida para melhor, principalmente porque fui o responsável pelos acertos e assumi todos os erros ao longo do caminho.

Viver é bom demais!