Grupo de aventureiros resolveu fazer um tour de Florianópolis (SC) ao Himalaia, na Índia. As curiosidades vividas, a descoberta de outra cultura e uma linda homenagem a um amigo que se foi serão reveladas nas palavras dos próprios viajantes
Texto e fotos: Zilton Vargas e Nelson Santos
Himalaia
“Há três anos, numa mesa de bar em Urubici (SC), um grupo de amigos, capitaneados pelo famoso Bigode (Joel Rhenius), deu início ao Projeto Índia. Por ironia do destino, nosso querido Bigode partiu para outra viagem, ficamos órfãos, o que nos fez adiar o planejamento. Mas logo percebemos que precisávamos retomá-lo, como forma de homenagear este grande amigo. O grupo foi alterado com a saída de alguns idealizadores e a chegada de novos parceiros. O “Comandante Nelson” deflagrou o planejamento e, em dezembro de 2016, o conjunto se consolidou: Zilton, Orlandinho, Xikota, Mesadri, Nelson, Fadanelli, Max, Renatinho, Laurinho, Paulinho e Paulo Freitas.
A turma cresceu e foi em busca de uma empresa que pudesse fornecer apoio e suporte local para uma aventura dessa envergadura. Nossa preocupação era garantir a segurança necessária para encararmos o desafio: rodar numa região remota do planeta, com geografia tão peculiar como a do Himalaia, e um povo surpreendente e místico, dono de uma cultura ímpar e fascinante.
Tudo era muito diferente do que estávamos acostumados a enfrentar em nossas viagens pela América do Sul, inclusive o fato de não rodarmos com nossas motos habituais e nos deslocarmos na mão inglesa. Optamos também por contratar uma equipe para cuidar das fotos e filmagens, como forma de garantir uma bela recordação, e registro como incentivo para que outros companheiros motociclistas sintam-se tentados a viver também essa grande jornada.
Partimos de Florianópolis (SC) rumo à capital da Índia, Nova Déli, e de lá para Manali, onde realmente teve início nossa grande aventura. No primeiro dia, um test drive de tudo: moto, trânsito, costumes e por aí afora, como o fato de ter que buzinar (e bastante), principalmente nas ultrapassagens – pela direita!
As motos utilizadas foram as Royal Enfield 500 Classic, ou seja, as mais tradicionais da Índia, que, ao contrário do que muitos pensam, são de fabricação 100% indiana e não mais inglesa. Para nossa proteção, antes da partida, fomos agraciados com um manto abençoado pelos monges. Tudo pronto e lá fomos nós realizar o sonho.
Rumo ao desconhecido
Feita a aclimatação, sem saber exatamente o tipo de terreno que encontraríamos, partimos para nosso tour de 14 dias pelo Himalaia Indiano, nas regiões de Himachal Pradesh, Jammu & Kashmir, predominantemente budistas.
Cruzamos diversos vales, diferentes não só na paisagem, mas também culturalmente. Iniciamos pelo exuberante vale verde de Banjar, passando o vale de Kinnaur e entrando no deserto frio do vale de Spit, também conhecido como Little Tibet. Em seguida, cruzamos o Passo Kunzum La (4.551msnm – metros sobre o nível do mar) para entrar no vale de Lahaul. Seguimos pelo Passo Baralacha La (4.890 msnm) e por mais dois passos da região: Lachulung La (5.050 msnm) e Nakkeela (4.740 msnm).
Deixamos a região de Himachal e entramos em Jammu & Kashmir, em direção à famosa cidade de Leh. No caminho, mais um passo top, o Taglang La (5.328 msnm). Já próximos ao final da trip, via Chang La Pass (5.360 msnm) fomos conhecer o Pangong Lake, situado a 4.350 msnm, na fronteira entre a Índia e a China. E, para encerrar com chave de ouro, aquele que é considerado o passo trafegável mais alto do mundo, o Paso Khardung La (5.602 msnm). Hoje, com a facilidade do GPS, alguns números são contestados, mas, na região, o que vale é a tradição, e não são alguns poucos metros que irão mudar a sensação de estar num lugar desses.
No roteiro as cidades e vilarejos de Sojha, Sarahan, Sagra, Nako, Kaza, Jispa, Tsokar, Leh, Pangong. Rodamos por algumas das estradas mais perigosas, atravessando alguns dos passos mais altos do planeta. Foram aproximadamente 1.800 quilômetros, sendo 80% estradas secundárias de terra, pedras, rios e muita água de degelo. Asfalto tem, mas é raro e nas regiões mais desenvolvidas. Em alguns momentos a coisa ficava tensa, pelo grau de dificuldade do caminho ou pelas grandes altitudes do Himalaia. O frio não chegou a ser um agravante, pois na época que fomos – agosto – chega até fazer calor, à exceção de dois ou três passos onde a altitude passava dos 5.000 msnm.
O idioma não chegou a prejudicar, nosso “comandante” e alguns outros se viravam de jeito que dava no inglês – língua fluente do pessoal do staff, e de muitos indianos. A alimentação, sim, foi um complicador. Excesso de condimentos (coentro e cominho) e pimenta, muita pimenta! Carne bovina, nem pensar. A vaca é animal sagrado e respeitado. A carne de frango aparecia com frequência e a salvação de muitos foi ovo cozido e macarrão. Muito ovo cozido! O mais importante: ninguém passou mal.
Gente como a gente
O que mais nos surpreendeu na Índia foi o povo. Pessoas simples, semblante sereno, quase sempre sorrindo e prontas a ajudar. Foram vários acontecimentos marcantes, alguns curiosos, outros estranhos, e todos contribuíram para fazer desta uma grande viagem de moto. O grupo saiu-se muito bem, foram momentos de grande superação pessoal e de pura contemplação. A viagem foi simplesmente fascinante e ficará para sempre em nossas memórias.
Um momento foi especial: a homenagem ao idealizador da viagem, o Joel Bigode. Num lugar ímpar, de rara beleza, no alto de uma das montanhas do Himalaia – “Vale dos Deuses”, jogamos as cinzas de nosso grande amigo. Os sentimentos afloraram. Talvez pela altitude, nos sentimos mais perto do companheiro de tantas jornadas. Sua presença foi uma sensação quase unânime. Tivemos a certeza, que o “Traíra” – como carinhosamente nos referíamos a ele – estava feliz da vida, e dando risada da encrenca em que nos meteu.
Obrigado, Bigode, sabemos que você está em casa aí em cima, mas, por favor, fique à vontade, mas não mexa em nada!
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Link da matéria: https://motoadventure.com.br/Viagem de moto: Himalaia à flor da pele/