Especial: Viajar e fazer o bem – Já é hora de você saber mais sobre o Turismo Voluntário

Texto: Márton Pederneiras
Fotos: Márton Pederneiras/Thales Monteiro/Márcio Machado/Sara Diva

Imagine se os quilômetros rodados fossem convertidos em sorrisos pelas comunidades que ladeiam as estradas que cruzamos com nossas motos? Não seria sensacional devolver um pouco da hospitalidade e das lembranças com as quais nossos destinos nos presenteiam? Pois este é o conceito do Turismo Voluntário: viajar e fazer o bem.  Os motociclistas Márton Pederneiras e Thales Monteiro, do site motoatitude.com, foram para a estrada vivenciar esta experiência na prática. Confira a trip dos aventureiros no relato de Márton Pederneiras, que transcrevemos a seguir.

CAMPINAS (SP) A GOIÂNIA (GO) – 850 KM

No primeiro semestre de 2013, fomos convidados a ir para a estrada com o pessoal da S.A.S Brasil (Saúde e Alegria para os Sertões). Assim começou uma experiência única para nós, motocilclistas, e para as pessoas que encontramos ao longo do caminho.

Era cedo, estava frio e escuro. A meta do primeiro dia de viagem era longa e resolvemos não perder tempo. Nem sinal do dia, ainda, e nossas motos Kawasaki Versys ganharam a estrada. Estávamos no mês de julho, em pleno inverno e fugindo da frente fria que já congelara o sul do Brasil (e que, agora, estava em nosso encalço enquanto avançávamos para o norte). Mas logo esfriou. E como! Mesmo equipados, sentimos a queda de temperatura. Assim, optamos por tomar um café da manhã bem quente e reforçado.

O posto estava lotado de motos. Pilotos e garupas de todas as partes, inclusive da Argentina, subindo para o evento Moto Capital, em Brasília (DF). Bom papo e muito café com leite, pão de queijo e chocolate, e já estávamos prontos para ver o sol nascer na estrada. Continuamos a viagem através de estradas boas e tranquilas. Paramos para almoçar em Uberlândia (MG), onde reencontramos os carros com o resto da equipe. Todos com sorrisos que refletiam a expectativa pelo que viria nos próximos dias e contagiados pelo fascínio das estradas. No dia seguinte, já em terras goianas, visitamos Anápolis para buscar alguns medicamentos doados pelo Laboratório Teuto Pfizer. Era tanto remédio que foi preciso chamar um carreto!

GOIÂNIA A PIENÓPOLIS (GO) – 130 KM

Deixamos Goiânia para trás e seguimos para Pirenópolis, uma cidade linda e que emana cultura em suas casas coloniais. Tudo sempre muito colorido. Artesanatos de todos os tipos ilustravam o folclore local e enormes cabeças de boi em papel machê adornavam as fachadas de algumas lojinhas. Alusão à Cavalhada, uma tradição festiva que é mantida até hoje e que remonta às lutas dos templários contra os mouros. Igrejas barrocas e comidas típicas temperam o clima da cidade.

O dia de ação foi repleto de crianças e atendimento médico. Como era de se esperar, a Versys causou admiração na garotada. Perguntei se uma delas queria dar uma volta e, quando retornei, já havia uma fila de voluntários prontos para experimentar o passeio (na verdade, só uma voltinha, mas curtida por eles aos gritos e gargalhadas). Passeios de moto, slack line, futebol descalço, mágica e muitas fotos preencheram o dia. À noite, o programa principal foi a estreia de um cinema itinerante com o espetáculo “Alegria”.

PIRENÓPOLIS A PORANGATU (GO) – 340 KM

Sobreveio um outro dia repleto de ação: acordamos cedo e montamos nossas tendas. A novidade é que a ação foi dentro da Vila dos Sertões, feita pela equipe que organiza o Rally dos Sertões. Assim, dentro desta vila “rallyzeira”, no final da manhã, começaram a chegar motos e carros empoeirados. Caminhões enormes se abriam e revelavam oficinas mecânicas completas em seus interiores, com uma infinidade de peças e pneus. Neste cenário, as crianças se divertiam e os adultos eram atendidos em tendas médicas. Fomos até um assentamento próximo para instalar o filtro do projeto parceiro Waves For Water. Por meio desta ação, a partir daquele momento, todos da cooperativa local de catadores de lixo passaram a consumir água potável.

PORANGATU (GO) A NATIVIDADE (TO) – 315 KM

Neste dia de viagem, o roteiro começou com 75 km de puro off-road para lavar a alma (e sujar as motos!). O terreno era relativamente fácil e aceleramos bastante. Mas a velocidade tem seu preço: inesperadamente, bancos de areia surgiam sob os pneus e a regra era manter a aceleração e pilotar “muito” para não ir ao chão.

Marcamos nosso encontro para o almoço em Peixe, próximo ao Rio Tocantins. Uma grande descoberta foi a Ilha da Tartaruga, no centro do rio. Conhecida como a “praia do Estado do Tocantins”, ela pode ser acessada por uma voadeira. E sob suas tendas, com água pelos joelhos, provamos um pescado do próprio rio. Enquanto esperávamos pela refeição e pela equipe que anda sobre quatro rodas, aproveitamos para dar um mergulho.

Natividade superou todas as expectativas. Na menor cidade que nos recebeu, montamos a Vila da Alegria na praça central, ao lado de uma igreja fantástica – em ruínas e originalmente levantada na época do ciclo do diamante. O povo espelhava a beleza e os encantos locais. Sob a devoção do Divino Espírito Santo, ouvimos as histórias e lendas de Natividade sob o repicar dos sinos de igrejas antigas, fábricas de Amor Perfeito ou brincando no rio que separa a cidade da serra. Um lugar mágico e encantador.

NATIVIDADE (TO) A MINAÇU (GO) – 300 KM

Em Natividade (TO) começou o nosso roteiro de volta. Naquele dia, a aventura se fez presente mais uma vez: encaramos 200 km por caminhos de terra que já foram de antigas especiais de rally. A pilotagem rolou solta sob o característico “Nescau” da região, além de descidas que somavam curvas e areia. Com algumas poucas paradas para fotos, seguimos acelerando e optando pela travessia de rios a pontes, quando possível. Se Natividade preencheu nosso espírito, o caminho que ladeia a Chapada dos Veadeiros impregnou nossos corpos de adrenalina e poeira.

Além da pilotagem, foi preciso navegar muito, pois havia lugares nos quais o GPS se tornava um “enfeite” e precisávamos recorrer aos mapas (quando o caminho bifurcava ou trifurcava pelas estradas de chão). Consequentemente os carros erraram o caminho. Entretanto, vale lembrar que, neste cenário incrível, “se perder” significa encontrar lugares novos para se admirar (como a travessia por balsa que perfaz um espelho d’água, duplicando a beleza da região). Minaçu foi a cidade com mais atendimentos médicos e com mais crianças participantes (500 delas, no total).

MINAÇU A GOIANÉSIA E GOIÂNIA (GO) – 310 KM

Este foi um dia que mesclou terra e asfalto. Cortando uma estrada simples, ladeada por cerrado, encontramos uma bela iguana atravessando o asfalto! Paramos as motos e, por alguns momentos, admiramos e fotografamos o inusitado animal. Depois de deixarmos nossa “amiga” fora de perigo, avistamos outras iguanas, além de lobos e urubus-rei. Fechamos aquele dia de “Safári à brasileira” com um banho em piscinas geladas, em meio às pedras de um rio nas proximidades de Goianésia. A ação em Goianésia foi rápida, pois devíamos estar de volta a Goiânia à noite. Recebemos uma comunidade de sem-terras que participaram de palestras sobre construção sustentável e edificação de cisternas. A tela do nosso cinema itinerante se transformou em um belo quadro com estampas coloridas de mãos de crianças.

GOIÂNIA (GO) A SÃO PAULO (SP) – 950 KM

Depois de um dia extra em Goiânia (para uma palestra sobre moto-turismo na Voar Kawasaki), pegamos o caminho de volta para casa. Pilotamos por quase 1 mil km refletindo sobre toda a experiência daqueles 12 dias e 4 mil km de aventura e alegria pelos sertões brasileiros. Melhor ainda é acalentar a esperança de que este tenha sido apenas o primeiro de muitos outros S.A.S Brasil!

Agradecimentos:

Leandro Torres, Equipe S.A.S Brasil, Instituto ASAS, Star Racer Alpinestar, Kawasaki Motores do Brasil, Teuto Pfizer, Dunas Racer

*Matéria publicada na edição #155 da revista Moto Adventure.