Atendendo aos pedidos dos nossos leitores, vamos abrir espaço para que vocês nos enviem seus “testes”. Na primeira matéria, o amigo Paulo Franchetti exibe suas impressões de uma Triumph 1200 XCX. Confira!
TEXTO E FOTOS: PAULO FRANCHETTI
O leitor Paulo Franchetti, conhecido no cenário motociclístico como Papito H-D, de 64 anos, professor universitário, realizou um test ride com uma Triumph 1200 XCX. Acompanhe o que ele achou da máquina:
A dúvida
Na verdade, era uma certeza: eu não deveria ter ido! Afinal, nem dois meses se passaram de uma cirurgia que fiz no ombro e eu ainda estava sentindo os efeitos do procedimento com frequência. Definitivamente, não deveria ter ido. Mas o fato concreto é que só simulei a dúvida e já saí de casa decidido: era hoje que eu faria o test ride da Triumph 1200 XCX, sobre a qual já havia lido alguma coisa. E então fui!
A moto
Eu já tinha testado a versão anterior, a qual gostara, mas que não me convencera inteiramente. Quanto a isso tenho de me explicar: é que, embora todo o tempo fale em Harley-Davidson, use o sufixo de Proprietário-de-Harley-Davidson no nome, tenha um guarda-roupas lotado de bar&shield, na verdade meu padrão de moto de passeio ou de pseudo-trail (porque eu não conheço quase ninguém que de fato saia do asfalto por muito tempo com as chamadas big-trails) é a BMW. E não é uma afeição ou coisa do tipo. É objetividade, pois a minha Pomarola, por exemplo, fabricada em 1993, já tinha um bom ABS, injeção eletrônica, suspensão ótima, para-brisa regulável e uma série de indicadores digitais no painel. E a RT apenas melhorou tudo isso, com o “motorzão” mais forte, para-brisa maior e eletrônico, sensor de pressão de pneus, controle de tração, ABS combinado, etc.
Por isso mesmo, tendo também já andado de GS, a Triumph anterior me pareceu muito boa, mas não do tipo que deixa o queixo caído e a expressão reduzida a um “ah…” ou um “nossa…”. Pois agora foi tudo diferente. Não posso dizer que é a melhor moto em que já andei, porque guardo uma recordação saudosa e idealizada da minha Hayabusa branca. Mas devia dizer que sim, pois a impressão é real e atual, enquanto a lembrança da outra é apenas isso: lembrança. E talvez saudade. De modo que posso dizer que a experiência foi incrível – e posso mostrar as razões de ter sido incrível.
O freio e o instinto
A gente demora muito para internalizar práticas de segurança e de pilotagem ao ponto de se tornarem reações quase instintivas, automáticas. Uma coisa que aprendi, por exemplo, é que quando a gente está numa curva, com a moto inclinada, e precisa parar porque aparece um obstáculo o melhor é endireitar a moto e depois frear. Isso era vital quando não havia ABS. E acho que continua mesmo com os ABS combinados. Mas nunca testei fazer diferente, porque acabei tornando natural o movimento. Mas quando um amigo comentava sobre a moto, ele falou do teste que os pilotos fizeram no autódromo, freando ou acelerando em curvas, para verificar a precisão do controle eletrônico que mede a inclinação da moto e regula o resto. E eu acreditei nele. De modo que, assim que saí com a moto, fiz um teste cauteloso. Depois, um menos cauteloso. E à medida que ganhava confiança, tinha tanta alegria quanto uma criança que já tivesse se queimado, pegando fogo, e de súbito descobrisse que podia pegar à vontade a chama, sem perigo.
E confesso que parecia um alienado, rindo dentro do meu capacete cada vez que, com a moto muito inclinada, agarrava no freio da frente. Isso, que levaria provavelmente a uma queda se fosse outra moto, ali produzia apenas o efeito esperado: a motocicleta, a princípio, mantinha a curva. Depois, como se eu persistisse, e agarrasse mais forte ainda, endireitava sozinha, dócil, segura, sem um mínimo de torção – e parava! Fiz isso inúmeras vezes. Como também fiz o contrário: acelerar com vontade com a moto inclinada em uma curva. E ainda não frear como se fosse para parar, mas apenas para diminuir e recuperar a velocidade enquanto contornava repetidamente um daqueles balões na estrada. É realmente espantosa a reação do conjunto da máquina. A tal ponto que uma pessoa precisa se esforçar para cair com essa moto! Se esforçar com seriedade! Da mesma forma, fiquei muito feliz com a facilidade de manobrar, com a firmeza, a tranquilidade para fazer curvas – e com a força.
