Por-Elas-Juliana-Tesser-Persistência-e-Paixão

De leitora do Grande Prêmio a comentarista da ESPN, Juliana Tesser construiu uma carreira baseada na dedicação ao motociclismo e com seu trabalho sério e apaixonado, vem mostrando que mulher pode, sim, entender de moto e de competição.

Texto: André Ramos

Fotos: Arquivo Pessoal

Moto Adventure – De onde surgiu o seu interesse pelo mundo das motos e, em especial, pela motovelocidade? Foi algo que veio da família, de amigos ou foi uma descoberta pessoal?

Juliana Tesser – Meu pai teve moto quando jovem, então eu cresci ouvindo-o contar as experiências dele, mas ele não tinha mais depois que eu nasci. Na casa da minha avó, no quarto que era do meu tio, tinha um quadro bem grande de uma moto de competição — eu lembro da existência do quadro, mas não lembro de que piloto era —, então sempre foi uma coisa presente. Que estava ali. 

Com competição em si, eu não lembro bem quando começou. Mas eu gostava muito de ver o Valentino Rossi correndo, pois eu gosto muito de gente que é feliz fazendo o próprio trabalho. Que faz com prazer, com alegria. E foi aí que eu comecei a acompanhar.

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Mas eu me envolvi mais profundamente mesmo quando comecei a trabalhar. Eu fui cursar Jornalismo ainda incerta do que eu queria fazer da vida, mas, quando eu estava na faculdade, eu li um texto do Flavio Gomes falando sobre a morte do Ayrton Senna. E eu meti na cabeça que eu queria trabalhar com o Flavio. Ele era dono do site Grande Prêmio, então eu passei a tentar trabalhar lá. 

Na época, o GP tinha um processo seletivo chamado ‘O Grande Estagiário’, que contava com uma prova com conhecimentos bem específicos de F1. Eu fui reprovada duas vezes nessa prova, mas entrei na minha terceira tentativa. Eu nem ia me inscrever, mas um amigo me convenceu e acabou que, naquele ano, não teve prova de conhecimentos de F1!

Quando eu comecei no site, todo mundo tinha uma categoria em que era especialista, mas não tinha ninguém com moto. A cobertura era feita, mas de uma forma bem superficial. Na época, o foco era 100% automobilismo. Como eu já gostava, passei a cuidar com mais carinho. Pouco a pouco, a categoria foi crescendo até se tornar a segunda audiência do site, atrás só da F1. 

Foi aí que a minha relação com a motovelocidade aprofundou de verdade. 

Moto Adventure – Você tem alguma memória marcante da infância ou adolescência que envolva motos ou competições de motovelocidade?

Juliana Tesser – Eu me lembro de andar de moto com o meu irmão na adolescência, mas a gente andava mais no bairro, usava para ir na aula de inglês. As aulas terminavam com o professor falando para ele: ‘Vê se toma cuidado aí com essa moto!’.

Moto Adventure – Existe algum piloto ou evento específico que tenha inspirado sua paixão pela MotoGP ou pelas competições em duas rodas?

Juliana Tesser – O Valentino foi quem primeiro me atraiu, mas não pelo estilo ou pelas vitórias. Pelo jeito feliz mesmo. Eu gosto muito, em qualquer área, de assistir pessoas que são claramente apaixonadas por aquilo que estão fazendo. Como, por exemplo, ver o Slash tocando guitarra. Ou o João Carlos Martins tocando piano. Ou o Rafael Nadal jogando tênis.

E, ao longo da minha carreira, o Valentino — sem saber, obviamente — acabou resultando em novos desafios profissionais para mim. Uma vez jornalista, eu queria trabalhar com esporte, pois o esporte te permite trabalhar com uma infinidade de coisas — eu já escrevi, por exemplo, sobre cinema, música, saúde (isso muito, por causa das muitas lesões), importação e até sobre vazamento nuclear. Mas trabalho com motociclismo por causa de um interesse que começou por causa dele. 

Muitos anos atrás, eu tive a experiência de atuar como agente literária e tradutora. Eu comprei a biografia dele e quando comecei a ler, fiquei pensando: ‘Não é possível que não tenham traduzido isso para o português’. Decidi escrever para o autor para perguntar, também porque eu sabia que o Enrico Borghi tinha escrito o ‘Il Capolavoro’ e eu queria saber se ia dar para comprar aquele livro por aqui mais facilmente. E ele me respondeu contando que a biografia tinha sido traduzida em Portugal e perguntando se eu queria tocar o ‘Il Capolavoro’ por aqui. Eu nunca tinha trabalhado nessa área, não tinha nem ideia por onde começar, então sempre fico muito orgulhosa quando vejo um exemplar de ‘Valentino Rossi – A obra-prima’ por aí. 

