Moto Adventure faz test ride de 2,3 mil km com uma Harley-Davidson Road King Special, máquina que é uma verdadeira “bad boy” do asfalto. As características técnicas, vantagens e possíveis melhorias serão desbravadas nesta reportagem. Confira!
TEXTO: FÁBIO AMORIM SOARES
FOTOS: DANIELLA FALCHERO
Para muitos, uma Harley-Davidson não é simplesmente uma motocicleta, é uma religião, uma paixão que se torna parte da família. Um objeto em torno do qual se estabelece um modo de vida, ainda que somente em finais de semana. Por gerações, há mais de 115 anos, essa lendária fábrica produz uma legião de seguidores. Esse exército tem uma grande variedade de modelos à sua escolha, sempre mantendo características próprias, que são a marca registrada de seus produtos.
No nosso test ride utilizamos uma Road King Special modelo 2018, zero quilômetro, apresentada ao Brasil no último Salão Duas Rodas. Assim que a vi na loja observei suas linhas e conclui: ela tem “cara de mau”! A agressividade do design transparece. Seu estilo minimalista, mas funcional, chama a atenção. Aliás, estilo é o que sobra nessa moto de 1.745 cc e 372 quilos.
A Road King Special possui poucos cromados. A pintura do modelo testado, na cor Industrial Gray Denim, é opaca e somente poucas partes em preto são brilhantes, como farol, guidão, rodas, lateral do motor e bengalas. O escapamento é preto fosco. Uma combinação que dá a ela um ar sóbrio, agressivo. Mostra que “não está para brincadeira”.
Minimalista
As pequenas malas laterais deste modelo cobrem quase totalmente a roda traseira, de 18 polegadas, e são bastante úteis. E, como elas são bem estreitas, não atrapalham a pilotagem e não exigem atenção especial entre os carros. Elas podem ser retiradas de maneira descomplicada, sem ferramentas. Basta soltar duas porcas tipo borboleta localizadas dentro do compartimento e a mala sai. Juntamente com o para-lama dianteiro, que abraça praticamente metade do raio da roda de 19 polegadas, feitas de alumínio preto, e dão a essa touring uma cara de “bad boy”.
Eu a chamei de minimalista porque ela tem o que precisa, nem mais, nem menos. Seu painel se resume a um velocímetro na parte superior do tanque. Nele tem um pequeno display onde se pode alternar, através de um botão no punho esquerdo acionado pelo dedo indicador, hodômetro total e dois parciais (trip “A” e “B”), relógio, autonomia total e, juntos, indicador de marcha e conta-giros. A moto não possui itens eletrônicos para ativar ou desativar, exceto um Cruise Control simples, sem controle de aumento ou diminuição da velocidade.
Ainda sobre o tanque, à esquerda do velocímetro, fica o medidor de combustível, como se fosse uma tampa de tanque. Do lado oposto, aí sim, o orifício de abastecimento. Um pouco mais abaixo estão as luzes de alerta (óleo, temperatura, motor e reserva) e neutro. Ao centro, está a “chave de ignição”. Na verdade, um “corta corrente”. O que realmente permite ligar o motor é o sistema FOB (Free On Board). Um sensor que, ao aproximar-se da moto, após um breve sinal sonoro, aciona automaticamente o sistema elétrico e libera todas as funções.
Nos punhos, além do controle do display, está a buzina, pisca à esquerda, comandos de farol alto, baixo e flash. Na direita, o corta corrente, pisca à direita, pisca alerta e start. Para que mais? Como em todos os modelos Harley-Davidson, não há itens opcionais, a versão é única!
Na estrada
Rodei cerca de 2.300 km, dos quais aproximadamente 200 km foram no carregado trânsito de São Paulo. Não se pode achar que uma moto desse porte vai ser ágil entre os carros, não é seu ambiente ideal. O manete de embreagem é relativamente duro, o que cansa um pouco nas trocas frequentes. Mesmo pesando 372 kg completa, seu baixo centro de gravidade permite o total equilíbrio quando parada, possibilitando que pessoas de estatura e porte físico menores a conduzam sem problemas.
É na estrada que sua majestade mostra toda a realeza. O novíssimo motor Milwaukee-Eight 107, lançado em 2017, de 2 cilindros em V a 45º com 4 válvulas em cada (daí a designação “Eight”) e volume de 1.745 cc (“107” refere-se ao seu volume em polegadas cúbicas) é bem econômico e equipa toda linha Touring e Softail, porém variando seu volume conforme o modelo (107 e 114).
Quando a moto ainda estava com menos de 500 km o consumo na estrada girava em torno dos 17 km/l. Ao final do teste, com mais de 2.000 km, chegou a fazer 19,3 km/l. Com seu tanque de 22,7 l a autonomia é muito grande, ótima característica para longas viagens. Na reserva é possível rodar por mais de 70 km, o que dá uma boa margem de segurança. Na cidade minha medição não foi confiável, por isso deixo de publicá-la. A motocicleta não tem indicador de consumo.
O motor, que trabalha em rotação máxima por volta das 5.500 rpm, mostra seu torque de 148 Nm nas acelerações. Mesmo nas marchas mais altas, em rotações menores, não há necessidade de reduções frequentes. Segundo a fábrica, as vibrações típicas dos modelos da marca diminuíram em 75% com o Milwaukee-Eight 107, graças às inovações introduzidas nessa nova “usina de força”. No retrovisor, as imagens surgem nítidas, sem trepidações.
Para parar toda essa massa há um poderoso conjunto de freios Brembo (apesar de estar estampado nas pinças o logo da H-D) com sistema ABS, disco duplo de 300 mm com pinças de quatro pistões na dianteira e simples de 300 mm, também com quatro pistões na traseira. Mesmo com seu peso, a frenagem é precisa e eficaz em qualquer situação.
Tamanho não é documento
A Road King Special faz jus ao nome quando está em seu ambiente natural: a estrada. Todo o peso e tamanho não correspondem à sua leveza, agilidade e facilidade de inclinação no asfalto. Me surpreendeu! Se no meu primeiro contato fiquei atento a quais seriam suas reações, quando fui para a estrada o relaxamento foi total. Fiz um “bate e volta” até Campos do Jordão (cerca de 400 km) e, na Serra da Rodovia Monteiro Lobato, a moto comportou-se de maneira digna de quem tem “sangue azul”. Nas mudanças de direção consecutivas ela atende sem esforço do piloto e inclina-se com facilidade, porém de forma limitada devido às plataformas de apoio dos pés, que raspam sem fazer muita força.
Fui também num “bate e fica” até Florianópolis, rodando mais de 750 km num só dia (cerca de 10 horas) e constatei que a posição de pilotagem não pode ser considerada a melhor que já conheci, mas é bem confortável graças à posição do guidão, que não obriga a extensão demasiada dos braços. O Cruise Control é outro item que auxilia, e muito, no conforto, já que permite relaxar também a mão direita, apesar do acelerador ser suave. O banco é dividido em duas partes: a do piloto é muito confortável, macio e anatômico; já o assento do garupa é um pouco pequeno e curvado para trás, fazendo com que se escorregue a cada acelerada mais forte. Entre elas há um inteligente “porta trecos” escondido sob um “rasgo” transversal no banco.
As plataformas de apoio para os pés não permitem grandes mudanças de posição das pernas. Na direita ainda se consegue ficar apoiado, também, na ponta dos pés. Na esquerda isso não é possível em razão do pedal de câmbio ser duplo. É duplo, porém em duas peças independentes, possibilitando a retirada daquela voltada para trás, liberando mais espaço na plataforma.
Nas velocidades até 120 km/h a falta de uma bolha não incomoda. O vento empurra ligeiramente a cabeça. Acima dos 120 km/h pode começar a cansar o pescoço em longos deslocamentos.
Apesar de a moto não gostar muito de pisos irregulares, pois a suspensão bate um pouco quando passa em buracos ou calombos maiores, mesmo sem garupa, isso não tem grande influência nas curvas. Essa característica talvez possa ser resolvida com um ajuste mais rígido na suspensão traseira, feito através de um sistema manual existente ao lado do amortecedor esquerdo.
Os pneus são Dunlop D408F 130/60B19 61H dianteiro e D407 180/55B18 80H traseiro. Estas especificações mostram que as emoções das altíssimas velocidades e ângulos de inclinação acentuados não fazem parte da corte de sua majestade. No molhado, o comportamento da Road King Special transmite confiança. Seu porte não permite a sensação de que a moto vai “escorregar”. Ela “pisa” firme na água, mesmo no asfalto encharcado. Na volta de Florianópolis peguei cerca de 600 km com chuva média e pesada, e a motocicleta foi muito bem!
A Road King Special é uma moto para quem gosta de estilo, rodovias, torque e potência. Tem suas limitações no trânsito dos centros urbanos, porém nada que a desmereça. Suas qualidades estão à altura da tradição de 115 anos da emblemática fábrica de Milwaukee.
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