Não leia
Aqui devo fazer um aviso: se você é aquele tipo de pessoa que acha que a sua moto é a melhor do mundo e não quer saber de conversa, já não devia ter lido o conteúdo acima – muito menos o que vai ler abaixo. Então, fica dado o sinal: só leia se quiser realmente saber.
A suspensão
Não pude usar a moto em terrenos variados. Mas pude testar vários modos de pilotagem e sentir o que esperava: que era ver a suspensão agir de modo inteligente, quando eu rodava pela parte esburacada da pista ou pelo acostamento, ou sobre as tartaruguinhas. E não creio que fique a dever nada à minha RT ou às GS. Na verdade, senti que é mais firme, mais constante, que o chassis, e os amortecedores são como dois bons companheiros, que conversam com intimidade um com o outro. Mas se você for esperando aquele flutuar sobre nuvens das GS no modo mais soft, pode esquecer. Ali a tocada é outra, e a resposta também é mais firme, lembrando (isso pode parecer incrível e errado, em se tratando de big trail, mas foi o que senti) uma esportiva.
O motor
Não é muito o que tenho a dizer sobre o motor. Mas é essencial. É brutal, no modo sport e cordial nos modos mais brandos. Em segunda marcha, atinge rapidinho os 160 km/h, sem entrar na zona de perigo das rotações. Em primeira, o arranque é de esportiva. Não sei o torque e qualquer mídia pode dizer qual é. Mas a sensação eu sei e é, como disse, brutal! A gente fica eufórico com aquela arrancada e com a rápida subida de giros, que por um momento dá a impressão de que não terá fim. E o torque é excelente em geral, a ponto de eu me surpreender (porque não encontrava facilmente o indicador de marchas) ao perceber que estava em terceira ou quarta, achando que estava em segunda ou terceira.
Minha obsessão
Desde que tive a primeira RT, sou fanático por para-brisa elétrico. Sou rabugento e detesto turbulência. A Ultra, por exemplo, só piloto mesmo à custa de muito amor, porque basta passar dos 100 e o capacete parece um “liquidificador” em volta dos miolos. Nisso também era excelente a minha Akemi (a Hayabusa), e talvez tenha sido a sua aerodinâmica perfeita a responsável pela atual fixação no para-brisa elétrico. De fato, a RT é um primor nesse aspecto. Especialmente os modelos de 2011 para cima, nos quais o formato de morcego permite sua elevação completa sem prejuízo da visão, em caso de vento frontal.
Devo dizer que nesse quesito as BMW são, em geral e com exceção (pelo que dizem) das 800, primorosas. As GSs em que andei fazem maravilhas com aquela pequenina bolha. Mas aqui a Triumph está um passo à frente: o para-brisa elétrico permite eliminar qualquer incômodo do vento, graduando-o conforme a velocidade. De modo que, se eu tinha alguma hesitação em me apaixonar pela moto, esse recurso me pôs a nocaute e fiquei rendido.
O que achei esquisito
Nos controles gostei de tudo. É fácil navegar pelos menus eletrônicos. Mas não gostei do painel. Primeiro porque é difícil ver a marcha engatada: o número é pequeno e fica num lugar sem destaque dentro do visor. Segundo porque a indicação de velocidade é num pequeno painel à esquerda, meio poluído de informações, enquanto o centro é ocupado por um enorme mostrador analógico de RPM. Deve ser fácil de acostumar, mas não achei nada amigável, nem agradável.
E foi tudo
E essa pequena observação negativa foi única, no meio de tanta coisa positiva e entusiasmante. A versão que experimentei é a intermediária. Não tem uma série de coisas que a superior tem, mas das quais a única que eu sentiria falta se comprasse era a indicação de pressão de pneus – que já me salvou de uma situação que poderia ser terrível, quando cheguei ao pé da Serra do Rio do Rastro com um pneu furado e só soube disso porque o painel da RT acusou a tempo, antes de eu começar a subida.
O preço da versão top é salgado. Mas, sinceramente, eu acho que em se tratando de um objeto de prazer, de um objeto supérfluo e caro, o melhor é meter mesmo o pé na jaca e adquirir logo o mais completo, mais cheio de firulas e mais gratificante tanto para o uso quanto para a possiblidade remota de uso.
E é o que, quem sabe, Deus ajudando e o governo não atrapalhando, devo ainda fazer, quando for possível.
Aquele abraço!