De Santos (SP) ao Alasca (EUA), motociclista paulista realiza seu sonho e pelo caminho enfrenta muitos desafios, faz novas e verdadeiras amizades e encontra lugares incríveis até chegar à Grande Terra
TEXTO E FOTOS: CARLOS HENRIQUE
Meu nome é Carlos Henrique Ferreira, sou engenheiro e resido em Santos (SP). Com 17 anos, vendi uma prancha de surf e uma bicicleta e, somado ao salário do meu recém-conquistado primeiro emprego, pude dar entrada em uma moto usada. Ela foi a grande responsável por me tornar o homem sobre duas rodas que hoje sou. Arrisco a dizer que minha vida sem duas rodas é meu corpo sem alma. Foi assim que começou minha história, com 33 anos ininterruptos dedicados às minhas motos e viagens. Que foram muitas, curtas ou longas.
Nessas viagens fiz muitas e boas amizades. Aprendi sobre mecânica e na década de 1990 fui para San Pedro de Atacama (Chile) pela primeira vez, e no ano seguinte para Ushuaia (Argentina). Foi ali, no chamado “Fim do Mundo” que avistei uma famosa placa que indicava a distância até o Alasca. Muitos anos se passaram, fiz várias viagens legais, mas nunca esqueci daquela placa.
Enfim, 10 anos depois, me dei essa oportunidade, quando pedi demissão da empresa na qual trabalhei por 20 anos e me preparei por meses, tratando de me desvencilhar definitivamente do trabalho, aplicando os vistos mexicano, canadense e norte-americano, calculando rotas, estudando mapas, fazendo a revisão da moto, vendo custos financeiros, que eram limitados, mas suficientes.
Tomei então a decisão mais legal da minha vida, preparei minha moto, uma Yamaha Ténéré 660, ano 2012, que uso no meu dia a dia, a menor bagagem que pude, parti sem GPS (por opção) e com a moto sem nenhuma preparação específica, totalmente original, com um baú de plástico dos mais baratos e duas malas laterais de alumínio que comprei usadas. Em pouco tempo lá estava eu a caminho do Círculo Polar Ártico.
NA ESTRADA
Saí de Santos (SP), cidade onde moro, em direção à Estrada do Pacifico, que liga o Acre ao Peru, na metade de julho, percorrendo os 4.000 km até a fronteira sem grandes novidades, mas já preocupado se chegaria ao Alasca no final do verão.
Vencido esse trecho passei rapidamente por Cuzco. Cheguei a Lima com o pneu traseiro na lona. A capital do Peru tem o trânsito mais agressivo que conheço. Andar ali de moto foi bastante complicado, mas encontrei pneus Dunlop em uma concessionária e saí de Lima, fugindo o máximo que pude daquele trânsito infernal, cheguei até Huacho e depois resolvi ficar alguns dias em Cali e Medellin (Colômbia), que aliás são cidades belíssimas, muito vigiadas pelo Exército e pela própria polícia.
EL TAPON DE DARIÉN
Saindo de Medellin, segui diretamente para Cartagena, pois já tinha ciência que a travessia da Colômbia ao Panamá não poderia ser feita por terra devido a “El Tapon de Darién”. Mesmo querendo muito passar por lá, vi que algumas coisas não valiam o risco, pois desde que entrara na Colômbia vinha coletando informações sobre a região, principalmente com integrantes do Exército que me paravam na estrada. Entre eles sempre havia algum que já havia prestado serviço na região do Darién, refúgio dos narcotraficantes e das FARCS (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), sempre à espera de alguma oportunidade de sequestro para pedir resgate. Assim, fui diretamente a Cartagena procurar uma embarcação para atravessar rumo ao Panamá.
Chegando a Cartagena, soube de um ferry que estava operando havia poucos meses entre Cartagena e o Panamá. Infelizmente essa rápida e barata alternativa funcionou por poucos meses, até abril de 2015. Comecei a procurar outras opções que seriam colocar a moto em um barco pequeno (veleiro) ou, em último caso, um contêiner de navio. Fiquei sabendo de um veleiro que sairia em dois dias. Acontece que esse tipo de transporte para motos foi considerado ilegal pela aduana colombiana. Restava-me ainda a opção de embarcar a moto em contêiner, mas teria de ficar esperando algum carro ou outras motos para dividir o alto custo deste tipo de transporte.
