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Patagônia

Viajar de moto pela longínqua e imprevisível região da Patagônia é incrível. Mas a emoção é ainda maior quando você divide essa aventura entre amigos numa convivência de 39 dias

Texto: Natal José Dias
Fotos: Grupo da Viagem/Divulgação

Confira a Parte 1 do roteiro.

RUMO AO USHUAIA

Saímos cedo de Bariloche, com muito vento, frio e chuva. O trecho de descida da Cordilheira foi tenso, pelas condições da pista, escorregadia, água na transversal e pedras que rolaram das encostas.

E novamente com muito sol no deserto, a Ruta 40 nos apresentou suas credenciais. Rípio de pedras amarelas, grandes e redondas, aquelas de fundo de rio, foi nosso piso por longos e intermináveis quilômetros.

Quando surgiu o asfalto paramos, nos divertimos com a adversidade e tratamos de recolocar peças que caíram ou afrouxaram, como mola do descanso, tanque extra de gasolina e bagagem. Seguíamos pela Ruta 40 quando, numa região de baixa vegetação, um vento fortíssimo nos acolheu. As motos tinham de ser mantidas aos 45º e, mesmo assim, o vento nos levava para o outro lado da pista. E para voltar era uma gigantesca luta.

Veículos em sentido contrário, percebendo nossa luta, chegavam a parar até que passássemos, para evitar colisões. Vimos vários veículos tombados ao lado da pista, certamente desviados pelos ventos.

Percorremos aproximadamente 80 quilômetros assim e era impossível parar. O grupo se dispersou e foi se reunindo aos poucos. Vencemos o desafio e abastecemos em El Bolson, Esquel e fizemos nosso pouso em Gobernador Costa, num único hotel acomodando três pessoas por alojamento.

Depois seguimos pelas Rutas 20, 26 e a famosa Ruta 3. Caleta Olivia foi apenas o nosso ponto de descanso e retomada das forças para enfrentarmos a Ruta 3 com suas adversidades de trânsito, vento e os perigos dos animais silvestres andando pela pista. Bandos de guanacos, apesar da vegetação desértica, pastam soltos ao longo de toda rodovia. Aves e lebres também apareceram e fizeram parte desse dia de trajeto até Rio Galegos. Vale citar que os postos de abastecimentos (quando tem gasolina) são poucos e, se você não tomar cuidado, a pane seca é certa.

Chegamos a Rio Galegos com chuva, frio e em busca do hotel para nos servir de abrigo. Fizemos um passeio a pé pela pequena cidade portuária, para comprar os ingredientes do café da manhã seguinte, pois sairíamos às 5h00, e achamos um restaurante onde degustamos o melhor cordeiro de toda Patagônia.

Depois de uma noite de sono seguimos para a fronteira entre Argentina e Chile e dali fomos até a balsa que nos transporia pelo famoso Estreito de Magalhães até a Tierra Del Fuego.

DESAFIOS

Ilha adentro tivemos de encarar mais um trecho do temido rípio, que se apresentava em três versões possíveis a serem escolhidas: caminho mais curto e rípio fofo, caminho de rípio e areia e caminho mais longo de melhor piso. Seguimos então até o vilarejo próximo e, no único posto de abastecimento, ouvimos e acatamos a sugestão: seguir pela rota mais longa, porém com 22 km de asfalto e rípio batido. Percorremos assim um trecho de 104 km de rípio alternando entre muito seco, úmido, batido e solto. Chegamos a San Sebastian cansados, empoeirados, mas satisfeitos. Depois de mais duas aduanas e lá estávamos abastecendo em Rio Grande, em território argentino, na última parada até Ushuaia. A visão da pequena cordilheira para se chegar à Bahia do Ushuaia foi se aproximando.

E, entre a cidade de Ushuaia e a placa “Fim do Mundo”, no Parque Lapataia, surgiu uma estrada de 26 km de muita areia, pontes de madeira estreitas, curvas e mais curvas. Ali um dos motociclistas perdeu o controle de sua H-D Haritage numa curva e sofreu queda espetacular e perigosa. Por sorte, além dos hematomas, alguns amassados e o ego ferido nada mais grave ele sofreu.

Pouco depois chegamos à famosa placa do “Fim do Mundo” e fizemos fotos na placa histórica com nossas motos. Depois fomos para Ushuaia.

USHUAIA

Ushuaia é conhecida como a cidade onde o mundo acaba. Mas isso não é bem verdade. Digamos que seja a última cidade de algum porte antes da Antártida. Localiza-se na Terra do Fogo, Argentina, 3.500 km ao sul de Buenos Aires.

