Veredas do Sertão: Uma jornada inesquecível por uma região rica em belezas e contrastes

Texto e fotos: Rodrigo Octávio Tristão de Almeida

Confira a Parte 1 do roteiro.

NATUREZA SELVAGEM

“A gente não sabe muito, mas desconfia de muita coisa”. Esta e outras frases de Guimarães Rosa são lançadas à análise dos viajantes. O nome do Parque Nacional foi escolhido em homenagem a uma das mais importantes obras literárias brasileiras: “Grande Sertão Veredas”, que é fruto das viagens de Guimarães Rosa pela região, quando o escritor teve oportunidade de conhecer fatos e pessoas que inspiraram seu livro.

Chapada Gaúcha tem 11 mil habitantes. As pessoas são acolhedoras e muito atenciosas. Após me acomodar no hotel, saí à rua para verificar como poderia conhecer o Parque. Perguntei a uma moça se ela sabia onde eu poderia encontrar um guia. Ela pegou o celular, ligou para o Ibama e me passou todas as informações solicitadas. Fiquei encantado com sua espontaneidade.

O preço para conhecer o Parque é alto: normalmente cobram R$ 100,00 por pessoa. Mas o valor depende da negociação e do número de viajantes que integrarão o grupo. Quanto menos gente, mais caro. Se você estiver sozinho, pagará, pelo menos, R$ 300,00.

Pensei em ir ao Parque com um guia no primeiro dia. Assim, poderia ter noção da dificuldade do terreno e das rotas. Depois, voltaria sozinho de moto, no dia seguinte, para fotografar nas melhores condições de luz. Ninguém vai à Chapada Gaúcha por acaso, a não ser que seja a trabalho. É uma região bastante isolada. O Parque Nacional não tem infraestrutura alguma e não há vestígio de organização turística. Só há um motivo para ir até lá: amar a natureza selvagem.

PARQUE

Antes de entrar no Parque, é preciso pegar uma autorização no Ibama e assinar um termo de responsabilidade, que diz mais ou menos o seguinte: “Sei que o Parque não tem estrutura nenhuma e se acontecer alguma coisa comigo lá dentro, o problema é meu.”

No dia seguinte, eu e o guia, Jacinto, saímos de camionete às 07h30 rumo ao Parque. Passamos por diversas veredas, rios e cachoeiras. Vimos emas e seriemas, mas não tivemos a sorte de avistar outros bichos. Perguntei se eram comuns acidentes com animais e ele respondeu que eram mais comuns ocorrências de picada de cobra. Fizemos um lanche à beira da Cachoeira do Mato Grande. Passamos por uma torre da brigada de incêndio, com cerca de 30 metros de altura, utilizada para avistar os primeiros sinais de fogo. O brigadista que fica ali permanece isolado do mundo durante uma semana, até que chegue um outro para substituí-lo.

Os areiões, abundantes nesta época do ano, são um desafio e tanto. Atolamos na areia fofa. Precisamos cavar a areia que estava à frente do pneu e colocar algumas plantas, para que a roda pudesse tracionar. Mais adiante, um dos pneus furou. Isto é rotina naquelas bandas.

Quando percebi a dificuldade de se locomover no Parque, não só pela irregularidade do terreno, mas pelo conhecimento das rotas, desisti de voltar de moto sozinho, no dia seguinte. Pegamos o anoitecer dentro do Parque. As cores do cerrado e do céu proporcionavam um espetáculo de encher os olhos. Foi uma experiência inesquecível!

NOVOS RUMOS

No outro dia, decidi ir de moto até o povoado de Serra das Araras, distante 40 km de Chapada Gaúcha. A estrada é de terra e tem alguns areiões, além de muitos pedregulhos. Nos arredores encontramos o Parque Estadual da Serra das Araras, que estava fechado à visitação, e uma joia natural, a Cachoeira da Arara Vermelha. Segui por mais 7 km pela mesma estrada de terra, que me levou à Serra das Araras, onde surge uma bifurcação com uma placa indicando a cachoeira. Virei à esquerda e comecei um percurso cheio de emoções. Havia algumas bifurcações sem sinalização e muita areia fofa. Pela primeira vez, senti o que é atolar a moto na areia. Ela não traciona e acaba afundando. Aos poucos, o terreno foi sendo vencido. A cautela era redobrada, pois eu estava sozinho em um lugar de difícil acesso, ao menos naquela época do ano, quando não chove e os areiões se sobressaem. Se bobeasse, poderia ficar isolado – e sem ajuda.

Enfim, quando a cachoeira aparece, o êxtase é automático. A água é incrivelmente límpida, de tonalidade verde esmeralda. A corredeira pende para uma piscina natural, que parece desenhada para a gente nadar… Fiquei horas ali, lanchando, nadando e fotografando. A volta foi mais tranquila, pois eu já conhecia as dificuldades do terreno.

Retornei calmamente para Chapada Gaúcha, curtindo as paisagens e o prazer de pilotar na estrada de terra. No dia seguinte, comecei a jornada de volta para casa, cruzando o planalto central e voltando a pernoitar em Cristalina. No outro dia, fiz o trajeto de Cristalina para Descalvado.

IMPRESSÕES

As impressões desta viagem foram fortes, sobretudo, por conviver com gente de uma cultura tão diferente e confrontar a natureza selvagem e seus elementos indescritíveis. Quando eu ladeava a imensidão do cerrado ou singrava pelo mar de verde, sensações antagônicas (como as de vazio e de plenitude, receio e coragem, inquietação e paz) se misturavam em momentos sequenciais. A aventura não se resumiu a viajar por uma região selvagem e com paisagens alucinantes. Também se constituiu das cores do firmamento, dos amanheceres e das emoções que só o grande sertão (e suas esguias veredas) pode proporcionar.

*Matéria publicada na edição #156 da revista Moto Adventure.