Um aventureiro, uma enorme vontade de conhecer outros países e outras culturas a bordo de uma motocicleta e uma decisão: fazer tudo isso sozinho, para nenhum detalhe passar batido. Confira esse relato!
Texto e fotos: Fábio Amorim Soares
Portugal
O paulistano Fábio Soares, de 53 anos, chegou a Portugal, alugou uma BMW F800 GS e percorreu mais de 2 mil quilômetros com um objetivo claro: conhecer lugares incríveis e, até então, desconhecidos. Acompanhe a narrativa nas palavras do próprio viajante.
“Estava com viagem marcada em novembro deste ano para o Atacama com amigos, mas, por compromissos familiares que surgiram, tive que desmarcar. Então decidi: Vou fazer uma viagem solo de moto por Portugal, em setembro. Planejamento rápido, pesquisei locadora e possíveis destinos. Passagens na mão, trajeto e hotéis ficaram para serem decididos na hora.
Aluguei uma BMW F800GS 2017 novinha, com 3.000 quilômetros rodados e um GPS Garmin ZUMO, pois são os equipamentos que utilizo no Brasil em minhas viagens. A moto é igual aos modelos vendidos por aqui, com duas pequenas diferenças: possui um modo a menos no setup de condução e algumas informações a mais no painel. De resto é tudo igual. Ela veio com top case, malas laterais BMW e pneus Anekee III. Assim que montei na motocicleta, em Lisboa, resolvi fazer um bate e volta para Óbidos, distante 90 km de onde eu estava. Configurei o GPS para evitar autoestradas, pedágios e cidades populosas, ou seja, iria pelas estradas secundárias, passando por dentro de vilas e aldeias. Era tudo o que eu queria!
Saindo de Lisboa, até acabar a região metropolitana (aproximadamente 50 km), levei cerca de 1h30. Muito trânsito e ruas pequenas sem grandes atrativos. Seria mais rápido e melhor eu ter ido até a freguesia de Cheganças pela Auto Estrada (vias expressas de três pistas, com velocidade máxima de 120 k/h, designadas pela letra “A”, seguida do respectivo número) e dali pegar as Estradas Nacionais (“N”) e os Itinerários Complementares (“IC”) até Óbidos. A partir de Cheganças a paisagem mudou. Pistas estreitas muito bem asfaltadas cortando diversas aldeias que, de tão pequenas, mal dava para contar até 20 entre seu começo e fim. Casas grudadas no asfalto, sem calçadas, prédios com arquitetura histórica, enfim, a paisagem característica do interior de Portugal começava a aparecer.
Beleza contagiante
Passei por diversos lugares lindos até ver a placa indicando “Óbidos”. Seu castelo, citado num documento do ano de 1153, indica que sua construção é bem anterior a este período – é algo maravilhoso. Suas muralhas cercam a vila onde ainda vivem muitas pessoas. Passei o dia por lá. Depois de dar a volta completa pelas muralhas, caminhar pelas ruas de pedra e tomar um café num dos muitos locais que lá existem, recebi uma ligação do meu amigo Filipe Batalha, residente em Lisboa. Ele estava em Cascais e me chamou para ir lá. Cem quilômetros de distância? Vai ser rápido! Dirigindo pela Auto Estrada para chegar mais rápido, fui ver o pôr do sol (às 20h) na Boca do Inferno, em Cascais (costa rochosa muito linda). O final de tarde foi maravilhoso! Voltei a Lisboa lá pelas 22h, com a temperatura marcando 17º C.
No dia seguinte, pela manhã, deixei Lisboa rumo ao Porto, passando por Figueira da Foz, em vez de Coimbra. Foi cerca de 325 km pelas Estradas Nacionais e Itinerários Complementares. Uma característica dessas estradas é que elas sempre, em algum momento, cortam ou acompanham paralelamente as Auto Estradas, ou seja, se, por algum motivo, o viajante quiser sair das vicinais, basta rodar alguns minutos que encontra uma entrada para a autopista. Tantas coisas para ver e fotografar no caminho que demorei o dia inteiro para chegar ao Porto. Lugar apaixonante! Ribeira, Foz do D’Ouro, Castelo do Queijo (1661), Ponte D. Luís I, Forte de São João Baptista (1560), ótimos restaurantes à beira do D’Ouro. Muitas atrações internacionalmente conhecias.
Tendo o Porto como base por quatro noites, saí na primeira manhã para um bate e volta até Guimarães, local onde nasceu Portugal através de D. Afonso Henriques. Linda! Seu castelo, construído no século X, é muito bem cuidado, não tem muitos atrativos por dentro, mas conta a história do País de forma cronológica e divertida. Está situado numa pequena colina cercada por um parque. Poucos metros dali fica o Paço dos Duques, construção do século XV com interior decorado com os móveis originais daquela época. Vale a pena visitar. Retornei à “base” e, na outra manhã, passei por Braga em outro bate e volta. No último dia, antes de deixar Porto rumo a outros lados, acordei e vi que o tempo estava lindo. Sol a pleno. Depois do café, saí para o destino traçado: fui conhecer onde meus avós nasceram em 1886, São João da Fontoura, Viseu.
Hospitalidade inesperada
A partir de certo ponto, partindo do Porto, a estrada margeia o Rio Douro por quase todo o percurso. Muito sinuosa, asfalto impecável e vistas deslumbrantes. N108 e, na sequência, N222. Depois de visitar a aldeia de São João da Fontoura e sua praia fluvial, no caminho de volta, com estradas secundárias sempre belas, vi um portal na entrada de uma pequena rua de pedra. Fiquei curioso e a segui. Desci a rua bem devagar. Lá embaixo havia uma casa de onde saiu um senhor rústico que, com muita educação, me alertou que ali era uma propriedade privada, não aberta ao público. Pedi desculpas pela invasão e já estava manobrando para retornar quando perguntei se ali era uma Quinta. Ele se aproximou e começamos a conversar. Resumindo: o homem, chamado Abel, acabou me mostrando toda a propriedade, incluindo onde produzem vinho de forma artesanal para consumo exclusivo dos proprietários da Quinta. Abriu as portas da casa principal para que eu a conhecesse, mostrou a plantação e permitiu que eu colhesse um cacho de uvas deliciosas. Fato inédito para mim. Nunca havia cortado um cacho e comido uvas direto no pé, aliás, nem tinha visto uma videira.
Depois de alguns dos locais conhecidos por todos que visitam Portugal, chegou a vez de conhecer aqueles lugares “fora do eixo”. O próximo destino seria uma aldeia localizada a cerca de 180 km do Porto. Chama-se Piódão. Saí cedo, como sempre e, em certo momento, após vários quilômetros naquelas pequenas estradas características, comecei a subir a Serra do Açor. Paisagens de tirar o fôlego. Quanto mais andava, mais tinha vontade de que o caminho se prolongasse por 100, 200, 300 quilômetros, de tão belo o cenário. Sol, céu azul intenso, pista estreita, mas com asfalto grosso perfeito. Infelizmente, foi um trecho pequeno, e não durou os vários quilômetros desejados. Chegando no topo da Serra, começo a descer. Algum tempo descendo por um trecho muito sinuoso que lembra aqueles “caracoles” andinos, surge Piódão. Um caso à parte! “Cidade presépio” do século XIII. Encravada nas encostas da Serra do Açor, com suas casas de xisto, portas azuis e 222 habitantes. Parece um cenário de filme medieval. Por suas ruas só passam pessoas e as escadas são maioria. Carros, só estacionados embaixo. Fiquei muito tempo andando e fotografando por lá. Imperdível!
Ao acordar na manhã seguinte, vi que havia uma neblina intensa. Tomei café e fui encarar a falta de visibilidade. Frio (11º), visibilidade de 30 m, mas conforme aumentava a altitude, o nevoeiro se dissipava. Três quilômetros adiante, cheguei a uma piscina natural de água fluvial maravilhosa. Aldeia de Foz d’égua. Alguns minutos apreciando e fotografando aquele lugar, é hora de seguir pela Serra do Açor. Quanto mais andava, mais apaixonado por ela eu ficava. Percorrendo por dentro de diversas vilas, a impressão que dá é que o tempo não passa por aqueles lados, ou passa muito devagar.
