Antonio João e Esperança Dominguez, de Campinas (SP), rodaram 10 dias pela ilha sul de um dos países mais distantes do Brasil: a Nova Zelândia
Texto: Antonio João Filho
Fotos: Antonio João Filho / Esperança Dominguez
Nova Zelândia
Dizem que uma das melhores coisas da viagem é o planejamento. E mais uma vez, comprovamos que é verdade. Depois de termos rodado na Espanha, Canadá e EUA, começamos a considerar uma viagem para algum lugar bem distante. E foi conversando com alguns amigos que já haviam visitado a Nova Zelândia que decidimos por este destino. A partir daí, Esperança Dominguez, que organiza toda a viagem, partiu para a pesquisa e encontrou uma fartura de informações com excelentes recomendações. A primeira delas foi desistir de incluir a Austrália no roteiro, que é uma tentação quando se pensa em ver o máximo de locais possíveis, já que vamos para tão longe. Já a principal referência foi o New Zealand Motorcycle Atlas, do autor Peter Mitchell, e que nos permitiu elaborar dezenas de roteiros, tanto pela ilha sul como pela norte. Só para ter uma ideia da dimensão do país, ele é praticamente dividido em duas ilhas, cada uma com aproximadamente a extensão do estado de São Paulo. A grande diferença é a quantidade de pessoas que vivem por lá: são apenas 4 milhões de habitantes, cuja maioria está na ilha norte e tem na cidade de Auckland a maior concentração, com 1,1 milhão de habitantes.
Outra fonte de informação foi o livro com a localização das filmagens da trilogia “O Senhor dos Anéis”, dirigida pelo neozelandês Peter Jackson, que caprichou muito na escolha dos cenários naturais.
O ROTEIRO
No final, escolhemos um roteiro de 10 dias pela ilha sul e reservamos mais uma semana para a ilha norte, só que com carro. Escolhemos uma locadora que pudesse oferecer uma moto BMW 1200 GS com as malas necessárias, parecida com a nossa, e definimos o ponto de partida e chegada em Christchurch, que é a maior cidade da ilha sul.
As informações de que o país é muito seguro e as estradas muito boas, apesar da maioria ser de mão-dupla, nos fizeram relaxar, mas a perspectiva de dirigir pela mão contrária do Brasil nos deixou ansiosos. Decidimos acrescentar um dia de carro alugado antes da viagem de moto para nos acostumarmos, decisão acertada e que nos deu mais confiança.
O roteiro percorrido com a GS, uma volta pelas costas leste e oeste da ilha sul no sentido horário, de cerca de 2.700 km, começou em Christchurch, passando por Lake Tekapo, Twizel, Dunedin, Invercargill, Te Anau, Milford Sound, Queenstown, Fox Glacier, Hokitika, Arthur Pass e retornando para Christchurch.
PISTAS DA TERRA MÉDIA
Para nós, que dirigimos na mão direita, a recomendação é simples: dirija na esquerda e não se preocupe com carros e caminhões que vêm na contramão, daqui! Pronto, em dois dias seu cérebro já está acostumado.
As estradas são boas, todas de mão dupla, a maioria sem acostamento e sempre que cruzam um dos inúmeros riachos tem a pista reduzida de forma a passar somente veículos num sentido de cada vez. A regra é deixada clara pelas placas que informam qual o sentido tem a preferência. Devemos ter passado por centenas destas pontes, sempre todas bem sinalizadas, com os dizeres “one lane bridge” pintados no asfalto. E por falar em asfalto, lá eles usam muita brita e pouco asfalto, de forma a deixar a pista com muita aderência, facilitando tombar a moto em curva sem reduzir a velocidade. Passamos por muitas equipes de manutenção que estavam preparando as estradas para a estação das chuvas que precede o inverno, sempre com muita sinalização para orientar os motoristas.