Lá o clima é frio, mesmo no verão. Há a presença constante do vento que vem da Antártida. Sob o sol, você sente ele te queimar (ali o buraco da camada de ozônio está bem em cima de você), mas continua sentindo o vento frio. Se for para a sombra precisa colocar o casaco. A temperatura média em janeiro fica em torno dos 10°C, com 20 horas de sol. Suas estradas estão repletas de ciclistas e motociclistas.

PARQUE NACIONAL TERRA DO FOGO

Esse é o parque mais austral da América do Sul e é enorme (63 mil hectares). Ocupa seis quilômetros do Canal de Beagle, fazendo divisa com o Chile. Localiza-se a 11 quilômetros da cidade. Vê-se de tudo no parque: coelhos, raposas, castores e muitas borboletas e lagos azuis, cor de anil e o último posto de correio do continente.

Ali a dica é fazer um passeio de carro 4×4 e barco pelo Canal de Beagle até Pinguinera. É um passeio memorável. Dura cerca de 8 horas, passando pelas estradas de terra e pedras vulcânicas e chega-se até um museu, de barco, a uma pequena ilha, moradia dos pinguins. Descemos na ilha e visitamos os ninhais. Fizemos ainda passeio no “trem do fim do mundo”, visitamos um antigo presídio e o Glaciar Martial. Curtimos ainda a gastronomia da cidade, que é farta e variada, com destaque para o cordeiro patagônico, frutos do mar e legumes assados. Depois disso tudo, começamos o retorno às nossas casas.

VOLTA

Saímos às 6h00 da manhã e o frio estava abaixo de zero, cortava as luvas deixando as mãos sem circulação. Pilotamos sem parar até a cidade de Rio Grande, onde abastecemos, tomamos chocolate quente e lanches, seguindo para as aduanas com o Chile. Pilotamos no rípio, pegamos a balsa do Estreito de Magalhães, alternando de novo pilotagem em rípio e asfalto até finalmente chegarmos a Punta Arenas, considerada cidade de entrada para o turismo na região dos lagos chilenos. Punta Arenas tem boa gastronomia, belas praças e prédios históricos, assim como bons cassinos. Na verdade a passagem por Punta Arenas foi mais um registro histórico e repouso, pois nosso objetivo era chegar a Puerto Natales (Chile). Acolhedora, Puerto Natales, com 20.000 habitantes, mantém seus traços coloniais. Com boa gastronomia, muito frio, mar azul do Pacífico e ventos fortes uivantes, essa localidade foi base para mais alguns passeios, como visitar Torre Del Paine, um parque nacional situado no sul do Chile. O parque, com a incrível beleza de sua geografia, flora e fauna, atrai visitantes de todo o mundo e tem uma sucessão de bosques, montanhas, lagos e lagunas, fiordes, geleiras eternas, campos de flores. É um programa fantástico para todos que viajam para a região e é, sem dúvida, um dos lugares mais lindos do mundo. Ali visitamos o Lago Nordeskjold, Lago del Toro, Lago Grey e seu incrível glaciar, o Lago Pehoe, incrivelmente azul, e o maciço Paine, que é especial, devido ao seu conjunto de montanhas distintas, sempre cobertas de neve. Infelizmente, as duas noites e passeios nessa região não foram suficientes para se ver tudo. Dali as Harleys cortaram novamente as estradas rumo a El Calafatte. Uma dica: já está asfaltado um novo trecho – o Paso Dorotea. Outra dica é seguir até Esperanza, abastecer e evitar 64 km de rípio muito ruim. Aumenta a viagem em 60 km, mas vale a pena.

Pouco depois surgiram El Calafate e Perito Moreno (Argentina).

A Patagônia é um paraíso com lugares únicos como El Calafate, com os seus impressionantes glaciares. Ali, no Parque Nacional Los Glaciares, na província de Santa Cruz, surge um dos fenômenos naturais mais fascinantes do planeta: o espetáculo da ruptura. A ruptura ocorre com o crescimento dos glaciares, que bloqueiam a passagem do afluente e, com a pressão da água, um enorme bloco de gelo se desprende. Trata-se de fenômeno que não acontece com frequência, em média a cada quatro anos, mas a todo momento pequenos pedaços de gelo se desprendem e provocam estrondos. Fica a 80 km de El Calafate e possui uma superfície de gelo de 250 km quadrados e altura de 60 metros em relação ao nível do Lago Argentino, onde está localizado. Contratar o passeio com guia turístico é recomendável.