Só me restou a opção de embarcar a moto em avião cargueiro. Assim, tentei no aeroporto de Cartagena, mas nenhuma empresa fazia esse transporte dali. Eu teria de voltar mais de 1.000 km até Bogotá. Voltei, fiz a reserva por e-mail e quando cheguei ao aeroporto em apenas três horas tudo estava resolvido. Embarquei a moto e no dia seguinte peguei um voo para a cidade do Panamá.
AMÉRICA CENTRAL
Já em solo panamenho, com a moto em mãos, e ainda preocupado com o final do verão no Alasca, resolvi passar rapidamente pela América Central e ficar mais tempo por ali na volta. Apesar da burocracia, que sempre gera perda de tempo em algumas fronteiras, especialmente a da Nicarágua, passei por seis países em seis dias: Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras e Guatemala até chegar ao México. Deixei para ir a Belize e El Salvador no retorno.
Na entrada do México (El Ceibo), além da fumigação de 6 dólares, é cobrada uma taxa de 59 dólares de ingresso. E você deve deixar 400 dólares em “cash” como garantia que sairá definitivamente do México em 180 dias (eles devolvem esse valor também em “cash” quando você sair do país).
Enfim no México, pude perceber que metade do meu caminho de ida se completava. Algumas estradas boas e outras nem tanto (muito parecido com o Brasil nesse aspecto), mas a polícia e o Exército não me davam trégua. No primeiro dia fui parado oito vezes e, em quatro dessas “entrevistas”, vasculharam toda a minha bagagem. Cruzei o México em três dias.
Devido ao custo dos pedágios e condições ruins das estradas, optei por encurtar o caminho em aproximadamente 1.000 km e assim cruzei a fronteira México/ EUA via Laredo.
FRONTEIRA MÉXICO/ EUA
A entrada nos EUA também deveria ter sido rápida, pois exige poucos trâmites, mas naquele dia havia muita gente para atravessar do México. Enfrentei então um calor ao extremo, durante muitos dias seguidos, desde a travessia do México, Texas e Novo México. A temperatura só ficou amena nos estados de Colorado e Wyoming, Depois disso enfrentei bastante frio por muitos dias seguidos. Nesses estados norte-americanos por onde passei durante minha ida, pude matar a saudade de andar de moto sem capacete (pois seu uso não é obrigatório). E me veio a lembrança da prática que havia no Brasil, antes do uso da motocicleta ter se popularizado tanto, quando todos de moto se cumprimentavam. Nos EUA e Canadá ainda é assim, mesmo dentro das cidades, sempre tem um aceno de mão ou, no mínimo um balançar de cabeça, oriundo de qualquer tipo e tamanho de moto.
Procurei oficinas no Texas e Novo México a fim de cortar a corrente da moto para fazer sua substituição e encontrei em Albuquerque um pessoal muito bacana de uma oficina Honda. Além disso, o chefe da oficina, chamado Paul, apaixonado por motos, me mostrou um mapa com alguns pontos que me surpreenderam na região de Albuquerque, inclusive uma estrada antiga que liga a Santa Fé – Rota 14, onde foram gravadas as cenas finais do filme “Wild Rogs” ou “Motoqueiros Selvagens”.
Passei pelas montanhas do Colorado e fiquei hospedado numa pequena e encantadora cidade chamada Estes Park, cheia de lagos, florestas e rios. Após sair do Rocky Mountain National Park, por uma estrada estreita, o trânsito estava parado com algumas pessoas fora dos carros. Achei que fosse acidente, mas quando fui chegando perto, desci da moto e era um “Zé Colmeia” gigante a cerca de 30 metros do acostamento deitado na sombra se espreguiçando. Fiquei então sabendo que havia dois ataques de ursos naquela mesma semana nos EUA e um deles infelizmente foi fatal. Sai de lá rapidamente.
CANADÁ E PAISAGENS DESCOBERTAS POR ACASO
Assim que entrei no Canadá, por uma fronteira muito tranquila, em Sweet Grass, dormi perto de uma cidade chamada Calgary. No dia seguinte dei continuidade à viagem com intenção de trocar o óleo da moto, na primeira oficina que encontrasse aberta.
