Em busca de belas paisagens, grupo percorreu 3.500 km a bordo de nove motos. Surpresas e imprevistos tornaram a aventura ainda mais emocionante
TEXTO: TRINITY RONZELLA
FOTOS: TRINITY RONZELLA E ROSA FREITAG
Anualmente, organizamos viagens ao Pantanal, com propósitos bem específicos: andar de moto, conhecer o Mato Grosso do Sul e fazer amigos – não necessariamente nessa ordem. O foco são sempre as estradas de terra (de preferência, as menos movimentadas e pouco conhecidas). Ainda que o roteiro deste ano tenha sido muito diferente ao de 2018, os lugares por onde passamos agradaram a todos os participantes.
Tratava-se de um grupo heterogêneo, com pessoas de estados e cidades diferentes. O nível de dificuldade também era baixo, o que permitiu aos pneus originais cumprirem todo o trajeto sem problemas. A aventura envolveu um carro e nove motos, cujos modelos eram diversificados: Super Ténéré 1200, duas BMW 1200 GS Adventure, KTM 1290 R, KTM 990 Adventure, Kawasaki Versys-X 300, Ducati Scrambler, Honda CB 500 e a novíssima SWM Superdual.
DIA 1
Saímos de Campo Grande às 7h30 para o nosso primeiro percurso de 255 km (sendo 180 km de estradas de terra e sem qualquer infraestrutura), que nos levaria a Aquidauana. Trechos com retas longas, subidas, descidas e curvas faziam o tempo passar rápido. A cada acelerada, surgia uma bela paisagem, e parávamos para tirar fotos e documentar a aventura. Em um desses momentos, quando nos preparávamos para fotografar o pessoal à distância, um felino cruzou a estrada a 200 mts de distância. Por seu jeito de se movimentar, tamanho e cauda, havia uma grande chance de ser uma onça parda. Tudo aconteceu muito rápido, de modo que não conseguimos fotografá-la. Porém, é uma imagem que ficará para sempre registrada em nossa memória.
Mais à frente, chegamos a um local onde a paisagem mudou completamente. Estávamos, agora, em meio a vários morros, com uma bela vista do horizonte diante de nós. Foi a deixa para outra sessão de fotos, voo de drone e bate-papo, já que tínhamos tempo e não estávamos com pressa de chegar. A seguir, passamos por um vilarejo bem simples, originado em 1934, a partir da corrida pelo garimpo na região. Porém, com o surgimento de ouro em outra parte do Brasil, a vila foi “esvaziada”. Em 1945, uma segunda “corrida do ouro” na região trouxe mais habitantes ao local, conhecido como “Garimpo do Cipó”.
Paramos em um bar que estava fechado, mas cujo proprietário fez questão de nos atender, até para escutar nossas “mentiras” sobre a viagem. Em cinco minutos, já estavam nos oferecendo churrasco, cerveja e dicas para aproveitarmos melhor o rio local, que era convidativo para um banho. Seguimos em frente, até a aldeia de Limão Verde. Às margens da estrada, habitadas por índios Terena, fizemos uma breve parada para conhecermos a Igreja de Pedra. Mais tarde, seguimos caminho até Aquidauana, para, então, seguirmos para Miranda, onde descansamos. O “perrengue” do dia: no final da terra, o pneu dianteiro de uma uma das motos furou, o que demandou um bom tempo para a retirada e troca da câmara de ar. Mas nem isso afetou o bom-humor dos viajantes!
DIA 2
Saímos de Miranda e rodamos por 100 km de asfalto. A meio caminho, paramos para ver e fotografar alguns jacarés à margem da estrada, antes de entramos novamente na terra. Foram 180 km de ótimas estradas de terra – um ambiente tranquilo e selvagem, que lembrava a Transpantaneira alguns anos atrás. O caminho se inicia com uma grande reta e várias pontes em bom estado, cortando a mata mais preservada, na qual chama a atenção o grande número de Carandás. No período de agosto e setembro, também é impossível não reparar nos ipês amarelos. Em meio ao verde predominante, um amarelo forte rouba a cena, compondo belos cenários. Nesse trecho, cruzamos com apenas quatro veículos, o que tornou a estrada mais atrativa. Algumas bifurcações pelo caminho tornam o roteiro mais emocionante. A primeira delas conta com um “armazém” e um borracheiro, mas que só conserta pneus sem câmara. As demais definem o destino que se irá tomar: distanciar-se mais do asfalto ou voltar para mais perto da civilização. O calor, ali, beira os 40 graus, o que exige algumas paradas à sombra para se hidratar. Nos últimos 80 km, a estrada diminui e se torna mais estreita, com pedras e alternâncias no relevo. Subidas com pedras “apimentam” mais a aventura, e as inúmeras porteiras e trilhas trazem dúvidas sobre a acuracidade do caminho percorrido.
