Quando estamos além de nossas fronteiras, percebemos uma notável diferença no que diz respeito ao trânsito, principalmente pelos hábitos dos motoristas e motociclistas. Nesta série de reportagens, abordaremos a convivência de “locais” e turistas nos principais países latino-americanos, bem como costumes no trânsito da América Central, do Norte e de alguns países da Europa.
Texto e Fotos: Equipe Trips & Tips e Nenad Djordjevic
Ao redor do mundo, o trânsito tem características diferentes que devem ser respeitadas – e quando positivas, copiadas, a fim de que se estabeleça um bom convívio entre as partes. Tais diferenças se estendem ao comportamento dos nossos vizinhos quando avistam viajantes de motocicleta. Antes de tudo, deixemos claro: o que impera em qualquer situação ou país é a regra do bom senso – trate os demais como quer ser tratado; com educação, respeito e gentileza.
VIZINHOS SUL-AMERICANOS
A Argentina é um país com população muito amigável. O povo argentino, em sua maioria, é educado, cordial e está sempre disposto a ajudar, seja com uma informação importante ou com respostas e dicas que julgam nos interessar. Lembre-se de deixar o estereótipo criado por nosso “preconceito futebolístico” do lado de cá da fronteira e tenha sempre um sorriso no rosto. Assim você será muito bem tratado. O povo argentino demonstra genuína curiosidade sobre nossas viagens e roteiros.
Nas estradas, os motoristas que trafegam em sentido contrário, constantemente lampejam os faróis para nós. Diferentemente do que ocorre no Brasil, onde usamos este recurso para sinalizar algum bloqueio na estrada à frente, eles o fazem apenas para nos cumprimentar.
Quando for parado em bloqueios de estrada por policiais argentinos, pare no meio da pista. Só se dirija ao acostamento se o policial indicar. Motociclistas argentinos costumam trafegar pela direita da pista (acostamento) quando o trânsito de veículos maiores está parado ou lento. Lembre-se disso e, sempre que estiver trafegando pela esquerda, faça-se notar com buzinadas ou lampejos de farol. Em vários países da América Latina, inclusive na Argentina, caminhoneiros costumam dar seta para a esquerda quando a ultrapassagem pode ser executada – e para a direita quando não se pode ultrapassar. Fique muito atento, pois isto é exatamente o oposto do que estamos acostumados no Brasil. O costume remonta ao tempo em que caminhões tinham a seta esquerda verde e a direita, vermelha.
Procure seguir atentamente as normas de trânsito, evitando ser incomodado pelos policiais argentinos, nem sempre interessados em aplicar multas – eventualmente podem estar querendo propinas. Há relatos desse tipo. Trafegar de moto no Uruguai é muito tranquilo. Suas estradas quase sempre possuem pouco tráfego de veículos e as paisagens são muito bonitas. Nunca se esqueça de rodar sempre com o farol da moto ligado – que, apesar de ser obrigatório também em outros países, é um item que, no Uruguai, recebe atenção especial dos policiais.
A frota uruguaia, especialmente no interior, tem motos bem antigas, o que não impede o povo de ter grande afinidade e interesse pelo Motociclismo. O Uruguai é um país com uma densidade demográfica baixa, possui cerca de três milhões e meio de habitantes e aproximadamente a metade deles está na capital, Montevidéu. Por isso, fique atento para não depender de ajuda nas diversas “rutas” que cruzam o país – pode ser difícil encontrar alguém (ou algum lugar) especializado para ajudá-lo. O povo uruguaio também é muito gentil, apesar de ser menos expansivo e alegre que o povo argentino no trato com o turista.
Os hábitos dos motoristas paraguaios se assemelham bastante aos dos brasileiros. A malha viária conta com estradas medianamente movimentadas, que privilegiam a passagem por dentro de suas principais cidades. Apesar de seu tamanho reduzido, o Paraguai conta com uma boa rede de postos de combustíveis.
Alguns colegas viajantes relataram problemas com as autoridades locais nos inúmeros postos de fiscalização à beira das estradas, do mesmo modo que outros disseram não ter tido qualquer problema naquele país. Não se baseie pela ideia de que o Paraguai, em termos absolutos, é desorganizado como Ciudad del Este (na fronteira brasileira). Em termos de desenvolvimento, pode-se dizer que, afastando-se mais da área fronteiriça, assemelha-se a nossos outros vizinhos. Já o Chile é um país de contrastes – e, por isso, tem características muito distintas entre norte e sul. A região metropolitana da capital, Santiago, é cosmopolita, apresentando os prazeres e agruras de qualquer cidade grande – inclusive, no trânsito. Ao mesmo tempo em que os motoristas param virtualmente em todas as faixas de pedestre quando alguém está atravessando, são adeptos de buzinar com mais intensidade do que nós, brasileiros, julgamos ser adequado.
Não se incomode com as buzinas, os motoristas não estão “brigando” com você – é apenas um hábito diferente do nosso. O povo é extremamente educado, polido e cordial, mas sem aquele “calor latino” que encontramos “em casa” ou em nossos países fronteiriços, como Argentina, Paraguai e Uruguai. As estradas chilenas estão quase sempre em excelente estado de conservação e as chamadas “autopistas” são sempre pedagiadas. Muitas vezes, os valores estão acima do razoável e as estações de pedágio muito próximas umas das outras – portanto, recomendamos paciência e bom-humor (lembre-se que você está de férias!).