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E, mais recentemente, quando o Rossi veio ao Brasil para correr nas 6 Horas de São Paulo com o WEC, eu fui entrevistá-lo para a ESPN. Foi a primeira vez que eu fiz uma externa para a TV. Com produtores, cinegrafista etc. 

Então muitos dos grandes desafios e experiências da minha carreira têm esse ponto de contato com o Rossi, mas eu tenho muitas ótimas memórias de entrevistas com o Felipe Zanol, com o Franco Morbidelli, com o Eric Granado, com o Fabio Quartararo… 

Moto Adventure – Você anda de moto?

Juliana Tesser – Não! Não tenho nem carta! É uma coisa que preciso fazer com urgência!

Moto Adventure – Quando você decidiu seguir a carreira de jornalista e como foi a escolha de se especializar em motociclismo? Esse foco surgiu no início da sua carreira ou foi algo que aconteceu ao longo do tempo?

Juliana Tesser – Na verdade, quem escolheu jornalismo foi o meu irmão! Eu saí do colégio dizendo que eu ia fazer medicina. Fui fazer cursinho e tudo mais. Mas, quando eu estava no cursinho, comecei a ver que aquilo não era bem para mim. Um dia passou na TV propaganda do vestibular, minha mãe sugeriu a inscrição, eu mencionei que não sabia em que e o meu irmão disse: ‘Vai fazer jornalismo. Você sempre gostou de escrever’. Me inscrevi no último dia! Mas passei, fiz matricula e me apaixonei. 

Aí li o texto do Flavio e decidi que queria trabalhar com ele. O Flavio tem um domínio impressionante da língua portuguesa. Acho que é uma coisa que todo mundo admira nele. Então eu tinha essa vontade de aprender com ele. Mas, apesar de eu ter conseguido entrar no site que era dele, nunca trabalhei com ele como eu achava que trabalharia! A gente dividiu sala de imprensa umas duas ou três vezes na vida, trocamos uns e-mails aqui e ali, mas foi isso. Cheguei no esporte a motor por causa desta vontade de trabalhar com ele. 

A moto em si veio pela estrutura do site. Na época em que eu comecei no Grande Prêmio, existia uma cobertura de MotoGP muito simples. Não existia um setorista de moto. Como eu já gostava, eu comecei a cuidar com mais carinho e fui fazendo a cobertura crescer. Entender o que o público gostava de ler, produzir mais conteúdo, ter mais volume e qualidade de informações e etc. Aos poucos, a MotoGP virou a segunda maior audiência do site, atrás só da Fórmula 1, que foi o que criou o site e é o grande foco dele. 

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Moto Adventure – Você pode nos contar um pouco sobre sua formação acadêmica e como ela contribuiu para sua atuação no jornalismo esportivo e na cobertura da motovelocidade?

Juliana Tesser – Eu me formei em jornalismo no Mackenzie em 2009, na metade do ano. Ainda na faculdade, tive meu primeiro contato com o mundo do esporte a motor, pois o meu TCC foi sobre a base do automobilismo. Era um documentário sobre kart.

Na época, eu fazia estágio na Secretaria de Comunicação do Estado de São Paulo. Um mundo completamente diferente! Quando eu estava procurando estágio, vi que tinha uma espécie de concurso público para estágio. Fiz a prova, passei e aí pude escolher entre uma pequena lista de possibilidades onde eu queria trabalhar. Fui para a Secom, uma experiência importante, com a qual fui efetivada depois de me formar – fiquei até meados de 2010.

Saí de lá efetivamente para ser repórter. Essa foi uma experiência completamente furada. Era uma proposta de um site novo, que acabou falindo antes de entrar no ar, mas foi ali que eu comecei a trabalhar como repórter de esportes. Foi onde tive o primeiro contato com agência de notícias, por exemplo. Durou muito pouco, mas valeu a pena – uns meses depois, eu comecei no Grande Prêmio. 

Aí vieram as primeiras experiências que exigiram mais de minhas capacidades. De apurar as coisas, sugerir pautas. Sempre tive muita liberdade de dar ideias e correr atrás do que eu queria fazer. 

Eu, particularmente, não acredito muito nessa divisão de editoria. Jornalismo é jornalismo. A gente faz a mesma coisa independente do assunto. E o que você aprende em um lugar, você pode usar em outro. Usei coisas que aprendi nos tempos de Secom em cobertura de esporte, por exemplo. Tudo está sempre misturado. 

Moto Adventure – Há quanto tempo você trabalha na ESPN Brasil e como foi o convite para integrar a equipe como comentarista do MotoGP?