Como era previsto, duas motos tiveram pane seca. Mas bastou esperar a chegada do carro de apoio para reabastecermos. Simples e rápido! O caminho se tornou menos selvagem e passamos por dentro de algumas fazendas, antes de voltarmos às estradas de terra tradicionais. Seguimos para os últimos 20 km de terra até a cidade de Bodoquena, onde reabastecemos as motocicletas e fomos ao “Varandas Pizza e Lanches” saborear uma pizza. O susto do dia: todo cuidado é pouco em viagens como essa, nas quais sempre estamos sujeitos a acidentes. A poucos quilômetros da estrada principal, quando atravessávamos uma ponte, a primeira moto passou pela esquerda e levantou uma tábua, que estava solta. Uma das pontas da tábua se chocou com outra moto. Felizmente, foi apenas um susto!
DIA 3
Após dois dias muito proveitosos, tiramos um tempo para conhecer alguns atrativos da região que são pouco explorados. O amigo Valfrido se propôs a nos levar a esses lugares. Rodamos com as motos por 25 km, até chegarmos ao fim da estrada. Deixamos as motos estacionadas e seguimos caminhando por trilhas, até chegarmos ao Rio Salobrinha. Água transparente, fria e um cenário lindo, ótimo para tomar um banho e repor as energias. Saímos de lá e fomos conhecer a maior cachoeira do estado: a Boca da Onça, que despenca de uma altura de 156 mts e, pelo alto teor de carbonato de cálcio em suas águas, tem formações características, que a tornam “diferente”. Outro atrativo é o Rio Salobra, com águas transparentes e um pouco frias nessa época do ano. Mais tarde, ainda curtimos:um jantar típico ao som de excelente música regional. A iguaria servifda foi “Palga Serrana”, um prato composto por palmito de Bacuri com galinha caipira (uma refeição típica na pousada Casa de Charme da Serra da Bodoquena). Musicalmente, fomos brindados como uma “aula” de história do Mato Grosso do Sul pelo cantor Adão Reis e pela dupla Carmelito Cavalcante (ao violão) e Moacir Pedroso (na gaita) – este, um autêntico índio Kadweu. Sem esquecer de Edir Mendes Flores, que nos deu uma “palhinha” no vocal. Uma noite e tanto!
DIA 4
A “alvorada” não foi tão cedo, dessa vez. Tínhamos à frente um deslocamento curto (60 km de asfalto até Bonito e 80 km de terra até uma fazenda que nos receberia por dois dias). Antes de Bonito, fizemos uma parada surpresa na Fazenda Ceita Corê, onde fomos cortesmente recebidos por Emili. Além de ter uma das mais belas sedes da região, a fazenda possui uma incrível caverna inundada e permite um passeio por várias cachoeiras. Fizemos uma passagem rápida por ali e prosseguimos até a cidade de Bonito, para abastecer as motos e degustar um peixe delicioso no sempre agradável Restaurante Tapera, antes de irmos para a fazenda de um velho amigo, Júlio Romano. Depois de uns parafusos apertados e troca de um fusível queimado, percorremos mais 60 km de estrada de terra (boa, mas muito movimentada nos primeiros 30 km). Descendo a serra, fizemos uma parada no Bar do Bezerra. Enquanto alguns tomavam refrigerantes, fomos garantir o passeio surpresa do dia seguinte. Encontramos Zé Morais, um índio Kadwéu que conhecemos há tempos e que vive na reserva onde se encontra parte da cachoeira. Ele e esposa nos receberam e combinamos de levar o grupo para conhecer as águas e cachoeiras do Rio Aquidabã. Seguimos para a nossa hospedagem, na casa de Júlio, que nos esperava com o jantar pronto, antes de seguir para Campo Grande e nos deixar aos cuidados de seu filho e de seus funcionários, todos muito atenciosos. Estávamos em casa… e cansados! O “perrengue” do dia: antes de chegarmos à fazenda, uma das motos apresentou problemas na parte elétrica. Felizmente, resolvemos isso rapidamente no Bar do Bezerra.