Dali seguimos viagem e subimos a Ruta 3 utilizando tanques extras de combustível. Depois, na cidade de Comandante Luiz Piedra Bueno, vimos que estávamos a 5.500 km de casa. Para meu azar, caí na banheira do hotel e fraturei três costelas. Enfaixei, tomei antiinflamatório e, no jantar, comuniquei aos amigos. Mas a dor era menor do que a vontade de concluir a expedição. Com ajuda dos amigos nas manobras paradas, estacionar e sair do estacionamento, resisti e rumamos para Comodoro Rivadavia, uma das maiores cidades portuárias da Patagônia Argentina.

Dessa região fomos até Buenos Aires. Nessa altura da viagem nossa média diária nas estradas estava entre 550 a 600 km rodados por dia.

NOVOS LUGARES

Puerto Madryn foi o objetivo do novo dia. Uma confortável cidade no litoral atlântico, acolhedora e com boa gastronomia. A tarde foi agradável, com passeios pela orla ao sol esquentando a pele e o vento trazendo uma brisa fria e apaziguadora. Com destino a Bahia Blanca, deixamos novamente a Ruta 3 para seguir por estradas nos campos argentinos interior adentro. Uma beleza interminável. Já em Bahia Blanca tivemos dificuldade para conseguir hotel para todos, mas tivemos ajuda de duas policiais argentinas para estacionar as motos e descarregar as bagagens. Fecharam o trânsito até que tivéssemos concluído as manobras, devidos ao tamanho e à quantidade de motos. Soubemos depois, no jantar, que as policiais tinham sido vítimas de críticas nas redes sociais por nos auxiliar.

De volta à Ruta 3, seguimos para Mar Del Plata e, no dia seguinte, para Buenos Aires, capital da Argentina. Fizemos uma viagem tranquila até a Capital Federal Argentina e à noite visitamos o tradicional Café Tortoni. Também deixamos as motos para a revisão, troca de óleo e pneus para alguns.

Duas noites revigoraram nossas forças e lá o casal Luiz e Claudia despediu-se do grupo retornando por outro caminho.

Depois utilizamos o Buquebus para atravessar o Rio da Prata para a colônia de Sacramento, no Uruguai. Uma dica é adquirir com antecedência pela internet o bilhete, com hora marcada e lugar garantindo no catamarã mais rápido e confortável.

Em Montevidéu visitamos a loja da Harley-Davidson da capital uruguaia, almoçamos no Mercado Municipal e tiramos uma boa noite de sono.

No dia seguinte fizemos a passagem por Punta Del Leste com destino ao Chuí, já no sul do Brasil.

TERRAS BRASILEIRAS

De Punta Del Leste ao Chuí (RS) viajamos embaixo de muita chuva. Despedimo-nos das terras uruguaias com um belo bife de chorizo e logo vimos a fronteira do Brasil, depois de 39 dias de estrada. Foi muito bom viajar em longínquas terras, mas retornar ao Brasil foi melhor ainda.

– Vale registrar que, em momento algum, fomos abordados por policiais de qualquer país.

– O trecho de rodovias do Chuí a Porto Alegre estava em bom estado, e obras de duplicação não chegaram a atrapalhar nossa viagem.

– Em Balneário Camboriú, fomos recepcionados pelos amigos da HT Turismo e por Wolney Max, com quem havíamos cruzado em Magalhães, no retorno deles do Ushuaia.

– Rodamos 39 dias através de 14.332 km. Fizemos 86 abastecimentos, nos hospedamos em 26 hotéis e consumimos aproximadamente 880 litros de gasolina por moto.

O companheirismo, tolerância e união do grupo foi o fator de maior sucesso nessa expedição.

Participantes desta viagem:

Natal José Dias, Hilda S. Dias,

Jorge David Moretto, Sonia Regina Hermini,

Luiz Orlando Frasson, Maria Angela B. Frasson,

Antonio Paulo Golim, Leila Gisolde Golim,

Luiz Antonio Fernandes, Claudia Rodrigues da Costa,

Antoni Martins Filho, Lucilene Fátima Cavassana,

Edmundo A. Canavezzi, Elizabete Dias Canavezzi,

João Eduardo Del Grossi, Ana Luiza S. Del Grossi e

Sérgio Moreira Bueno.

*Matéria publicada edição #168 da revista Moto Adventure.