Rodei uns 100 km e parei na cidade de Red Deer, dessa vez em uma concessionária Kawasaki na beira da estrada. O dono da loja, Steve, logo veio conversar comigo, muito interessado na minha viagem. Fiz o serviço ali e Steve então ele me mostrou que se eu saísse da estrada principal para uma cidade chamada Jasper, eu passaria num dos lugares mais bonitos do Canadá, que era um glaciar na beira do caminho, além de vários rios e lagos na região. Assim, mais uma vez segui viagem ao acaso, fiz um caminho alternativo com umas das paisagens mais bonitas que já vi na vida
ÚLTIMA FRONTEIRA E URSOS
Saí de White Horse, no Canadá, em direção a Fairbanks, no Alasca, para cruzar a última fronteira. Os pneus da moto estavam em estado lamentável, bastante gastos. Para complicar, alguns trechos dessa estrada são de cascalho e eu não tinha certeza se encontraria pneus em Fairbanks. Mas por Fairbanks ser uma cidade razoavelmente grande, minhas chances de sucesso eram boas. Ao parar em um posto para abastecer, encontrei duas motos paradas com placas da Califórnia. Como eles já estavam voltando do Alasaa perguntei sobre pneus e os motociclistas norte-americanos me passaram o nome de uma pessoa que vendia pneus na própria casa, um sujeito chamado Dan Armstrong.
Cheguei a Fairbanks perto das 21h00, com o dia ainda claro e sem chuva, fui para um acampamento chamado Sven’s Basecamp, onde encontrei muitos europeus que também estavam de moto. Minha prioridade para o dia seguinte foi a troca dos pneus e segui para a casa do Dan Armstrong, um sujeito daqueles que vimos em seriado de TV sobre o Alasca, de barba grande e apaixonado por aquela terra. Tinha os pneus que eu precisava. Dan me pareceu um sujeito muito culto e ainda me deu de presente um galão para eu levar gasolina extra no meu trajeto até Prudhoe Bay, distante 800 km de Fairbanks, passando por um trecho de aproximadamente 400 km da estrada sem abastecimento. Aceitei o galão, mas como empréstimo. Resolvi ficar um dia a mais em Fairbanks, antes de ir a Prudhoe Bay, pois foram 38 dias até chegar lá desde minha partida de Santos, contando com uma semana na Colômbia para embarcar a moto ao Panamá. Não gosto dessa palavra, mas eu estava fisicamente cansado e chovia muito nesse dia, então aproveitei para descansar um pouco, apesar do espírito não querer ficar parado nem um minuto.
No dia seguinte, aproximadamente 90 km após ter saído de Fairbanks em direção a Prudhoe Bay, por muito pouco não atropelei dois filhotes de urso, bem gordos e desajeitados atravessando a estrada. Fiquei imaginando a colisão, tombo inevitável e o pior, eu dando explicações para a mãe deles que certamente estava por perto. Mãe com cria é a situação mais perigosa com relação a ursos.
CÍRCULO POLAR ÁRTICO
Devido à chuva do dia anterior, a estrada encontrava-se bem escorregadia em alguns trechos. Cruzei o Yukon River e fiquei pensando nas suas águas que vão em direção ao Mar de Bering. Logo em seguida passei pelo Círculo Polar Ártico, e depois cheguei em Coldfoot, que tem como população meia dúzia de pessoas, mas onde se pode comer, abastecer a moto e até dormir.
Ali eu vivenciava a Alaska Dalton Highway, uma estrada bem bonita, com vários lagos, rios e montanhas de diversas cores e muitos, muitos caminhões circulando em alta velocidade. Porém não há muito o que se ver em Prudhoe Bay, pois ali tudo gira em torno do petróleo.
Pouco antes do final dessa estrada, a paisagem muda completamente para um deserto sem nenhuma beleza e bastante inóspito. Na manhã seguinte saí de Prudhoe Bay às 8h30, para voltar a Fairbanks, após tomar uma café da manhã gigante e bem calórico no famoso Prudhoe Bay Hotel. Dois termômetros na rua indicavam 21 F, o que significa – 6 C (e o verão não havia terminado).
Após retornar a Fairbanks, troquei o óleo da moto na casa do Dan Armstrong e dei uma geral na moto, pois havia muita viagem pela frente ainda… E isso você vai ler na próxima edição de Moto Adventure.
DICA
Além de vender pneus, Dan Armstrong tem filtros, pastilhas e relações para motocicletas. Para quem for viajar pelo Alasca é possível entrar em contato com Dan pelo site www.advcycleworks.com
A GRANDE TERRA
O nome Alasca (Alaska, em inglês) veio da palavra “alakshat”, que em idioma esquimó significa “grande terra”. O Alasca é um dos 50 estados que formam os EUA e é o maior em extensão territorial. Se fosse um país independente, seria o 17º maior do mundo. Com uma densidade populacional de 0,42 pessoa por quilômetro quadrado, o Alasca é o estado menos populoso dos Estados Unidos.
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