DIA 5
Relaxar foi a palavra de ordem! Na companhia de Zé Morais e de sua esposa, seguimos de moto até a entrada da trilha para a cachoeira. Uma hora de caminhada depois, chegávamos às margens do Rio Aquidabã. Nessa época de inverno, os rios estão mais baixos e, consequentemente, as cachoeiras com pouca água. Mas essa condição favorece as piscinas naturais geladas. Passamos algumas horas desfrutando desse belo cenário, antes de caminharmos de volta para as motos e regressarmos à fazenda, com belas imagens do lugar. Na fazenda, fomos recebidos com um saboroso arroz de carreteiro, mais um prato típico da região. O susto do dia: na volta para a fazenda, havia dois touros na estrada. Quando uma das motos passou por eles, um dos animais se assustou e partiu para cima do veículo. Com um movimento da cabeça, virou a moto e o motociclista para o sentido contrário! Felizmente, o saldo foi apenas o corpo dolorido e alguns danos superficiais na moto. A surpresa do dia: alguns voltaram com “passageiros” pelo corpo (era época de carrapatos!).
DIA 6
Aqui começou a nossa volta. Em razão da queda de uma ponte, nosso roteiro foi interrompido, o que nos fez voltar a Bonito – mas nada é por acaso. Uma vez lá, lanchamos, abastecemos e seguimos por asfalto até a cidade de Dourados, 270 km à frente, para nos hospedarmos no Ellus Hotel. Mais tarde, saímos para um jantar merecido, pois o grupo já começava a se dispersar. O “perrengue” do dia: faltando 2 km para a cidade, uma das motos “apagou” logo na entrada do asfalto. Usamos um cabo de reboque para levar o veículo até uma oficina. Um parafuso do motor havia quebrado, outro se soltou, um fio encostou onde não devia e isto causou a queima de um fusível. Demoramos duas horas para resolvermos o problema. Se tivéssemos seguido pelo caminho do cronograma, estaríamos mais longe da cidade e seria mais complicado solucionar o imprevisto. Resolver problemas faz parte da aventura!
DIA 7
Em um grupo menor, seguimos para a barragem de Porto Primavera, na divisa de MS/SP e, posteriormente, para Rosana – uma pausa para nos refrescarmos do calor intenso. Curtimos as águas transparentes do Rio Paraná, comemos petiscos e prosseguimos até Ourinhos, onde pernoitamos.
ÚLTIMO DIA
Seguimos direto para São Paulo e, nas paradas, monitorávamos todas as pessoas do grupo que estavam em deslocamento. Chegamos ao destino no final do dia, com todos em segurança. Dever cumprido! Todos estavam bem, felizes e satisfeitos. E já estamos programando a viagem do ano que vem!
O QUE VEM POR AÍ!
Nesta viagem, tivemos a oportunidade de testar a nova SWM Superdual, uma monocilíndrica feita para esse tipo de aventura. Com motor de 600cc, a motocicleta tem ótima autonomia e vem completa, pronta para aventuras on e off road. Na próxima edição de Moto Adventure, confira o teste completo dessa “motoca”!
AGRADECIMENTOS
A todos os participantes, pela confiança e companheirismo. Ao carro de apoio, que sempre esteve pronto para ajudar, guardar, tirar, carregar e nos acompanhar. À Yamaha Motor do Brasil, por fornecer a lendária Super Ténéré 1200 para essa aventura (a moto não teve nenhum problema e proporcionou conforto e segurança durante todo o trajeto, mantendo um consumo médio de 20 km/l e enfrentando vários tipos de terrenos). A Sérgio Costa, importador da marca SWM, que forneceu a surpreendente SuperDual para um rigoroso e longo teste (que será publicado na próxima edição de Moto Adventure). Ao amigo Valfrido de Bodoquena, que nos mostrou as belezas da região, com muita paciência. E a Juca Ygarapé, de Bonito, que nos deu um grande apoio para solucionarmos os problemas com uma das motos.
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