A bordo de uma BMW R 1200 GS, o aventureiro Decio Macedo percorreu 6.344 km em 12 dias, encantando-se com as belezas do nordeste brasileiro

TEXTO E FOTOS: DECIO MACEDO

A frase que mais tenho ouvido ultimamente é: “Você é louco?”. Na verdade, em nenhum instante pensei que estivesse fazendo alguma loucura – ao contrário! A viagem que planejei parecia ser muito simples, se comparada a outras que acompanhei por meio da Revista Moto Adventure.  

Estou acostumado a pilotar motos esportivas e tenho o hábito de fazer track days e passear com amigos nas regiões de Morungaba, Amparo e Serra Negra, no interior de São Paulo. Em 2018, tomei a decisão de vender minha motocicleta esportiva e comprar uma Big Trail. No meio em que vivo – entre reuniões com colegas de trabalho, sempre discutindo assuntos relacionados à área de Tecnologia da Informação –, quase ninguém costuma planejar viagens como. Meus planos eram compartilhados com minha esposa e filhos, todos já crescidos, sendo que um deles acabaria participando deste projeto em determinado momento da jornada. Imerso nesse ambiente corporativo – muitas vezes, angustiante –, chegar em casa após um dia “pesado” de trabalho, olhar o calendário e constatar que eu estaria na estrada no dia seguinte fez meu coração disparar!

A ideia era sair de Jundiaí (SP), cruzar a reserva do Xingu e chegar ao Pará. Foi assim que montei o roteiro. No primeiro dia, saí de Jundiaí em direção a Santa Fé do Sul (SP) – divisa com o Mato Grosso do Sul – em um trajeto de 598 km, sendo que a maior parte do percurso foi realizada à noite.  No dia seguinte, o plano era chegar a Espigão do Leste, no norte de Mato Grosso. Porém, só durante a viagem descobri que o asfalto terminava 100 km antes de chegar ao destino. O sol já se punha quando acabou o asfalto! Percebi que a moto derrapava muito e decidi murchar os pneus para melhorar a estabilidade. No trajeto, já à noite, assustei-me com uma anta cruzando o meu caminho. A partir daí, passei a notar muitos animais silvestres mortos na beira da estrada – tatus, tamanduás, seriemas etc. – e fiquei mais atento.

Cheguei a Espigão do Leste por volta das 20h, depois de percorrer, naquele dia, 1.204 km, sendo que 100 km foram de terra. Dormi em um hotel de beira de estrada. Não existia asfalto por ali e, no dia seguinte, quando fui abastecer, descobri que a gasolina custava R$ 5,60 o litro. Meu próximo destino seria São José do Xingu, a 100 km de onde eu estava, em um percurso feito inteirinho por estrada de terra. Cheguei lá por volta das 09h, abasteci a moto e perguntei quantos quilômetros teria de percorrer para chegar ao asfalto. Foi quando descobri que eu teria mais 280 km de terra pela frente!

“PERRENGUES” ACONTECEM…

Vinte e cinco quilômetros depois, após ter saído de São José do Xingu, de repente, caí em um buraco. A pancada foi forte, mas não me derrubou. O painel, porém, indicava que a pressão do pneu caia constantemente. Chequei a moto e notei que a roda dianteira estava severamente amassada. Decidi retornar a São José do Xingu, já pensando que, com isso, a viagem havia terminado. Na cidade, encontrei uma borracharia. Com um pedaço de madeira e uma marreta, tentamos resolver o problema na base do improviso, já que seria um milagre encontrar uma roda de BMW por ali.

Depois de jogar detergente na roda, o borracheiro constatou que não havia vazamento algum. Animado, retomei meus planos, calibrando o pneu, enchendo o tanque e voltando à estrada. Mais adiante, comecei a cruzar a reserva do Rio Xingu e atravessei o rio de balsa, admirando uma paisagem deslumbrante em uma região pouco povoada. Rio extenso, de águas calmas e esverdeadas. O governo deu a balsa para os índios, que a operam cobrando uma taxa de R$ 50,00 para as motos.  

Resolvi tirar uma foto da máquina. Curiosamente, um índio que estava por ali, ao perceber que saíra na foto, cobrou-me R$ 10,00 por ela! Descendo da balsa, peguei novamente alguns quilômetros de terra, até conseguir chegar a uma venda à beira da estrada. Reparei que meu pneu estava murchando de novo, ainda que lentamente. Mais adiante, encontrei uma vendinha, onde saciei minha sede – fazia um calor e tanto! Lá dentro, três pessoas assistiam à final da Copa do Mundo, disputada entre França e Croácia.

Perguntei se havia alguma borracharia nas redondezas. Sem tirar o olho da TV, o dono do bar respondeu que eu teria que rodar 70 km para encontrar uma – e caso meu pneu murchasse de vez, eu poderia pedir ajuda para algum caminhoneiro, pois eles tinham compressores para enchê-lo. E lá fui eu, no meio do nada, em plena reserva do Xingu, sob um calor de 34 graus, em busca da borracharia, enquanto o mundo parava para ver a final da Copa!