Notamos uma quantidade muito grande de pequenos animais peludos atropelados nas estradas. Perguntamos e nos disseram que são os “possum”, animais marsupiais do tamanho de um gato e que foram introduzidos no país no século XIX para prover pele para casacos. Muitos escaparam e hoje se calcula que são mais de 50 milhões, constituindo uma praga, já que destroi florestas e ninhos de Kiwi.
A velocidade máxima no país é de 100 km/h e não importa que a estrada tenha condições e traçado para mais. É 100 km/h, e pronto! Na entrada de cada cidade, há uma placa enorme com o nome do local e a velocidade no perímetro urbano, que vai de 80 a 50 km/h. E na saída também, permitindo voltar para a velocidade máxima. Fomos orientados diversas vezes sobre as pesadas multas por excesso de velocidade e vimos que as regras são extremamente respeitadas. A existência de faixas de ultrapassagem nas estradas é informada com 4 km de antecedência e, depois, com 400 m. Ou seja, não precisa ficar desesperado para ultrapassar, pois logo mais haverá um trecho com esta possibilidade. Isso, no Brasil, custaria pouco e certamente salvaria muitas vidas. Ainda sobre estas faixas, somente quem for efetivamente ultrapassar é que as utiliza. Não há necessidade de se preocupar em ultrapassar caminhões. Eles são enormes, andam no limite da velocidade e a relação carga/potência do motor é respeitada.
COSTA LESTE
Assim que pegamos a moto, já saímos em direção ao sul, deixando a região urbana para cair na área rural que domina quase toda a paisagem da costa leste. A primeira parada antes do pernoite em Twizel foi em Lake Tekapo. O local tem um lago azul turquesa e alimenta duas usinas hidroelétricas e que devolvem as águas ao lago. Na margem, logo na chegada pela rodovia 44, temos dois monumentos bem conhecidos pelos turistas que visitam a região: a estátua de bronze do cão pastor, em reconhecimento à importância no manejo dos rebanhos de ovelhas e gado, e a capela do “Good Shepard” (“Bom Pastor”) que, além da localização, tem uma janela atrás do altar (pela vista espetacular do lago, é muito procurada para casamentos). Demos sorte e até acompanhamos um, meio constrangidos, com nossas roupas de motociclistas e capacetes.
Twizel foi nossa base para a visita ao Parque Nacional do Monte Cook. A estrada de 65 km margeia o lago Pukaki e é um espetáculo. Composta por curvas leves e trechos em aclives, dá uma vista permanente do lago refletindo a floresta. Conforme nos aproximamos do destino, Aoraki / Monte Cook se mostra cada vez mais impressionante. É a montanha mais alta do país, com mais de 3.700 metros, sendo composta por três picos.
Uma curiosidade: em respeito ao povo Maori, primeiros habitantes das ilhas, diversas designações de montes, rios, lagos e praias têm seu nome precedido pela palavra indígena original. Por sinal, há uma grande preocupação de preservação da cultura Maori, com escolas que dão aulas nas duas línguas e incorporação de seus costumes pela população de origem inglesa, a começar pelas tatuagens. Também há emissoras de rádio e televisão em Maori.
Partimos em direção a Dunedin, que, em Celta, significa Edimburgo, dando uma pista de que chegaríamos a uma cidade escocesa. Dito e feito. Antes de chegar lá, percorremos estradas com paisagens de beleza impressionante, entre lagos e rios, com fazendas de criação de veados e ovelhas. A Nova Zelândia tem uma média de 40 ovelhas por habitante e fama de ser um dos maiores poluidores do mundo no que diz respeito ao gás butano. Mas podemos afirmar que nada disso foi percebido no ar puro que entrava por nossos capacetes. Uma dica para quem quer roupa de baixo térmica é comprar peças feitas com merino, lã especial que tem a característica de ser fina e manter bem a temperatura do corpo.
PASSEIO DE BARCO
Deixando Dunedin e Invercargill para trás, a cidade onde viveu Burt Munro, o aficionado por motos Indian que inspirou o filme estrelado por Anthony Hopkins, chegamos a Te Anau, que seria nossa base para visitarmos Milford Sound, uma das duas estradas com nota máxima no Atlas. A estrada de 95 km é incrível, com alternância de florestas, lagos espelhando as montanhas e descampados. Para chegar a Milford Sound é preciso atravessar um túnel em declive, escuro e escavado em pedra, com veículos num sentido apenas. Mas o estresse compensa, pois a vista na pista em curvas em cotovelo e descida entre as montanhas só perde para a beleza do fiorde onde fizemos um passeio de barco, chegando até o Mar da Tasmânia. Na volta pegamos a única chuva na estrada durante os dez dias. Mas havia um bom vinho local nos esperando em Te Anau para nos aquecer.
ESPORTES RADICAIS
Seguimos para Queenstown, a Meca dos esportes radicais, onde qualquer local com mais de 20 metros de altura é motivo para instalar um bungee-jumping ou pular de paraglide. Para chegar, utilizamos a rodovia 6, que margeia o lago Wakatipu. Queenstown é pequena, mas muito agitada. Um pico servido por teleférico proporciona uma vista maravilhosa da baia e montanhas que cercam a cidade. A comida é boa, com muito peixe e frutos do mar. Os vinhos locais são ótimos e têm bons preços.
GLACIAIS E FLORESTA TROPICAL
Continuamos a viagem e paramos em Fox Glacier, na base da geleira que tem o mesmo nome, onde fizemos passeio de helicóptero que nos proporcionou outra visão do Monte Cook e de outras duas geleiras, a Franz Joseph e a Tasman. A sensação de pousar com o helicóptero lá no alto e caminhar pela geleira é sensacional. O curioso é que, em uma distância de 4 km, saímos da geleira e chegamos à praia, passando por uma floresta tropical cheia de cascatas e samambaias, cujo broto é o símbolo do país.
COSTA OESTE
Nossa última parada antes de retornarmos a Christchurch foi Hokitika, pequena cidade famosa por suas joias. Saindo de Hokitika para nosso último dia da viagem de moto, reservamos a melhor estrada classificada no Atlas, cruzando os Alpes do Sul pelo Arthur’s Pass. Estávamos ansiosos para fazer este trajeto, pois todos os motociclistas que encontramos pelo caminho falavam daquela passagem. Não nos decepcionamos: a beleza da estrada, serpenteando pelos vales das montanhas, cortando lagos e florestas, é indescritível! Paramos em um ponto de observação e nos deparamos com diversas “keas”, que são os papagaios alpinos, com pelo menos o triplo do tamanho de seus parentes brasileiros. São muito curiosos – e um deles até levou um pedaço de biscoito e comeu tranquilamente em cima do “top case” da GS! Mas, como tudo o que é bom dura pouco, retornamos a moto à locadora e voltamos ao hotel onde deixáramos nossas malas. Mal desconfiávamos que três dias depois de deixarmos Christchurch, esta seria sacudida por um terremoto devastador – o saldo foram165 mortos e muitos desalojados. Ficamos chocados, pois desenvolvemos uma relação afetiva com a cidade.
Mas a viagem não terminou ali. Pegamos um voo para Auckland e, de carro, fizemos parte da ilha norte, passando por Rotorua e Tauranga – e lá mesmo decidimos que voltaríamos outra vez para percorrer de moto esta parte da Nova Zelândia, que, como a ilha sul, para sempre estará em nossas mentes.
DICAS DOS VIAJANTES
Moeda: Dólar Neozelandês $1,00 = R$ 1,27
Mão de direção à esquerda
Locadora de motos: New Zealand Motorcycle Rentals & Tours
Aluguel de moto: $350 (NZD)/dia com todos os seguros incluídos
Custo do litro de gasolina: $2,10 (NZD)/litro
Hospedagem: média de $200 (NZD)/dia no Scenic Hotel Group
Alimentação: média de $70-80 (NZD) por casal /
Vinho local: $40 (NZD) a garrafa
Fuso horário: + 15 horas no horário de Verão
*Matéria publicada na edição #126 da revista Moto Adventure.