Juliana Tesser – Minha primeira transmissão na ESPN aconteceu em 4 de março de 2022, nos treinos do GP do Catar. Vou agora para a quarta temporada de MotoGP. 

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Eu nunca me imaginei trabalhando em TV. Primeiro, pois sempre fui — e ainda sou — muito tímida. Quando comecei a trabalhar com moto, via menos ainda essa possibilidade. Trabalhando no Grande Prêmio, eu estive em muitos eventos com poucas mulheres, mas, quando comecei, especialmente, tinham poucas mulheres em eventos de automobilismo. Mas, muitas vezes, eu fui a única em vários eventos de moto. Ainda no início da minha carreira, por exemplo, uma assessora veio conversar comigo e eu brinquei perguntando se ela tinha esquecido de chamar as mulheres, pois eu não estava vendo nem a mãe, nem a esposa do piloto. Já fiz press trip com mais de 20 jornalistas onde, entre os profissionais de imprensa convidados, eu era a única mulher. Então não passava mesmo pela cabeça que fazer o que eu faço fora de onde eu já fazia — o Grande Prêmio — fosse uma possibilidade. 

Isso mudou quando a FOX pegou os direitos de transmissão do Mundial de Motovelocidade. Naquela época, quem foi escalado para narrar foi o Téo José, que tinha pouco tempo para se preparar até a primeira transmissão, então ele procurou ajuda. O pessoal do GP me indicou para ele. 

Eu não esperava e fiquei super feliz quando ele entrou em contato. Para ele preparei um guia rápido, mandei materiais, tirei dúvidas e fui mandando informações que achava pertinentes durante as transmissões. E o Téo começou a dizer que eu tinha de estar lá com ele. Foi ele quem primeiro viu essa como uma possibilidade para mim. Na época, eu tinha começado um podcast, também para aprender a falar melhor, e ele chegou a ouvir para me dar dicas do que eu podia melhorar na minha fala. 

Um tempo depois, o Téo já tinha deixado a ESPN, eu vi o anúncio do ‘Narra Quem Sabe’, um programa da ESPN que tinha como objetivo revelar talentos femininos para a narração. Eu nunca tinha pensado em narrar, mas falava na descrição que também seria um treinamento para comentarista e repórter, então decidi tentar. Só que tinha de mandar um vídeo narrando para a seletiva. Eu pedi dica para o Téo e para o Renan do Couto, que é um amigo com quem eu já tinha trabalhado no Grande Prêmio. 

Mandei um vídeo narrando um resumo da MotoE. No dia que saiu a lista de selecionados, eu fiquei zero surpresa por eu não estar lá. Mas, uns dias depois, a Vanessa Riche entrou em contato comigo dizendo que tinha gostado do meu material, mas que acreditava que eu tinha mais potencial para ser comentarista. E foi ela e o Chico Vargas quem fizeram acontecer. 

O Chico me chamou para um teste, lá no estúdio. Já foi com o Hamilton Rodrigues, mas ele estava remoto naquele dia. E, sendo honesta, não foi um bom teste. O conteúdo não era um problema, mas eu não tinha o domínio de falar para TV. 

O Chico, então, me deu um tempo para me preparar e aí fazer um segundo teste. Nesse meio tempo, a Vanessa me chamou para dar um treinamento para as meninas do ‘Narra’ sobre MotoGP e, depois, nós voltamos a nos encontrar. Além da Vanessa, a Duda Gonçalves, que foi uma das vencedoras do programa, foi uma super parceira, me deu muitas dicas. 

Um pouco antes do segundo teste, a Vanessa fez um treino comigo e também me colocou em contato com a fonoaudióloga da TV, que também me deu mais orientações. Aí, quando eu cheguei na ESPN para a minha segunda chance, o Hamilton estava lá e acho que percebeu que eu estava nervosa. Aí ele me disse: ‘Você sabe o que você tem de fazer. Esquece tudo que te falaram e lembra que veio aqui se divertir comigo’. E aí deu certo! 

Sou muito grata ao Téo por ter plantado essa ideia na minha cabeça; a Vanessa Riche por ter visto potencial em mim e me preparado para isso; ao Chico Vargas e ao Jader Lago, por terem me dado todas as chances; ao Hamilton, que sempre foi um baita parceiro, desde o dia zero; a Duda e ao Renan, pelas dicas. E a todo mundo me ajudou no caminho até lá. 

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Foto: LZ Photo Media

Moto Adventure – Desde o início, seu trabalho na ESPN esteve vinculado à cobertura de motovelocidade, ou você passou por outras áreas antes de assumir esse papel?

Juliana Tesser – Sempre com a MotoGP. Eu entrei direto como comentarista de MotoGP. Mas, desde que estou lá, já fiz transmissões de duas outras categorias: fiz uma vez um TCR South America, em 2023, e, no ano passado, fiz um fim de semana de DTM. No Grande Prêmio, eu sempre fiz de todas as categorias, então, embora minha especialidade seja moto, não é um problema trabalhar com as outras. 

E meus produtores são muito parceiros, então eu já tive a oportunidade de fazer algumas entrevistas e matérias, como foi com o Rossi, o Diogo Moreira, o Eric Granado e o David Alonso, por exemplo. Sou comentarista, mas, às vezes, também atuo como repórter. 

Moto Adventure – Como você conheceu o narrador Fausto Macieira e como foi o processo de aproximação e trabalho conjunto com ele e os demais colegas da equipe?

Juliana Tesser – Eu não tenho bem certeza do ano que a gente se conheceu, mas acho que foi em uma viagem organizada pela Honda para a Argentina para a largada do Rali Dakar. A gente já se conhecia antes de eu chegar na TV. 

Como moramos em estados diferentes, a gente tem um contato diferente do que eu tenho com o Hamilton, por exemplo. Nós nos vemos muito pouco. Acho que nos encontramos duas vezes pessoalmente desde que eu cheguei na equipe. Uma logo no começo. 

Mas eu diria que foi uma adaptação tranquila. Eles foram bem receptivos comigo. A gente foi pegando os tempos um do outro e se entendo aos poucos. 

Moto Adventure – Qual foi o momento mais marcante da sua trajetória cobrindo MotoGP ou outras categorias da motovelocidade?

Juliana Tesser – Não sei se eu consigo escolher um só. A estreia na TV é um dia que eu vou sempre guardar com o maior carinho. A primeira corrida na ESPN também é uma memória boa, pois, primeiro, eu fazia só os treinos. Então eu trabalhava sexta e sábado. Fiz a primeira corrida no GP da Malásia de 2022. 

Mas o primeiro GP que eu fui pessoalmente também é uma memória excelente, especialmente pelas histórias — foi na estreia de Termas de Río Hondo no calendário. A minha primeira cobertura na Europa também é uma ótima memória, pois foi na decisão de 2017. Foi incrível na pista e aconteceu de tudo fora também. 

Mas acho que uma das matérias mais legais da minha carreira não têm relação com a MotoGP. Em 2015, o André Suguita se tornou o primeiro brasileiro a completar o Rali Dakar em um quadriciclo. Quando fui entrevistá-lo, fui achando que ele ia estar animadão para voltar no ano seguinte, mas uma das primeiras coisas que ele me disse foi que não voltaria de jeito nenhum. Acabou que ficou uma entrevista tão legal que eu não quis perder nada, então fiz uma série de três partes, chamada ‘A odisseia de André Suguita’ e publicamos o relato dele em primeira pessoa. Para quem gosta de contar história, é uma que eu guardo com carinho. 

Mas também amo a participação do Morbidelli no Paddock GP, do Grande Prêmio, em 2017. Ele foi ao estúdio, bebeu com a gente e eu tenho até hoje a garrafa que ele autografou aqui. E a entrevista com o Rossi em Interlagos no ano passado! Tem muita coisa!

Moto Adventure – Existe algum piloto ou equipe com quem você tenha tido uma conexão especial durante sua carreira?

Juliana Tesser – Na moto, eu acho que não. Tem alguns pilotos que eu entrevistei mais vezes, com quem tive mais contato. O Granado, por exemplo, deve ser um dos pilotos que eu mais entrevistei na minha carreira. Acho que fiz a minha primeira entrevista com ele em 2011. Dos estrangeiros, fiz duas exclusivas com o Marc Márquez e acho bem impressionante o quanto ele está presente ali, olhando para você, focado em você. Mas não é conexão. É treino da parte dele mesmo. 

Mas tem um piloto que eu sempre lembro com carinho, pois atender bem quem trabalha em TV ou em um site importante é fácil, mas atender bem o estudante de jornalismo, isso é especial! E o Sergio Jimenez foi esse cara. Ele é piloto de carro. O Jimenez foi um dos entrevistados do meu TCC. A gente fez um documentário e, na época, mandamos os DVDs para todos os entrevistados. Ele respondeu para gente, desejando sorte na carreira. Depois, quando foi do processo seletivo do Grande Prêmio, eu precisei fazer uma reportagem sobre kart e, mais uma vez, ele foi super atencioso comigo, sabendo que era matéria para um teste. Não faço ideia se ele lembra disso, mas eu nunca esqueci. Nunca esqueci de nenhum dos entrevistados gentis quando eu era estudante! Nem dos outros também! 

Moto Adventure, a Revista dos Melhores Motociclistas.

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