O Chile é cortado de norte a sul pela Ruta 05, a Rodovia Panamericana. As estradas vicinais, que levam às cidades do interior chileno, saem da Ruta 05 serpenteando para cima em direção aos Andes, ou para baixo, em direção ao Oceano Pacífico. As estradas menores apresentam-se em bom estado de conservação, são bem sinalizadas e levam, muitas vezes, a lugares pitorescos, que merecem uma visita.
Os “carabineros” – policiais chilenos – são um caso à parte. São extremamente idôneos e rígidos no cumprimento da lei. Por isso, não tente usar o famoso “jeitinho brasileiro” em situações nas quais tenha cometido uma infração. Acate a punição e não piore a situação. As placas de parada obrigatória, “Pare ou Alto!”, são cumpridas à risca, mesmo não havendo fluxo de veículos. Pare por completo ao ver uma dessas placas, retomando o movimento em seguida.
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Os bolivianos costumam respeitar datas religiosas e feriados. Evite rodar nesses dias. A polícia sempre atua repreensivamente, mesmo no que diz respeito aos turistas. Na Bolívia, esteja preparado para pagar um sobre-preço no combustível, por ser turista. Como a gasolina é barata, os postos cobram mais dos estrangeiros, mesmo daqueles que utilizam motos. Evite situações de “disputa” no trânsito, pois, em geral, o motorista boliviano não gosta de se sentir “passado para trás”. Dirija sempre defensivamente.
Cuidados redobrados devem ser tomados perto e/ou nas entradas das grandes cidades bolivianas, pois, principalmente em horários de pico, o trânsito torna-se bastante desorganizado e caótico, chegando a expor motociclistas a situações de perigo. Para os bolivianos, é comum a cobrança de “pequenas propinas” por alguns policiais – é quase uma instituição, que eles chamam de “la contribuicion”. Basta ter poucos bolivianos (moeda local) previamente separados no bolso, caso lhe sejam solicitados. É mais fácil do que tentar criar um incidente internacional!
Recomenda-se atenção no quesito “abastecimento”, pois é muito comum a falta de combustível em postos de gasolina, especialmente nas cidades mais afastadas dos grandes centros. Esta situação se contorna procurando combustível em casas de populares, as conhecidas “gasolineras” – presença muito comum em toda a Bolívia. A geografia do Peru dita o perfil de suas cidades: as regiões litorâneas têm cidades médias dispostas a consideráveis distâncias umas das outras. Esteja atento ao abastecimento, pois, entre elas, não existem pequenas vilas. As cidades sobre a cordilheira são menores e ficam mais perto umas das outras.
Fique atento à alimentação nativa, que pode causar algum estranhamento de nossa parte, principalmente quanto ao atendimento e à higiene. Em caso de dúvida, consuma alimentos e bebidas industrializados. A polícia peruana está constantemente na rodovia, monitorando documentos e manobras ilegais, e também é adepta da “caixinha”. Dentro das cidades, o trânsito pode parecer confuso devido à intensa circulação de triciclos “tuk-tuk” e vans de passageiros.
Pilote defensivamente – e não adianta buzinar, pois isto eles fazem muito mais intensamente do que nós. Dentre os povos da América do Sul, em geral, a índole do povo peruano está entre as mais humildes e simpáticas. Os motoristas peruanos costumam ter uma condução calma na estrada, mas também, bastante ingênua – e se mostram menos habilidosos em relação a seus veículos. No interior do país, os peruanos não costumam
se orientar pelas distâncias, mas pelo tempo entre um ponto e outro, já que o país tem um relevo bem acidentado, com milhares de curvas fechadas nas estradas. Obviamente, é uma maneira muito imprecisa, pois há uma variação natural de desempenho entre diferentes tipos de veículos.
Para rodar pelo Equador é necessário contratar o seguro SOAT – obrigatório e solicitado na entrada daquele país, devendo ser apresentado junto com sua documentação de entrada. Fique atento ao transitar por Quito, a capital, que mantém um sistema de rodízio que também se aplica a motos. A cidade nasceu no meio da cordilheira e é repleta de subidas e descidas. Fique atento à sinalização nas vias, além de se orientar por mapas e GPS. É um lugar “fácil” para se perder! É comum encontrar o exército em barreiras nas rodovias colombianas. Por isso, na Rodovia Pan-Americana, não se registram incidentes com turistas e viajantes há algum tempo.
A polícia colombiana é rigorosa, portanto, respeite as leis de trânsito e os limites de velocidade locais. O colombiano é o povo sul-americano mais parecido com o brasileiro em termos de simpatia e receptividade – realmente é muito fácil fazer amizade naquele país. Bogotá é uma cidade em pleno desenvolvimento e, por isso, está constantemente em obras, o que deixa o trânsito caótico. Para piorar, os endereços são difíceis de serem encontrados! Até mesmo os táxis são monitorados e conduzidos via central de rádio. Por fim, na Venezuela – com sua gasolina barata, quase “de graça” –, ninguém gosta de motores pequenos. E nem sempre os motoristas respeitam os limites de velocidade. Pilote sempre atentamente ou alguém poderá, literalmente, “passar por cima” de você!
Com estas informações básicas, bom-senso e um pouco de boa vontade, suas aventuras sul-americanas terão todos os ingredientes necessários para se tornarem prazerosas e inesquecíveis. No mês que vem, falaremos sobre as Américas Central e do Norte. Até lá!
*Matéria publicada na edição 132 da Revista Moto Adventure