De uma serra para outra, uma passada rápida pelo ponto mais alto de Portugal continental localizado na Serra da Estrela. Trata-se de uma cordilheira majestosa, com suas rochas gigantescas, que pertence aos Distritos de Guarda (85%) e Castelo Branco (15%). No inverno é uma estação de esqui. Sua estrada, com piso impecável, tem inclinação máxima de 12º. No topo, uma torre indica o cume do país. Demorei para chegar ao alto. Fiz diversas paradas para fotos e contemplação das indescritíveis vistas. Almocei por lá. Durante a refeição, pensei e olhei no Maps para onde iria. A “garrafa girou” e parou em Alcántara, na Espanha, distante 130 Km. A descida, do lado sudeste da serra, rumo a Covilhã, cidade mais próxima, mantém o êxtase frente à paisagem. No trajeto para a fronteira da Espanha as estradas mudaram de cara. Em certo momento o GPS indicou uma entrada à esquerda, mas era uma pista de uns de 3 metros de largura. Fiquei meio cismado, mas entrei. Feliz decisão! Tratava-se de um caminho rural cortando plantações e bem sinuoso. Lindo caminho!
Espanha, sua linda!
Nesse dia saí de Piódão com 11ºC. À tarde, a caminho da Espanha, estava 32ºC. Depois de muito calor, cheguei à fronteira Portugal/Espanha na província de Cáceres, região da Extremadura. Passei pela ponte romana sobre o Rio Erges e, 20 quilômetros mais tarde, cheguei aonde queria. Alcántara está situada na margem esquerda do Rio Tejo (Tajo em espanhol) e a ponte sobre ele foi a razão da minha ida. É a uma ponte romana do Século II d.C. (ano 106), construída por ordem do Imperador Trajano onde até hoje transitam carros e caminhões. Cruzei a pé e de moto várias vezes, admirando aquela obra romana. Não me cansei de apreciá-la. Alcántara, cidade medieval, é maravilhosa, muitos prédios seculares, com pessoas muito receptivas e lotada de gatos. Passei a noite na Hospedaría Conventual, um convento do século XV transformado em um ótimo hotel.
Outro dia, outra estrada! Durante o café escolhi o próximo destino. Évora, no Alentejo. Em vez de voltar pelo mesmo caminho, resolvi seguir pela Espanha, num total de 220 km. Estradas com características totalmente diferentes das vividas até então. Longas retas, vastas planícies e vegetação que lembra o nosso cerrado. Calor, muito calor, e umidade relativa baixíssima. Em certo momento, avistei bem longe uma edificação sobre uma colina. Fiquei curioso. Quando cheguei à cidade de Albuquerque, descobri que aquela edificação era o Castillo de Luna do século XIII. Dei sorte: a visita guiada começava em 30 minutos. Uma aula de história.
Na fronteira Portugal/Espanha uma curiosidade: nada informava os limites entre os países. Quando vi, já estava em Elvas, Portugal. Cheguei a Évora, deixei a moto na garagem do hotel e, depois de fazer o check-in, fui conhecer a “Cidade Museu”, declarada Patrimônio Mundial pela Unesco. Museus, Praça do Giraldo, Templo Romano (em restauração), a sinistra Capela dos Ossos (século XVII), cujas paredes são revestidas com centenas de ossos e crânios humanos. Na entrada a frase: “Nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos” é bem sugestiva. Rodei muito pelas vielas que mal passavam um carro. Fiquei por lá duas noites.
Infelizmente, a trip estava acabando. Hora de voltar a Lisboa. Meu amigo Filipe Batalha deu uma dica: “Volte pela Serra da Arrábida, em Setúbal”. Uns quilômetros a mais é sempre bom. Ótima dica! Atlântico visto do alto. Lindo! Foram os 150 km finais. Lisboa, ou LX para os íntimos, é magnífica. Cidade linda, acolhedora e organizada. Com a motocicleta já descansando na locadora, dei uma esticada até Sintra na companhia de meu “personal guide” Filipe. Sintra dispensa comentários.
Foram 2.055 km rodados, em 10 dias, por um país homogêneo, espetacular, onde as leis de trânsito são levadas a sério, principalmente faixas de pedestres. É muito importante saber disto. Nenhuma chuva. A gasolina custa em média 1,40 euro. Postos de gasolina não faltam, não há com o que se preocupar. Funcionam no sistema “self service”. Boa comida, a preço justo, em todos os lugares por onde passei. A moto se comportou muito bem. Seu consumo foi o esperado: cerca de 17 km/l. Que venha a próxima aventura!
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