Encontrei uma borracharia ao lado de um boteco – os dois estabelecimentos eram administrados pela mesma família. Fui convidado por eles para almoçar e aceitei na hora! Parte da aventura era justamente interagir com as pessoas da região e conhecer o cotidiano de brasileiros que vivem em lugares distantes do país.  Agradecido, me despedi de meus anfitriões e percorri aproximadamente 40 km até chegar a uma estrada asfaltada na cidade de Matupá (MT).

Por causa da roda amassada, minha moto vibrava muito. O pneu também estava perdendo pressão. Decidi manter o roteiro original apontando para o norte e ir para Castelo dos Sonhos (PA), passando pela Serra do Cachimbo. Na pequena cidade, encontrei uma lanchonete, onde matei a fome e puxei conversa com um senhor que estava ao meu lado. Reparei que, de vez em quando, ele esfregava as costelas, visivelmente incomodado. Perguntei a razão daquilo e ele me contou uma história de arrepiar os cabelos: o homem fora baleado recentemente. “A gente não pode permitir que um sujeito bata na filha da gente, não é? Dei um jeito nele. Agora, não está mais aqui para contar a história. Mas o diacho é que ele me feriu”! Eu vivenciava a realidade de um dos rincões mais esquecidos do Brasil, muito diferente do meu cotidiano.

QUE VENHA SINOP!

No dia seguinte, ao amanhecer, eu planejava partir rumo à cidade de Sinop (PA) – seriam 442 km até lá. Mas decidi mudar o roteiro e esticar até Cuiabá (MT), ou seja, fiz 920 km em um dia. Durante o trajeto, tive que calibrar o pneu umas cinco vezes, já que ele vazava. Cheguei à noitinha, exausto, e fui para o Getúllio Hotel, pretendendo dormir até o dia clarear, quando poderia ir atrás do conserto da roda. Eu tinha um bom motivo para me preocupar, já que havia combinado de encontrar meu filho no aeroporto de Cuiabá. Ele viria de avião para compartilhar parte da viagem comigo. Foram dois dias para comprar as peças e consertar a moto.

Feito isto, relaxei e fui ao encontro do meu filho. Pegamos a estrada juntos até a Chapada dos Guimarães e, mais tarde, nos hospedamos na Pousada Cambará, que era um pouco afastada do “centrinho” da cidade. Visitamos o Parque da Chapada e tomamos um banho de cachoeira. Depois, fomos conhecer a cachoeira do “Véu da Noiva”, formada pelo Rio Coxipó e com 86 metros de queda livre, para, em seguida, admirarmos o pôr-do-sol no “Mirante Alto do Céu”, considerado um dos três pontos mais bonitos do país para a ocasião. Dali, temos uma vista completa de Cuiabá. Fizemos nossos passeios e uma boa refeição à noite. Eu tinha planos de conhecer ainda mais os arredores na manhã seguinte – até descobrir que faltava um raio na roda traseira da moto!

Precisei retornar a Cuiabá para resolver o problema. Só depois seguimos na direção de Bonito (MS). Eu e meu filho percorremos 563 km da Chapada dos Guimarães até São Gabriel do Oeste (MS). Dormimos em um hotel de beira de estrada e, no dia seguinte, andamos 449 km até Bonito. Chegamos por volta das 13h e nos hospedamos na Eco Pousada Villa Verde. Entre os passeios que fizemos por lá, destaco o “Buraco das Araras”, considerada a maior “dolina” da América Latina, com 127 m de profundidade e 500 m de diâmetro. Avistamos uma grande concentração de araras vermelhas nos paredões rochosos e avermelhados, formando pares e construindo ninhos.

No dia seguinte, fizemos um passeio de flutuação pelo Rio Sucuri. Vimos a nascente do rio e suas águas translúcidas, que refletem uma cor meio azulada, onde existem diversas espécies de peixes. Para chegar lá, foi preciso entrar em uma fazenda (propriedade privada). Todos esses passeios são pagos e feitos com guias e devem ser reservados com antecedência. A 8 km de Bonito, é possível visitar a gruta de São Mateus. Ao lado dela, há um pequeno museu (Kadiwéu) com animais típicos da região, empalhados, além de objetos que remetem à história da região. À noite, fomos conhecer o aquário da cidade. Deixamos para o último dia a visita à Lagoa Misteriosa, com suas águas cristalinas e seus mais de 220 m de profundidade. Mergulhei e pude sentir sua aprazível temperatura de 22 graus.

Encerrei o passeio com um jantar especial: pirarucu ensopado, no simpático restaurante “Casa do João”, lugar com uma bela decoração e uma lojinha de artesanato com produtos típicos. Na manhã seguinte, me despedi de meu filho, deixando-o no aeroporto de Bonito. Dali, parti sozinho, apontando a proa para Jundiaí e percorrendo 1.176 km até chegar em casa. No total rodei 6.344 km em 12 dias. Compartilhando essa experiência com meus colegas de trabalho e outras pessoas não acostumadas com viagens de motos, fui chamado de louco por ter atravessado a reserva do Xingu completamente sozinho. Louco, eu? Sim – por motos! Mal posso esperar por minha próxima viagem!

CONFIRA A GALERIA DE FOTOS: