O aventureiro Natal José Dias, ao lado de alguns companheiros, decidiu realizar um sonho antigo: percorrer as terras nordestinas a bordo de sua moto. Foram 16 dias, 7.230 km rodados e nove estados visitados (incluindo o Distrito Federal)
TEXTO E FOTOS: NATAL JOSÉ DIAS
Quando desenhei a Expedição Caatinga, em 2015, fui motivado por uma reportagem que assisti na TV sobre o Parque Nacional Sete Cidades no Piauí. Porém, o projeto Alaska 2017 (que não concluí por conta de um acidente que sofri no oeste da Argentina) deixou essa aventura para depois. Tão logo me recuperei, em julho de 2018, convidei alguns amigos e coloquei a expedição nas estradas. O planejado era rodar fora do eixo das grandes cidades e conhecer os vilarejos e povoados do sertão “bruto”, tal como Virgulino Ferreira (O Lampião). E lá fomos nós, a bordo de nove moto Harley-Davidson – quatro valentes garupas e uma Lady, Simone, pilotando sua Fat-Boy sem para-brisa.
Era um grupo formado por pilotos experientes e garupas com cicatrizes da Patagônia Argentina e Chilena, Peru, Ushuaia, EUA, Europa, etc., oriundos de Santa Fé (PR), Guarulhos, Sorocaba, Limeira, Taquaritinga e Rio Claro (SP). Saímos de Rio Claro no dia 16 de agosto, às 08h30, em uma manhã fria. Já na Rodovia Anhanguera, fizemos o primeiro abastecimento e nosso amigo Ronaldo, de Taquaritinga, juntou-se ao grupo, que agora estava completo. As roupas de frio começavam a ser dispensadas. Em um grupo grande de motos, o uso do rádio e o respeito à formação são essenciais para a segurança!
Vegetação de cerrado e cidades típicas começaram a surgir a partir da divisa São Paulo/Minas Gerais. Mesmo duplicada e com pedágio até Goiás, a BR-050 apresenta asfalto “pururuca” e depressões, mas pouquíssimos buracos. Em obras a partir da divisa Minas Gerais/Goiás, o cuidado é redobrado, pois aparecem sulcos e afundamentos de trilha de roda. No primeiro dia de tocada, rodamos 545 km até Catalão (GO), com pousada no novíssimo hotel Bristol, que oferece bar e restaurante. Nem saímos para visitar a cidade. No segundo dia, rodamos 569 km até Alvorada do Norte (GO). O caminho estava em obras, mas contava com um bom trecho duplicado de Catalão à Cristalina (GO). A BR-050 está ótima, e desviar de Brasília pela GO 436 e várias Dfs até Formosa (GO) foi fundamental. Pequenos trechos com “pururucas” não chegaram a comprometer o passeio. Fizemos uma paradinha na divisa DF/GO, para fotos e hidratação.
BELEZAS NATURAIS
Grandes plantações eram vistas ao longo trajeto, com destaque para a cultura de algodão, em fase de colheita. O Brasil é o terceiro maior exportador desta fibra e vem aumentando sua participação neste mercado. Não se veem florestas do cerrado, apenas grandes lavouras irrigadas, fazendas, cooperativas e algodoeiras. A partir da BR-020, a estrada e o ambiente começaram a penalizar os motociclistas: calor, afundamentos de trilha e “pururucas”, além de muito óleo seco na pista! Trata-se de uma estrada reta e bem servida de postos de abastecimento.
Paramos em Alvorada do Norte, cidade com quase 9 mil habitantes e pouca infraestrutura, e nos hospedamos no Hotel Luxor (fraco, sem bar e restaurante e com quartos ruins). Transitar pela calçada foi a forma de entrar no estacionamento com as motos. Em um pequeno restaurante, saboreamos um jantar à moda caipira – arroz, feijão, bife e muito ovo frito –, servido pela gentil Dona Lourdes, que nos atendeu.
Terceiro dia: 605 km rodados até Iboritama (BA). Em poucos quilômetros de estradas, já estávamos fazendo as fotos na divisa de estado (BA/GO). Não há nenhum povoado ou cidade pela BR-020 até a grande cidade Luiz Eduardo Magalhães. Há uma reforma no acesso à BR-242, que liga o Oeste ao Leste com 2.311 km e oferece uma grande diversidade de fauna e flora. O cerrado migra para a caatinga verde e há uma sucessão de serras, plantações e grandes parques, como a linda Chapada Diamantina, com seus contos e mitos. Em outro feito, visitamos toda a Chapada Diamantina subindo de São Paulo pela Zona da Mata e Vale do Jequitinhonha.
Há muitos animais na pista, vivos e mortos, além de reformas. Em um dos trechos, um veículo Land Rover emparelhou com o grupo, acenando. Demos uma paradinha para recolocar a pedaleira de minha garupa, que estava solta, e seguimos sob um calor imenso e um lindo céu azul com nuvens brancas. Em Iboritama (BA) fomos recebidos pelo caudaloso Rio São Francisco. O Hotel Plaza oferece boa estrutura, piscina, bar e cerveja gelada. A animação do amigo Ronaldo, com sua mini caixa de som, não deixava bater o marasmo. Quando saímos para jantar, encontramos o Land Rover e seu piloto (aliás, também harleyro), Marques de Brito, que estava acompanhado da esposa. Eles vieram nos cumprimentar e nos mostraram o filme que fizeram da entrada do comboio na cidade.
AFUNILANDO…
Quarto dia: 674 km rodados até Senhor do Bomfim (BA). O primeiro grande desafio do grupo foi sair de uma BR e rodar por estradas estaduais. Em todos os postos de combustíveis, ouvimos indagações sobre o nosso percurso e recomendações para não pilotarmos à noite, por conta das estradas perigosas à frente. Por engano, deixei para trás a entrada para Rui Barbosa e o comboio me seguiu por 25 km a mais. Continuamos por outra rodovia estadual – 67 km nas serras, com muitas curvas deliciosas e a visão de lindos povoados de chão de pedra, casas coloridas coloniais e quebras-molas terríveis, que batiam no fundo da moto. Ao longo do trajeto, uma população de sertanejos assustados com o barulho de nove máquinas potentes quebrando o silêncio local. Saímos ilesos na boa rodovia BR-407. Rodamos 60 km à noite e, chegando a Senhor do Bonfim, uma bomba estourou poucos metros à frente da minha moto. Não paramos e atravessamos a fumaça. Mais tarde, o dono do Hotel Nobre veio nos buscar em um posto de gasolina. O hotel era simples, mas fomos gentilmente recebidos com cerveja gelada e um jantar caipira. Todos mereciam um bom descanso!
Quinto dia: 245 km até Petrolina (PE), passando por Sobradinho (BA). Perna curta nesse dia! Visitamos Sobradinho, o maior lago artificial da América Latina. A rodovia BA-316 passa sobre a barragem e permitiram que parássemos com o comboio para tirar fotos. Uma emoção sem fim! Seguimos pela “sofrida” BR-235 até Petrolina (PE), onde a paisagem muda drasticamente, dando lugar à caatinga seca, estorricada. Carcarás sobrevoavam o nada, em busca de alimentos, e os casebres dos sertanejos pareciam perdidos em meio à imensidão árida.
Em Petrolina, nos acomodamos no confortável Hotel Grande Rio – próximo ao Rio São Francisco, cuja ponte faz divisa com Juazeiro (BA). São cidades co-irmãs, mas rivais em tudo. Almoço alegre com cerveja gelada e comidas típicas, bode, baião de dois, carne de sol, macaxeira e por aí vai. À noite, visitamos o Bodódromo em Petrolina, local com restaurantes típicos e artesanatos. As duas cidades têm boas infraestrutura para o turismo. Petrolina ainda concentra vinícolas e extensas plantações de frutas irrigadas. No dia seguinte, iríamos para Canindé de São Francisco (SE), mas fomos avisados que os 27 km de terra e areia ainda perduravam. O caminho alternativo aumentaria o trajeto em 46 km, entretanto, atravessando o polígono da maconha, região formada por 13 cidades de Pernambuco e Bahia, com grande histórico de crimes. Aconselharam-nos a não fazer esse percurso de moto. Por consenso, decidimos alugar carros, visitar Xingó e os Cânions em Sergipe e retornar a Petrolina para pegarmos as motocicletas e seguirmos viagem. Clovis, de Teresina (PI), amigo de Luciano, nos ajudou muito com suas orientações. O amigo Ronaldo deixou o grupo para seguir seu destino rumo a Jequié (BA), onde encontraria parentes.
SEMPRE EM FRENTE!
Sexto dia: 424 km até Canindé de São Francisco. Seguindo pela BR-235 e BR-110, nota-se o inacreditável abandono de uma rodovia federal recém-construída. Alternando asfalto e trechos de terra, com lindos povoados, serras e pontes à vista, a rodovia liga a Bahia aos estados de Alagoas, Sergipe e Pernambuco, passando por importantes áreas de relevante interesse ecológico (Raso da Catarina), Parque Histórico de Canudos (Guerra dos Canudos), Paulo Afonso e Monumento Natural do Rio São Francisco (grandes cânions e Barragem de Xingó). Encontramos pontes levantadas sobre o nada, sem estrada, perdidas no meio da caatinga. Entramos no estado de Alagoas, onde visitamos o complexo hidrelétrico de Paulo Afonso, com direito a uma travessia do Rio São Francisco pela histórica ponte metálica. Ventos fortíssimos sopravam sobre os penhascos e, no grande canal do rio, a sensação era de adrenalina pura! Muita diversão e fotos marcaram esses momentos. A seguir, entramos em Sergipe – Xingó. A pousada Águas do Velho Chico, ao lado do Rio São Francisco, foi o nosso local de repouso. À noite, fomos visitar e jantar nos quiosques à beira do rio. Comida típica e cerveja gelada regaram a noite. Foi ali que morreu o ator global Domingos Montagner, durante as gravações da novela “Velho Chico”. Uma grande perda! De acordo com a atendente do quiosque, depois do ocorrido, outras três mortes aconteceram no mesmo lugar.
Sétimo dia: passeio pelo Rio São Francisco de Catamarã. O Local de embarque tem boa infraestrutura, com artesanatos, lanchonete, sanitários, restaurante e “cangaceiros e cangaceiras” para você se divertir tirando fotos. Um dos pontos altos da expedição, esperado por todos e que valeu cada minuto! Boa estrutura do barco, com comidas típicas, bebidas geladas, sanitários, forró e lindas paisagens. O Cânion do Xingó surgiu após o represamento das águas do Rio São Francisco para a construção da Usina Hidrelétrica do Xingó (inaugurada em 1994), na divisa entre Alagoas e Sergipe. São quatro horas de passeio, com direito a mergulho monitorado no rio e a um barquinho que desliza por entre formações rochosas com milhões de anos. Ainda é possível fazer a Trilha do Cangaço e visitar o local da captura e morte de Lampião e Maria Bonita, bem como um tour pelo Rio São Francisco até a Usina de Paulo Afonso.
Agora, era hora de rodar mais 424 km de volta a Petrolina (PE), devolver os carros, jantar e descansar, para dar prosseguimento à expedição. Agradecimentos ao Luciano, Toninho, Fray, Frasson, Dercio e Sergio, que transladaram os carros e pilotaram com maestria essa aventura!
Não perca a segunda parte da jornada viagem, que será publicada na próxima edição de Moto Adventure.
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